Recordado, nos tempos mais recentes, pelo papel de liderança no Sport Lisboa e Benfica, clube do qual foi vice-presidente entre 2009 e 2016 e, posteriormente, candidato à presidência, o nome de Rui Gomes da Silva fica indissociavelmente ligado ao seu passado enquanto ex-ministro dos Assuntos Parlamentares e Adjunto no Governo de Pedro Santana Lopes, de 2004 a 2005, e, também, vice-presidente do PSD, de 2007 a 2008.
No Vozes ao Minuto desta segunda-feira, recorda o momento em que o Executivo do qual fez parte foi dissolvido pelo chefe de Estado da altura, Jorge Sampaio, fazendo um paralelismo com a atual situação governativa do país. “Não há motivo para a dissolução da Assembleia da República, mas há motivo para defender que o ministro [João Galamba] não tem mais condições nem capacidade para estar à frente do Ministério” das Infraestruturas, defende.
Na sua perspetiva, o responsável máximo do Ministério responsável pela pasta da TAP “é uma âncora a puxar para o fundo um barco que quer continuar a sua viagem”. O caso que remonta a 26 de abril, e que envolveu a participação do SIS (Serviço de Informações de Segurança) para recuperar um computador alegadamente furtado pelo ex-adjunto de João Galamba, Frederico Pinheiro, será, na sua ótica, “mais um” em que “a culpa vai morrer solteira".
Quanto à liderança do seu ‘partido do coração’, atualmente assumida por Luís Montenegro, considera que lhe falta “carisma”, ao mesmo tempo que defende ser “inevitável que o PSD e o Chega tenham de se entender para formar Governo”, perspetivando as futuras eleições legislativas.
Quem vê a atividade governativa, diria que é uma atividade sem rumo, sem coordenação, sem direção, sem se perceber, sequer, onde pretende chegar.
O Governo socialista, apesar da maioria absoluta, tem vivido um período de alguma instabilidade, marcado por várias polémicas e consequentes demissões. No papel de ex-ministro, que análise faz aos cerca de 15 meses de liderança socialista na presente legislatura?
Acho inevitável que estes 15 meses fiquem ligados a esta grande confusão da atividade governativa. Não diria ‘casos e casinhos’, que seria a repetição de uma terminologia já usada muitas vezes. Mas, de facto, quem vê a atividade governativa, diria que é uma atividade sem rumo, sem coordenação, sem direção, sem se perceber, sequer, onde pretende chegar. Talvez os factos e a realidade sejam mais amigos do Governo do que ele mereceria. E diria mais: estamos perante uma governação enredada nestes sucessivos atropelos de legitimidades, de invocações, de quase abusos de poder relativamente ao recurso a determinadas entidades que nunca na História da democracia portuguesa foram usadas para estes fins.
Eu não falaria de trapalhadas, que é uma coisa pequenina para isto tudo. Mas são erros sucessivos, que nos envergonham enquanto portugueses. Estarem à frente de Ministérios pessoas que julgávamos com capacidade e que, no fundo, se entretêm em jogos florais de não dizerem ou de fugirem à verdade, e de usarem as palavras, os momentos, os calendários e os minutos para nos tentarem enganar, a coberto de uma maioria absoluta... E, como já diziam por aí, para além de terem a maioria, ainda querem ter razão quando, na maior parte das vezes, não a têm.
Refere-se aqui à mais recente polémica a assolar o Ministério das Infraestruturas?
Começamos a perguntar por uma indemnização de 500 mil euros dada a Alexandra Reis, porque não sabíamos. Acabamos, depois, a discutir milhões de euros de aviões, financiamentos, empréstimos e de apoios do Estado a essa mesma TAP. Depois, discutimos a privatização. Até que percebemos, em determinado momento, que há um conjunto de pessoas que se entretêm, não diria a mentir, mas, pelo menos, a fugir à verdade. A sucessivas fugas à verdade, a sucessivas declarações julgando que os portugueses são patetas e que não percebem aquilo que está em causa.
Não sei se foi o primeiro-ministro, se foi o secretário de Estado, e já todos percebemos que ninguém foi. É mais um caso, em Portugal, em que a culpa vai morrer solteira - porque alguém chamou o SIS, o SIS achou que era muito bem chamado, e a secretária-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa) concordou. Não quero saber se foi o primeiro-ministro que falou com o ministro e que o mandou avançar, se foi o secretário de Estado, se foi a chefe de gabinete, por coincidência, dois minutos após o ministro ter falado com o secretário de Estado e com o primeiro-ministro, que decidiu por si própria, sem falar com ninguém, em transmissão de pensamentos do divino Espírito Santo que encarnou nela e a transformou numa pessoa cheia de informação que lhe permitiu, depois, telefonar ao SIS.
O que julga ser, então, mais importante esclarecer acerca deste episódio?
Acho que, mais do que percebermos quem chamou o SIS, importa saber o que foi dito, ou ao primeiro-ministro ou ao secretário de Estado ou aos ministros da Administração Interna e da Justiça, a quem quer que seja, sobre o conteúdo daquele computador - para que as pessoas dissessem para se recorrer ao SIS. Mais do que perguntar quem é que deu ordens, gostaria de perceber o que o ministro Galamba disse, a qualquer dos ministros com quem falou naquele dia 26 de abril, acerca do que aquele computador tinha. Porque, de certeza, o senhor ministro não disse que o computador tinha umas notas sobre umas reuniões com a presidente da TAP.
Em boa verdade, as pessoas podem duvidar da serenidade e da sanidade mental dos ministros e do primeiro-ministro, mas façamos-lhes essa justiça: se um colega meu me disser que aquilo que está em causa são umas notas que um adjunto tomou de uma reunião normal, que não devia ter havido, mas ainda assim houve, ninguém vai dizer para recorrer ao SIS. Percebemos agora que não foi o plano de reestruturação da TAP, que estava em vários computadores e em vários sítios - e mais, o ministro nunca o tinha lido, portanto, não sabia se ele era importante ou não. Também não foi nada que tivesse que ver com números da TAP, porque esses números são, normalmente, do conhecimento de várias pessoas. Teve alguém de dizer que o que ali estava tinha a ver com Segurança Nacional, questões relacionadas com possíveis ataques terroristas, de segurança de aeroportos, etc., o que levou a quem estivesse do outro lado a dizer para recorrer ao SIS. Aí, acredito que o SIS, que tinha uma linha de investigação neste âmbito, tivesse dito que ia ver o que aconteceu, se existiam fugas de informação, nomeadamente de segurança. E depois perceberam que o computador, afinal, foi ajudado a sair do Ministério pela própria polícia, e que a pessoa, quando confrontada com a possibilidade de ter nela esse tipo de matéria, disse: “Quero é entregar isto, que não quero nada disso, a única coisa que quero é guardar as minhas notas”.
Sobre se João Galamba tem condições para continuar a exercer o cargo, a minha resposta é não.
Considera que, com o evoluir da comissão parlamentar de inquérito à gestão política da TAP, que também se tem debruçado sobre este tema, António Costa continuará a ter condições para segurar João Galamba no Executivo?
A comissão de inquérito foi feita com um objetivo, que hoje em dia está completamente ultrapassado e posto de parte. Defraudou-se a expetativa que havia relativamente ao objetivo desta comissão, e estamos a discutir casos de intervenção do SIS, de competências e de abusos do Direito. Mas, sobre se João Galamba tem condições para continuar a exercer o cargo, a minha resposta é não. Aliás, há dias em que o ministro praticamente não aparece, tem estado desaparecido em parte incerta. Tirando as comemorações do 10 de Junho, ninguém sabe onde tem estado o ministro. Possivelmente, aparecerá novamente algures no mundo, em breve, a representar o Estado português. Mas, em Portugal, não tem mais condições para aparecer e, portanto, é alguém que já não existe como ministro e nem tem capacidade para enfrentar qualquer outra situação que não seja gerir a agenda no seu gabinete, mas sempre sem aparecer publicamente a dar a cara pelas decisões que toma.
Facto é que João Galamba apresentou a demissão, mas a mesma foi recusada pelo primeiro-ministro. Que motivos terão levado António Costa a tomar essa decisão e a não agir nesse sentido? Como avalia esse cenário?
Diria que estamos numa ‘semicrise’, em que o Presidente da República tem um entendimento sobre esse caso, o primeiro-ministro tem outro. O Presidente da República acha que o ministro deve sair, o primeiro-ministro acha que não, e ficamos num impasse, sabendo que o Presidente da República não fala com o ministro e que o primeiro-ministro mantém o ministro só para não ‘dar o braço a torcer’ e dar razão ao Presidente da República. Mas este é o país que temos.
Perante tudo isto, diria que o atual Governo ainda tem condições para se manter em funções? Considera que tudo isto justificaria a demissão do Governo?
Julgo que não, e que não justificaria a dissolução da Assembleia da República. E, hoje em dia, as pessoas percebem o embuste e o erro que foi aquilo que aconteceu em 2004 e 2005. Decorridos 19 anos, percebe-se o golpe constitucional que houve. Atualmente as pessoas acham, e vê-se até nas sondagens, que não há justificação para dissolver o Parlamento e para demitir o Governo. Então e em 2004 havia? Mas não é por nos terem feito isso, em 2004, que significa que agora deveriam fazer o mesmo. Não se justifica. Em termos constitucionais, existe alguma razão que leve à dissolução da Assembleia da República? Não existe. O regular funcionamento das instituições democráticas e dos órgãos de soberania está em causa? Não está. Há um ministro que comete erros sucessivos? Sim. Há um primeiro-ministro que se quer solidarizar com ele e que os portugueses, em sucessivas sondagens, consideram que é um erro ele continuar com funções governativas. E é um erro o primeiro-ministro dar-lhe cobertura? É.
Julgo que acordaremos daqui a uns dias e o primeiro-ministro decidiu substituir três ou quatro membros do Governo, fazer uma remodelação, e vai incluir o ministro João Galamba nessa substituição. Porque, ao não fazê-lo, é como se estivéssemos a nadar em mar alto com uma âncora a puxar-nos para o fundo. É aquilo que João Galamba está a fazer ao Governo: é uma âncora a puxar para o fundo um barco que quer continuar a sua viagem. Não sei se bem ou mal, a perspetiva que faço é uma perspetiva errada desse caminho, pois é um lastro muito pesado para um barco que quer seguir viagem, independentemente do destino que decidiu no princípio da legislatura.
A estabilidade não é um fim em si mesmo, mas os mandatos são para cumprir até ao fim.
Concorda, portanto, com a postura tomada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao não avançar com a dissolução da Assembleia da República?
Nesse aspeto, inteiramente. Acho que não há motivo para a dissolução da Assembleia da República, mas há motivo para defender que o ministro não tem mais condições nem capacidade para estar à frente do Ministério. Aliás, repito, o ministro foi à comissão parlamentar de inquérito, e desapareceu durante não sei quantos dias.
Portanto, diria não a esta dissolução. A estabilidade não é um fim em si mesmo, mas os mandatos são para cumprir até ao fim, exceto caso hajam circunstâncias ou golpes constitucionais, como houve com o doutor Jorge Sampaio, para meter no Governo, depois, José Sócrates. São duas coisas, aqui, que não jogam com o conceito de democracia, mas foi isso que fizeram.
Voltando à referida comissão parlamentar de inquérito, que conclusões podem já ser retiradas das várias audições realizadas até ao momento, e das responsabilidades que cabem aos Governos do PS e, também, do PSD na forma como a companhia aérea tem sido gerida?
A TAP é um caso de estudo, pois sabemos das dificuldades associadas ao transporte aéreo, especialmente nos tempos que passaram. Não é um caso único, também há outras companhias aéreas de bandeira que vão fechando, na Suíça, em Itália, na Bélgica, etc. Mas temos outras companhias muito bem geridas. E ainda por cima quando Portugal tem um mercado específico, que é o africano e o sul-americano, e até, de alguma maneira, um crescimento nos últimos anos, por opção, no mercado da América do Norte, que leva a que Portugal tenha uma boa plataforma de desenvolvimento desse transporte aéreo. Sabemos, também, a importância do ‘hub’ em Portugal, enquanto plataforma giratória dessas mesmas viagens. E aquilo que não percebemos é porque é que, havendo companhias que, na mesma situação, são rentáveis, a TAP não pode sê-lo. Há muitos erros de base anteriores: houve o erro do negócio de manutenção no Brasil, bem como outros, e numa companhia de bandeira há sempre preços políticos a pagar, até em relação aos transportes para as ilhas e outras situações do género. É evidente que sabemos disso tudo. Mas isso não justifica os prejuízos loucos que a TAP tem dado.
A quem cabe a responsabilidade por esses resultados?
A TAP, nos anos em que esteve privatizada até à decisão tomada pelo Governo de António Costa, na anterior legislatura, foi uma companhia rentável na parte privada. Isto com novos aviões, com novos destinos. Então, porque é que, se na parte privada conseguimos ter lucro, por que é que as empresas públicas não o têm fazendo rigorosamente o mesmo? Qual é o erro de base? O erro de base passa pela disponibilidade e pela não existência de qualquer controlo. Porque se eu for administrador de uma empresa privada, tenho de prestar contas aos acionistas e sei que isso me pode custar o lugar. Os bancos, as companhias de transportes e as empresas que, antigamente, tinham dificuldades e que eram públicas, no dia em que foram privatizadas, deixaram de ter essas dificuldades. Mas será só da diferença de natureza? Não. É humano, as pessoas têm de ter incentivos, controlo e objetivos bem claros e bem definidos com uma atuação estratégica e, como é evidente, o facto de pertencer ao público não significa, nem melhor gestão, nem uma gestão mais aproximada dos interesses dos cidadãos.
Aliás, o facto de se ser administrador de uma empresa pública significa que, em primeiro lugar, sou nomeado e demitido por razões políticas, e não por critérios que tenham a ver com a eficácia, a capacidade de gestão ou o conhecimento do setor. E depois, independentemente da situação, nunca me serão atribuídas responsabilidades, porque terei sempre uma justificação qualquer - ou de amizade, ou de antipatia por razões políticas - para justificar a minha entrada ou a minha saída.
Se me perguntassem pela principal característica em falta na liderança do PSD, eu diria que seria falta de carisma.
Um barómetro recente da Aximage veio dar conta de que, apesar de tudo isto, mais de metade dos inquiridos consideram que, em caso de eleições antecipadas, o PSD de Luís Montenegro não tem condições para ser alternativa ao PS de António Costa. O que nos diz isto sobre o trabalho que tem sido feito pelo atual líder social-democrata?
Sou suspeito sobre isso. Se me perguntassem pela principal característica em falta na liderança do PSD, eu diria que seria falta de carisma. Acima de tudo, falta de liderança e de determinação relativamente ao objetivo. Ninguém percebe, em Portugal, quais são os objetivos e o que quer Luís Montenegro para o país. Ou seja, qual é o sonho que tem. Acho que as pessoas são capazes de mudar quando têm um sonho: um sonho alternativo, ou por antítese, qualquer que ele seja. Têm de ter alguma coisa que os leve a acreditar e a ir por aí. Foi assim com Francisco Sá Carneiro, com Aníbal Cavaco Silva e até, depois, com Durão Barroso. Mas foi assim, também, com Mário Soares, quando ganhou as eleições, com António Guterres e até com José Sócrates, em 2005. Essa é a principal característica: as pessoas verem algum desígnio nacional, algum sonho. É pensarmos que estamos numa certa situação, mas que por aquele caminho vai ser melhor.
Diria, então, que existe alguém, dentro do PSD, mais apto para fazer oposição ao PS - e para, eventualmente, assumir um eventual futuro cargo de primeiro-ministro no país?
Os mandatos são para cumprir com estabilidade. Mas facto é que o presidente do PSD está mais preocupado em ganhar o próximo congresso do partido do que as eleições legislativas. Essa é a única coisa sobre a qual ele não quer ouvir falar, porque acha que, com o passar do tempo, vai ter mais condições de degradação do poder socialista. Recordo que Sá Carneiro nunca teve medo de pedir eleições antecipadas porque sabia que as queria ganhar. Em 1985, Cavaco Silva ganhou o congresso de maio na Figueira da Foz, no verão pedia eleições antecipadas, e teve-as em outubro, para chegar ao poder em novembro. E nunca teve medo, sabendo que em 1 de janeiro de 1986 entrávamos na União Europeia. E, aí, havia a tal responsabilidade, o tal projeto nacional que era a União Europeia. A avaliação era, nesse momento, de que o país estava no mau caminho. De que o PSD, nesse modelo, seria capaz de conduzir o país a um caminho melhor. E foi isso que Cavaco Silva vez. Atualmente, o PSD faz uma conferência e demora, geralmente, sempre várias horas, ou até não responde às questões vitais no mesmo dia, nunca pede eleições antecipadas, nunca se percebe aquilo que faria diferente do PS e o que tem de projeto para galvanizar os portugueses.
Acho inevitável que o PSD e o Chega tenham de se entender para formar Governo.
E onde se insere, aqui, a relação entre o PSD e o Chega? Existiram, inicialmente, acusações de uma alegada “aproximação” entre os partidos, ao que muitos consideram ter sido seguida de uma suposta de “tentativa de demarcação” por parte de Luís Montenegro. Que análise faz destas afirmações, e qual julga ser a estratégia correta a tomar pelos sociais-democratas no contexto político atual?
Acho inevitável que o PSD e o Chega tenham de se entender para formar Governo. O Chega é inconstitucional, viola as regras da Constituição? Não. O Chega tem questões com as quais não concordo? Tem, tal como o PS, em 1983, tinha questões com as quais o PSD não concordava. E, ainda assim, o PSD fez uma plataforma governamental com o PS, e entrou para o Governo do Bloco Central. O CDS tinha questões com as quais o PSD não concordava, e o PSD com o CDS? Sim. Mas isso não impediu que, em 2002, fizessem um acordo e que governassem, até 2005, e depois, de 2011 a 2015, governassem com maioria parlamentar. Todas as medidas que o PSD preconizava estavam lá? Não. Todas as medidas que o CDS preconizava estavam lá? Também não. Mas isso impediu que um partido com assento na Assembleia da República não entrasse no Governo? Não impediu. E durante anos houve, até, a acusação de que o CDS era um partido fascista e que representava o regresso do salazarismo.
A isso estamos habituados, pois esse é o papel que a Esquerda faz para que alguns esquerdistas dentro do PSD sejam coniventes com o PS, para que lhes façam o jogo, argumentando que o PSD não se pode aliar à Direita, de modo que o PSD nunca possa ser alternativa de Governo. O PSD, primeiro, tem de perceber que tem de ser alternativa de Governo, e que não é a Esquerda que dita as regras e que lhe diz quais são os seus parceiros de Governo. Luís Montenegro resolveu esse problema no sentido inverso, ao dizer que nunca faria alianças com o Chega - ou seja, fez tudo o que era preciso para que o PSD não fosse, enquanto ele for líder do PSD, alternativa de Governo.
Mas há uma segunda vertente, em que o PSD tem de caminhar no sentido de tentar, sozinho, conquistar uma maioria. Porém, isso não significa abandonarmos, à partida, uma possibilidade de fazer maioria com partidos à Direita ou que, ideologicamente, podem estar mais próximos do PSD. Não serão, certamente, o Bloco de Esquerda, o Livre, o PAN ou o PCP a fazer maioria com o PSD. E no dia em que, imaginemos, Luís Montenegro ganhasse umas eleições, lá estariam eles a cobrar e a pedir o cumprimento da palavra, dizendo que, alegadamente, ele nunca faria aliança com o Chega. E, assim, não haveria maioria e haveria, portanto, uma nova maioria de Esquerda. Só estas duas questões - não limitar a sua política de alianças e, a seguir, tentar ser maioria sozinho - permitem ao PSD ganhar as eleições. O resto são manobras.
Que resultado antevê para o PSD nas próximas eleições europeias, aquele que será, de facto, o ‘primeiro teste eleitoral’ que será efetivamente colocada à liderança de Luís Montenegro? E que consequências poderá ter esse escrutínio para o futuro do partido?
Já ouvi o líder do PSD dizer que até admitia perder as europeias. O que não se percebe, ao fim deste tempo todo, tendo o Governo estas complicações e situações que teve, e estando a economia como está. Certo, os números globais são bons, mas os números que dizem respeito a cada um dos portugueses são maus. E esses são os portugueses com os quais o PSD se devia preocupar, com os portugueses do ‘centrão’, e não com os portugueses dos extremos. Importava ir buscar essas pessoas e tentar convencê-las de que o PSD será melhor Governo. Mas, para isso, é preciso objetivos, ao que Luís Montenegro responde que “ainda é muito cedo”. Como assim? As pessoas não têm direito a perceber, desde já, o que o PSD quer em termos de regime fiscal, de empresas públicas, de segurança nacional, de sistema de saúde?
São essas coisas que vale a pena discutir. Os portugueses precisam de saber, agora, o que se quer em relação a cada uma dessas coisas. Podem dizer que se apresentaram planos e projetos, mas o presidente do PSD vive alheado desta realidade e cada vez que fala, fala para os militantes. Há tantos e tantos exemplos pelo país que mostram que o partido vive uma realidade e que, cá fora, o país vive outra. E é por isso que há esta cada vez maior dissociação entre aquilo que quer e pensa o partido, e aquilo que querem os portugueses. Até um dia, em que as pessoas se fartam e acabam por não querer saber mais do PSD, e isso já esteve mais longe de acontecer do que parece.
Diria que devem existir, então, algumas mudanças na dinâmica interna do PSD? Em que sentido?
Mais importante do que ganhar o próximo Congresso do partido, é ganhar o país nas próximas eleições. Portanto, acho que o PSD, para ganhar, tem de acabar com este festim dos votos arregimentados, do caciquismo no mau sentido da palavra, de maneira que sejam livres as eleições internas. E acho que não adianta fazer nenhuma revisão estatutária - pois, ou têm coragem de fazer aquilo que acho que querem, que passa por voltar novamente aos congressos, ou então devem evoluir no sentido das tendências da democracia, passando por umas eleições primárias para deputados e líderes do partido, mas também para o conjunto de cargos que tenham a ver como a influência do partido lá fora. Para acabar com esta influência e com este circuito fechado em que são sempre os mesmos a decidir e a escolher as mesmas pessoas.
Penso que vamos ter, pela primeira vez, umas eleições presidenciais em que os candidatos podem discutir qual é o seu entendimento das funções inerentes ao cargo.
Começa-se já a discutir, também, nomes em perspetiva para as próximas eleições presidenciais, em 2026. O que podemos esperar desse escrutínio e que nomes não devem ser desconsiderados nesta corrida a Belém?
As eleições presidenciais em Portugal, com exceção das de 1985 e 1986, nunca tiveram uma segunda volta: o Presidente da República foi sempre eleito à primeira volta. Portanto, nunca foi obrigado a discutir o seu projeto presidencial em termos concretos, e fez o processo sempre como se fosse uma viagem pelo país para se apresentar, para falar e interagir, mas não verdadeiramente para discutir politicamente um projeto e aquilo que pensa serem as funções presidenciais. Foi assim com Ramalho Eanes, com Mário Soares, com Cavaco Silva e, também, com Marcelo Rebelo de Sousa. Mas penso que vamos ter, pela primeira vez, umas eleições presidenciais em que os candidatos podem discutir qual é o seu entendimento das funções inerentes ao cargo e o que vão fazer.
À Esquerda, acredito que venha António José Seguro, José Sócrates, Augusto Santos Silva e Ana Gomes - para além do candidato, possivelmente, do Bloco de Esquerda e do PCP, que virão, pelo menos, para fazer propaganda política dos seus programas. Já à Direita, pelo menos dentro da área do PSD, admitindo ou não que venha Paulo Portas, podemos ter Rui Rio, Marques Mendes, Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho, o Almirante Gouveia e Melo. O que significa que existe aqui, à Direita e à Esquerda, a possibilidade de ter pessoas com entendimento político e cargos políticos desempenhados no passado, capazes de dizer qual é o entendimento que têm das funções presidenciais em Portugal.
Portanto, acredito que, pela primeira vez, umas eleições presidenciais em Portugal vão ter, numa primeira volta, à Direita e à Esquerda, umas verdadeiras primárias, em que as pessoas vão identificar-se com A, B ou C, e vão votar em função daquilo que é o entendimento deles sobre o que é ser Presidente da República e das funções que lhe são associadas.
O Rui foi ministro do Governo de Pedro Santana Lopes, entre 2004 e 2005, e referiu que é necessário tê-lo em conta como possível futuro candidato presidencial por parte do PSD. Acredita num eventual ‘regresso’ de Pedro Santana Lopes a cargos de responsabilidade pública de âmbito nacional?
Numa situação dessas, em que poderemos ter a hipótese de ter essas tais primárias, Pedro Santana Lopes assume-se como a pessoa com mais experiência política - não só pelos cargos desempenhados, mas também por aquilo que ele sempre foi escrevendo, em coerência, sobre as funções presidenciais e sobre o que entende sobre as mesmas, bem como sobre quais os poderes que devem estar ligados a uma função dessa natureza. Esse enquadramento vai permitir que as pessoas à Direita e à Esquerda votem, num primeiro momento, motivadas pelo sentimento, e aí acho que Pedro Santana Lopes tem uma palavra a dizer. O que vai acontecer? Não sei, mas acho que é a pessoa com mais experiência e que mais tem falado nessas situações. É evidente que estar numa televisão todas as semanas a fazer comentário político ajuda, e o professor Marcelo Rebelo de Sousa chegou lá assim, bem como José Sócrates chegou assim a primeiro-ministro e a líder do PS.
Sempre disse que o futebol é a coisa mais maquiavélica que conheci na vida.
Mudando de tema, e num ano que fica marcado pelo regresso do Benfica aos títulos de campeão nacional de futebol, como olha para o trabalho que tem sido desenvolvido pelo presidente Rui Costa?
Sempre disse que o futebol é a coisa mais maquiavélica que conheci na vida. Já dizia Nicolau Maquiavel que “os fins justificam os meios”. E aquilo que percebi no futebol é que posso fazer tudo mal, mas ganhando-se, dá a ideia de que tudo está bem-feito. Podemos, por outro lado, fazer tudo bem e perder, e aí dá a ideia de que está tudo mal feito. Não há nada na vida que seja mais resultadístico do que o futebol. O Benfica, em quatro títulos possíveis, contando com o europeu, conseguiu um deles. Outros clubes tiveram três títulos. Podem dizer que o campeonato nacional vale mais do que os outros todos. Possivelmente vale. O Benfica teve momentos de grande fulgor exibicional? Teve. Portanto, é isso que as pessoas vão recordar, e agora não adianta estar a falar dos jogos perdidos, pois o que interessa é que o Benfica chegou ao fim e ganhou.
Equaciona uma nova candidatura à presidência do clube?
Na altura, após ter sido ministro, lembro-me de que um grande amigo meu me disse, quando fui eleito vice-presidente do Benfica, que, se o meu pai fosse vivo, do que mais teria orgulho não era de ter sido ministro, nem de ter sido 22 anos deputado, membro do Conselho Superior do Ministério Público ou vice-presidente do PSD, mas sim ter sido vice-presidente do Benfica - e se tivesse sido presidente ainda mais. Mas, sobre essa possibilidade, neste momento não tenho isso em consideração. É o que é, e digo apenas que temos tanto para fazer na vida profissionalmente, bem como em termos familiares. Como digo sempre, a minha vida foi sempre feita de percursos, mas aquilo que a decidiu verdadeiramente foram momentos.
O que mais me custa é ter tido toda a razão. Mas, como também no futebol, ter razão antes do tempo é não ter razão. E em 2016, quando saí do cargo de vice-presidente e em que as pessoas acharam todas que saía com ambição desmedida, o que importa é que eu sabia por que razões saía. Os acontecimentos vieram dar-me toda a razão. Mas tive razão antes do tempo. Depois disse, nas eleições em que perdi, que no ano seguinte lá estaríamos todos. O problema disto, como diria o doutor Mário Soares, é que só perde quem desiste. E as pessoas, nunca desistindo das suas convicções, dos seus princípios e valores, nunca perdem. Mesmo quando, teoricamente, assim o pareça. O que é preciso é continuar a acreditar e, nesse aspeto, podem existir pessoas que acreditem tanto quanto eu, mas naquilo em que acredito, ninguém acredita com tanta força e determinação.
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