A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, apresentou esta quinta-feira as 32 medidas do pacote anticorrupção aprovadas pelo Governo em Conselho de Ministros.
A Agenda Anticorrupção, que foi "elaborada a partir do Programa do Governo e à luz" do diálogo com "todos os grupos parlamentares, bem como as entidades públicas relevantes na prevenção e combate à corrupção e organizações da sociedade civil", contempla medidas que "reuniram amplo consenso e medidas que se afiguram prementes e eficazes para a prevenção e combate aos fenómenos corruptivos", de acordo com um sumário executivo partilhado com as redações.
Nas palavras da ministra, é uma "agenda realista", mas os partidos discordam. O Chega, contudo, elogia algumas medidas.
Para Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE), as medidas anticorrupção apresentadas esta quinta-feira pelo Governo são "mais um PowerPoint".
"Prometeram um pacote, uma agenda anticorrupção, e apresentaram mais um PowerPoint com um conjunto de títulos, intenções e promessas sem concretização ou calendário", afirmou aos jornalistas na Assembleia da República.
Por não ser possível de compreender, diz, é impossível de comentar. Contudo, insiste, o que falta é a menção aos offshores - tema já abordado pelo BE.
"Querer combater a corrupção sem combater as formas como o dinheiro é escondido fora do país, isso não é combater a corrupção", afiança.
"É caso para dizer que o Governo do PSD aprendeu em muito pouco tempo com as práticas do Governo de maioria socialista. Temos de duas em duas semanas um novo PowerPoint com nenhuma concretização, deixando de fora o essencial", disse por fim Mariana Mortágua.
Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal (IL), mostrou-se contra a medida de arresto de bens, afirmando aos jornalista que "atenta diretamente contra a presunção de inocência".
Em declarações após a presentação das medidas anticorrupção, refere que a IL se vai "manifestar" e que o Governo não terá o seu apoio.
Por sua vez, António Filipe, do PCP, referiu que o pacote anticorrupção "é um grande envelope para muito pouco conteúdo", frisando que o partido tem feito iniciativas que não viram no documento - nomeadamente sobre o combate às portas giratórias e paraísos fiscais.
Alexandra Leitão, do Partido Socialista (PS), afirmou que o confisco de bens sem condenação, uma das medidas apresentadas pelo Governo, deixou o partido com "algumas dúvidas", nomeadamente quanto à presunção de inocência e à absolvição. "É uma linha vermelha", reiterou.
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, em reação às medidas da agenda anticorrupção apresentadas hoje pelo Governo, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, saudou o executivo pela iniciativa, sublinhando a "grande capacidade de diálogo com os partidos" na elaboração destas propostas.
O deputado social-democrata confirmou também o anúncio do primeiro-ministro, Luís Montenegro, em relação à intenção das bancadas parlamentares que apoiam o Governo de criarem uma comissão eventual para debater "todas as medidas de combate à corrupção".
Sobre se várias destas propostas são cedências ao Chega, como André Ventura afirmou esta tarde, Hugo Soares disse não saber "se é uma cedência" por não conhecer as propostas do Chega, mas acrescentou que mesmo quando "a ideia é do Chega" não tem "problema nenhum em saudá-la".
Em relação ao mecanismo de perda alargada de bens hoje aprovado, o social-democrata lembrou que "no âmbito de processo de investigação criminal, ainda antes da acusação, é já hoje possível fazer apreensão de bens".
"Isso acontece todos os dias. Eu não queria ir mais longe, mas os senhores conhecem várias operações e investigações em curso, cujo resultado das buscas originou a apreensão de bens", afirmou.
André Ventura, líder do Chega, defendeu que o "confisco de bens pela corrupção e crimes associados é uma grande vitória do Chega", bem como a regulamentação do lóbi e o alargamento do "número de anos em que as pessoas não se podem candidatar ou ocupar cargo depois de serem condenadas".
"Seria hipócrita da nossa parte e da minha parte enquanto presidente do Chega não registar hoje estas boas intenções de se aproximarem do programa do Chega numa área tão fundamental e decisiva não para o Chega, não para o PSD, mas para o país, que é o combate à corrupção sem tréguas", frisou.
Ventura criticou o Governo por apresentar estas medidas "sem calendarizar" e sem especificar "como é que vai concretizar", defendendo que o executivo "está a procurar ganhar tempo numa matéria em que não se deve procurar ganhar tempo".
Para o líder do Chega, sem esses detalhes, as medidas do Governo são "um caderno vago de intenções que não acrescentam nada".
Afirmou ainda que o partido não se oporá à formação de uma comissão eventual, mas que o "país não precisa de mais comissões eventuais para analisar diplomas", mas sim "leis concretas, rápidas, que permitam lutar contra a corrupção de forma mais efetiva".
Paulo Núncio, do CDS, saudou o executivo pelo diálogo mantido com os partidos ao longo da elaboração destas propostas e também pelo conjunto de medidas apresentadas, destacando os avanços para a regulamentação do lóbi e o "combate ao enriquecimento ilícito permitindo o confisco de bens aos autores dos crimes de corrupção".
"Duas medidas, uma do lado da prevenção, outra do lado da penalização e repressão que consideramos fundamental para combater mais eficazmente a corrupção em Portugal", concluiu.
Recorde aqui as 32 medidas anunciadas:
- Regulamentação da atividade do lóbi através da criação de um regime de transparência e do seu Código de Conduta
- Escrutínio das decisões dos órgãos do Estado - Agenda dos Decisores e Registo da “Pegada legislativa”
- Implementação do Plano de Prevenção de Riscos dos Órgãos do Estado
- Reforçar o recurso aos gabinetes jurídicos do Estado, evitando o uso excessivo de assessoria jurídica externa
- Governação colaborativa – fortalecer os meios digitais de consulta pública em processos legislativos
- Aprofundamento do princípio do “Governo aberto” através de disponibilização pró-ativa de documentos e dados administrativos
- Reforçar a capacidade do Portal Base como instrumento de escrutínio
- Tornar as vendas judiciais transparentes através da obrigação de venda em Leilão Eletrónico
- Criar um novo paradigma de Perda Alargada de Bens a favor do Estado
- Reformar a organização e alargar os instrumentos dos gabinetes de recuperação de ativos e administração de bens
- Agravamento da pena acessória de proibição do exercício de função pública ou política
- Criação de uma “lista negra” de Fornecedores do Estado
- Equiparar as coimas do Regime Geral de Prevenção da Corrupção e do Regime de Prevenção do Branqueamento de Capitais
- Aprofundar o mecanismo de proteção para os denunciantes de corrupção e de cartéis na contratação pública
- Operacionalizar um canal de denúncias único de todo o Governo
- Reestruturação e reforço de meios do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC)
- Reforço de meios das Inspeções Gerais e da sua articulação com os órgãos de polícia criminal, Ministério Público
- Implementar os resultados do grupo de trabalho no âmbito da justiça administrativa e fiscal
- Reforçar os poderes de condução e apreciação do juiz no processo penal
- Reduzir a amplitude da fase de instrução em processo penal, limitando a utilização de expedientes dilatórios
- Rever o regime dos recursos quanto aos efeitos e ao momento da subida ao tribunal superior
- Alargar os mecanismos de colaboração premiada no âmbito do processo penal
- Mecanismos digitais de troca de informação entre autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal e outras entidades públicas
- Atualizar o regime legal dos meios de obtenção de prova em ambiente digital
- Facilitar o tratamento de prova através do uso de ferramentas tecnológicas
- Tramitação eletrónica do inquérito no processo penal
- Atualizar o programa de formação para magistrados, funcionários judiciais e órgãos de polícia criminal
- Flexibilizar e alargar o acesso a assessoria técnica especializada à disposição dos tribunais
- Publicitar o acervo de decisões judiciais em matéria de corrupção
- Garantir que as nomeações em regime de substituição sejam acompanhadas da abertura de concurso público para preenchimento da vaga
- Estabelecer um programa de formação avançada para funcionários envolvidos em processos de contratação pública
- Reforço de conteúdos curriculares no Ensino Básico e Secundário sobre ética, literacia financeira, os fenómenos de corrupção e a relação dos cidadãos com o Estado
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