Augusto Santos Silva, antigo presidente da Assembleia da República, adjetivou de "energúmenos" os membros da associação de extrema-direita 'Habeas Corpus' que, no fim de semana, interromperam a apresentação do livro 'Mamã, quero ser um menino!', da autoria de Ana Rita Almeida, em Idanha-a-Nova, e alertou para a atuação das autoridades nestas situações, em que "demasiada tolerância" pode passar a ser "cumplicidade".
"Leio, na imprensa do fim de semana, que a sessão de apresentação de um livro, em Idanha-a-Nova, foi interrompida por um bando de energúmenos", começou por escrever numa publicação divulgada na rede social Facebook esta segunda-feira.
O também antigo ministro dos Negócios Estrangeiros frisa que a "GNR, precavidamente presente no local, protegeu a autora assim insultada e retirou-a da sala, protegendo-a da violência dos ditos energúmenos, que a ameaçavam", não "tendo a sessão prosseguido, por ausência de condições de segurança".
"Compreendo parcialmente este comportamento das autoridades. Mas há um ponto que deve ficar claro para todos nós. Os energúmenos é que devem ser retirados da sala, para que as apresentações de livros se possam realizar tranquilamente, para quem quiser livremente assistir", considerou.
"Demasiada tolerância com esta cultura de violência e ameaça da extrema-direita já não será apenas tolerância, será mesmo cumplicidade", completou.
Recorde-se que o ex-juiz Rui Fonseca e Castro, que preside à 'Habeas Corpus', autodenominada associação de defesa dos direitos humanos, já havia apelado ao boicote da apresentação do livro, tendo-se mesmo disponibilizado a suportar os custos da deslocação daqueles que quisessem estar presentes. A associação de extrema-direita partilhou imagens do sucedido, com a legenda: "Missão cumprida".
A apresentação foi interrompida por gritos de “acabou!” e “deixem as crianças em paz!”.
Recorde-se que esta não é a primeira vez que a associação faz algo semelhante. No passado mês de junho já havia invadido a apresentação do livro 'O avô Rui, o senhor do Café', da autoria de Mariana Jones, na Fnac do NorteShopping, no Porto. A escritora denunciou estar a ser alvo de intimidação e ameaças pelo grupo de extrema-direita, que a acusa de promover a homossexualidade e pedofilia, estando o Ministério Público a investigar o caso.
Entretanto, Ana Rita Almeida avançou que vai apresentar queixa contra elementos da 'Habeas Corpus'. Segundo a autora, nos dias que antecederam a apresentação do livro, inserida da programação da XXIV Feira Raiana, elementos da Habeas Corpus começaram a movimentar-se e a organizar-se para a invadirem.
O local da apresentação acabou por não ser publicamente divulgado, estando inicialmente agendado para um espaço ao ar livre e passando, à última hora, para o Centro Cultural Raiano, "precisamente para evitar que marcassem presença".
"Ontem [sábado] de manhã já tinha ido à PSP para apresentar queixa, depois das movimentações que tinha percebido, tendo ficado em aberto e aguardando-se por aquilo que ia acontecer na apresentação. A GNR esteve na apresentação, com elementos à paisana misturados na plateia e duas patrulhas", disse.
À Lusa, a autora contou ainda que, a 10 de junho, participou numa sessão de autógrafos na Feira do Livro de Lisboa, onde apareceram elementos da Habeas Corpus.
"Como estavam em número reduzido, limitaram-se a seguir-me sem que desse conta, mas reportando-o depois em redes sociais", onde fizeram uma série de considerações negativas.
Nos dias seguintes viu as suas redes sociais "serem invadidas" de comentários onde era chamada de "pedófila, paga pela Maçonaria e pelo Governo socialista de António Costa para promover a homossexualidade junto das crianças".
Também as redes sociais da corporação, onde é bombeira voluntária, chegaram a ter publicações em que os comentários "tiveram de ser desativados face ao seu teor".
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