Mário Soares, socialista de "sombras e luzes", exaltado e criticado na AR

Os 100 anos do nascimento de Mário Soares, figura central da democracia portuguesa, assinalam-se no sábado, efeméride que será comemorada com um vasto programa de iniciativas até dezembro de 2025. Esta sexta-feira, o dirigente socialista foi amplamente exaltado (e também criticado) numa sessão solene na AR.

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Notícias ao Minuto com Lusa
06/12/2024 14:45 ‧ 06/12/2024 por Notícias ao Minuto com Lusa

Política

Mário Soares

A Assembleia da República (AR) evocou, esta sexta-feira, a figura do histórico dirigente socialista Mário Soares, no mesmo modelo da sessão que assinalou o 25 de Novembro de 1975, a propósito do centenário do antigo primeiro-ministro e Presidente. O fundador e primeiro líder do Partido Socialista (PS) foi alvo de rasgados elogios, mas também não faltaram críticas.

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, encerrou a sessão solene, tendo recordado Mário Soares enquanto "militante da liberdade, democracia e Europa", valores que "ajudou a criar" ao ser "sempre livre, sempre igualitário, sempre anti-xenófobo".

O chefe de Estado realçou que, sem Mário Soares, "a sua coragem e as suas convicções, que […] ultrapassavam em muito um partido, a liberdade, a democracia e a Europa teriam esperado mais, ou vivido atalhos mais penosos, ou conhecido mais sobressaltos ou empecilhos, ou mesmo conflitualidades internas, autoritarismos ou desvios não democráticos".

"Sem ele, Mário Soares, não seria possível uma sessão evocativa tão livre como a de hoje: uns livremente evocando mais os seus méritos, outros evocando livremente os seus deméritos. Uns louvando a democracia que ajudou a construir, outros querendo outro futuro que não o que ele sonhou", afirmou.

“Sem Soares, a democracia, liberdade e Europa tinham mais sobressaltos

“Sem Soares, a democracia, liberdade e Europa tinham mais sobressaltos"

O chefe de Estado, que ao longo da vida se cruzou muitas vezes com Mário Soares, teve a última palavra na sessão evocativa a Mário Soares no Parlamento.

Cátia Carmo | 12:32 - 06/12/2024

Por seu turno, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, defendeu que Mário Soares "não é uma figura histórica ou do nosso passado, é de hoje", ao mesmo tempo que alertou que "o que fizermos neste hoje dirá se Mário Soares também é futuro".

"Discutimos a liberdade de expressão e a pluralidade, o que podemos dizer e o que não gostamos de ouvir, discutimos o debate político no seu conteúdo, mas também na forma como o mesmo se faz, umas vezes mais inflamado, outras vezes mais musculado. Discutimos a polarização e o populismo. Discutimos o que devemos fazer, como devemos fazer e como reagir para garantir o equilíbrio. O que hoje discutimos já Soares tinha antecipado", disse.

"Como bom republicano", Mário Soares acreditava que o Parlamento "não era, não é, não pode ser um problema", mas tem de ser "a solução", tendo sido "um pêndulo".

"Deslocava-se de um lado para o outro em função daquilo que acreditava ser o melhor para o país em cada momento. Abdicando, quando em causa um bem maior, de dogmatismos, tanto ideológicos como partidários. Sem inflexibilidades, sem intransigências", apontou.

Aguiar-Branco sublinhou ainda que "Mário Soares nunca deixou de assumir todas as suas decisões e as consequências das mesmas, mais ou menos populares, mais ou menos difíceis, com coragem e sentido de responsabilidade, mesmo que à custa de votos, apoios ou até amigos", o que indicou ser "uma boa prática que foi caindo em desuso nos nossos tempos".

Aguiar-Branco.

Aguiar-Branco. "O que hoje discutimos, já Soares tinha antecipado"

A Assembleia da República comemorou, durante a manhã do dia desta sexta-feira, o centenário de Mário Soares.

Notícias ao Minuto com Lusa | 13:09 - 06/12/2024

"Soares viveu a História não como espetador, mas como protagonista e lutador incansável"

Já o líder do PS, Pedro Nuno Santos, assinalou que a vida política de Mário Soares "vale como um todo" e recusou que o seu percurso seja marcado por contradições, considerando que "esteve sempre do lado certo das lutas" em que participou.

"Em tempos sombrios, Soares esteve do lado certo na luta contra a longa noite da ditadura, batendo-se com toda a sua inteligência e coragem. Gabava-se, e tinha esse direito, de nunca ter cedido perante a tortura de sono a que foi submetido", disse, tendo exaltado que "Soares viveu a História não como espetador, mas como protagonista e lutador incansável".

"Se, aos olhos de muitos, entrou em contradição ao longo do tempo, a minha convicção é a oposta. É minha convicção que o mundo mudou, nestas décadas, muito mais do que Mário Soares e que as inflexões no seu posicionamento resultam mais dos efeitos do pêndulo da História do que de incoerências no seu pensamento", afirmou.

Pedro Nuno defende que Soares

Pedro Nuno defende que Soares "esteve sempre do lado certo das lutas"

O líder do PS defendeu hoje que a vida política de Mário Soares "vale como um todo" e recusou que o seu percurso seja marcado por contradições, considerando que "esteve sempre do lado certo das lutas" em que participou.

Lusa | 12:42 - 06/12/2024

O deputado do Bloco de Esquerda (BE) José Soeiro lembrou Mário Soares enquanto um Presidente que "defendeu ‘o direito à indignação’ quando o povo bloqueou a ponte 25 de Abril, no fim do cavaquismo", e que "saudou a solução política encontrada em 2015" - a denominada geringonça, que juntou a Esquerda parlamentar e o PAN.

"Ao longo da sua longa vida, aliou-se com a Esquerda e opôs-se à Esquerda, privatizou e criticou as privatizações, liberalizou e criticou o liberalismo, precarizou o trabalho e criticou a precariedade. Foi o mais comprometido obreiro da integração de Portugal na União Europeia. Censurou ferozmente, nos últimos anos da sua vida, a ‘desorientação neoliberal da União Europeia’. Foi contraditório e frontal nas lutas que escolheu. ‘Morre quem desiste’, terá dito. Nem pai do povo, nem mito profano. Republicano, socialista e laico, sim, como o próprio se definiu. Merece tudo menos a condescendência da despolitização e do consenso", disse.

Por sua vez, o deputado do Partido Comunista Português (PCP) António Filipe recordou que a centenária história dos comunistas cruzou-se muitas vezes com a ação política do líder socialista, "em lutas comuns contra o fascismo, em momentos de confronto sobre os caminhos a seguir pela Revolução Portuguesa, em convergências e divergências que marcaram o relacionamento entre comunistas e socialistas".

"Confronto que da nossa parte foi assumido com frontalidade, marcado pela coerência das nossas posições, mas também pautado por relações de respeito mútuo", sublinhou.

Discordando das "convicções europeístas" de Soares, e a "frontal oposição" dos comunistas aos governos liderados pelo socialista, António Filipe relembrou ainda as eleições presidenciais de 1986, nas quais o PCP apelou ao voto em Soares contra Freitas do Amaral - tapando a sua cara no boletim de voto se fosse preciso, apelo célebre de Álvaro Cunhal.

Esquerda recorda resistente antifascista, PCP realça

Esquerda recorda resistente antifascista, PCP realça "respeito mútuo"

BE e Livre recordaram hoje o histórico líder do PS Mário Soares como um resistente antifascista que "nunca se calou" apesar algumas contradições, e o PCP lembrou divergências históricas numa relação pautada por "respeito mútuo".

Lusa | 13:12 - 06/12/2024

Pelo Livre, o deputado Paulo Muacho lembrou Soares como "o resistente antifascista, o exilado político, o lutador pela democracia e pela integração europeia", mas também "o homem, com todos os seus defeitos e contradições".

"Soares nunca aceitaria a passividade perante o perigo, nunca aceitaria o enxovalhar das instituições, não encolheria os ombros ao ataque a portugueses de minorias étnicas e não aceitaria que se usasse os estrangeiros como botes expiatórios", defendeu.

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, destacou "o importante contributo que Mário Soares deu para a defesa do ambiente e de um combate sério ao aquecimento global", tendo representado Portugal na Cimeira da Terra de 1982.

Recordando que na altura tinha "apenas 12 anos", e era uma estudante "com bochechas tal e qual como tinha o presidente na altura", Sousa Real assinalou que há um "legado progressista, humanista, mas também ambientalista para cumprir".

"Cúmplice e ativista de um sistema de donos disto tudo, que se iniciou à sua sombra e se manteve à sua sombra"

À Direita, o deputado do Partido Social Democrata (PSD) António Rodrigues defendeu que recordar o histórico socialista "é celebrar Abril e o papel de todos aqueles que contribuíram para a construção da democracia, sem atender a dogmatismos ideológicos e dissidências políticas".

"Falamos do homem que, a par de Francisco Sá Carneiro, lutou intransigentemente contra os radicalismos da extrema-esquerda e da extrema-direita durante o PREC. Falamos do europeísta convicto, que foi determinante para a adesão de Portugal às Comunidades Europeias", sublinhou.

António Rodrigues realçou ainda que, se fosse vivo, Mário Soares "estaria hoje na linha da frente do combate contra os radicalismos que assolam o nosso país e, em particular, contra todos aqueles que querem tornar este Parlamento numa mera política do espetáculo".

"Por mais tarjas que se pretendam pendurar e muros que se pretendam erguer, não devemos, nunca, dar por adquirida a luta iniciada por Mário Soares após o 25 de Abril: a democracia não é um dado adquirido, constrói-se todos os dias, com todos e para todos", enfatizou, numa ‘farpa’ atirada aos deputados de extrema-direita e ao protesto levado a cabo pelo Chega na AR, há uma semana, pelo fim do corte salarial dos políticos.

Antes, o presidente do líder do partido populista de direita radical Chega, André Ventura, recordou "o papel incontornável" de Soares no 25 de Novembro e nos primeiros passos do país na Europa, mas ressalvou que "não podia estar hoje neste plenário se não deixasse claro e transmitisse em nome do partido que esta cerimónia solene desta forma, neste modelo, não deveria estar a acontecer".

Ventura responsabilizou Soares por ter sido "cúmplice e ativista de um sistema de donos disto tudo, que se iniciou à sua sombra e se manteve à sua sombra".

"À sombra de Mário Soares, o espírito do PS apoderou-se do aparelho do Estado", criticou, acusando-o ainda de ser responsável por uma "descolonização desumana e mal feita".

O ministro da Defesa e líder do CDS-PP, Nuno Melo, saiu a meio do discurso e já não ouviu Ventura dizer que "nenhuma cerimónia evocativa poderia esquecer um legado profundamente negro".

André Ventura responsabiliza Mário Soares por

André Ventura responsabiliza Mário Soares por "descolonização desastrosa"

O Chega não poupou nas críticas a Mário Soares no Parlamento e acusou-o de marcar uma "cultura de absoluta impunidade".

Cátia Carmo | 12:31 - 06/12/2024

O líder parlamentar da Iniciativa Liberal (IL), Rodrigo Saraiva, referiu que, como todas as grandes personalidades, Soares "tem sombras e luzes", mas que "o balanço global da sua atuação política é positivo", uma vez que, "em momentos fundamentais da nossa democracia, ele esteve do lado certo".

Contudo, apontou a Soares responsabilidades em características negativas do sistema que perduram, como "o centralismo, um estado omnipresente , o compadrio, o despesismo e o dirigismo", e aludiu igualmente ao seu papel na descolonização e à forma como geriu, já em Belém, os "assuntos de Macau".

Pelo CDS-PP, o deputado João Almeida recordou o contributo do "adversário político", mas também "as divergências profundas".

"Não poderíamos recordar o legado de Mário Soares sem lembrar os portugueses que, em 25 de Abril de 1974, viviam nos territórios ultramarinos e que foram vítimas de uma descolonização apressada, desumana e irresponsável", criticou, numa passagem que mereceu palmas da bancada do Chega.

No entanto, o deputado do CDS-PP fez questão de reconhecer "o contributo decisivo e convicto de Mário Soares para o triunfo da democracia em Portugal", enaltecendo "o combate sem tréguas à extrema-esquerda e às suas intenções totalitárias".

"É justo reconhecer que Mário Soares, quando estava em causa a governabilidade e o interesse nacional, sempre procurou equilíbrios e apoios à sua Direita e não à sua Esquerda. Com Soares nunca houve maiorias construídas à esquerda do PS", destacou, vincando diferenças para o atual PS, "que tantas vezes cede à tentação do radicalismo e do frentismo de Esquerda".

PSD diz que Soares lutaria hoje contra populismos, Chega demarca-se da sessão

PSD diz que Soares lutaria hoje contra populismos, Chega demarca-se da sessão

O PSD defendeu que Mário Soares seria hoje, como foi no passado, um lutador contra radicalismos e populismos, com a direita a apontar-lhe erros cometidos na descolonização mas apenas o Chega a demarcar-se da sessão solene.

Lusa | 12:36 - 06/12/2024

Recorde-se que os 100 anos do nascimento de Mário Soares, figura central da democracia portuguesa, assinalam-se no sábado, efeméride que será comemorada com um vasto programa de iniciativas até dezembro de 2025.

Mário Soares, que morreu aos 92 anos, em janeiro de 2017, desempenhou os mais altos cargos no país. Nascido a 7 de dezembro de 1924, em Lisboa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares foi advogado e combateu a ditadura do Estado Novo. Após a revolução de 25 de Abril de 1974, regressou do exílio em França e foi ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985. Pediu a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1977, e assinou o respetivo tratado, em 1985. Além disso, foi Presidente da República durante dois mandatos, entre 1986 e 1996.

Leia Também: Aguiar-Branco propõe busto de Mário Soares na Sala do Senado da AR

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