Em 2018, a Cleanwatts, cuja principal atividade assentava no desenvolvimento de 'software' de gestão de energia, decidiu criar três comunidades de energia, com recurso a painéis fotovoltaicos, numa espécie de projeto-piloto para uma lei que ainda não existia.
"O projeto foi muito bem recebido, até pela ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos], e até usaram os resultados desse projeto para definir como é que a lei [que enquadrava as comunidades de energia] iria funcionar em Portugal" após a transposição da diretiva europeia, disse à agência Lusa a diretora das comunidades de energias renováveis da Cleanwatts, Maria Benquerença.
Para o cofundador da empresa, Basílio Simões, a empresa está "claramente em vantagem".
"Fomos os primeiros e a primeira [comunidade] foi bem 'suadinha'. Somos uma referência nesse aspeto e ainda não há praticamente concorrência nesta questão das comunidades de energia", salientou.
Ao início, foi difícil explicar às pessoas o que era uma comunidade de energia -- a empresa compromete-se com a instalação dos painéis fotovoltaicos sem custos para os interessados desde que haja uma área mínima e gere a produção e distribuição.
"Quando a esmola é demais, o santo desconfia", brincou Basílio Simões.
A crise energética, com o aumento de custos, eliminou possíveis barreiras de incompreensão ou desconfiança.
"Tínhamos propostas que estavam com os clientes há um ano e tal e que tínhamos dado como mortas e agora ressuscitaram. Agora, são processos muito rápidos, porque as empresas estão muito estranguladas e querem rapidez", constatou Maria Benquerença, frisando que os últimos meses têm representado "uma fase de crescimento" e de muita procura.
Até agora, a empresa centrava a sua faturação no 'software' de gestão de energia, tendo cerca de dois mil edifícios onde gere a energia, desde aeroportos, a bancos, hotéis, estações de metro ou indústrias.
No entanto, em 2021, a Cleanwatts decidiu "focar-se a 100% nas comunidades de energia".
"Queremos montar as comunidades e o 'software' é um valor acrescentado", aclarou Basílio Simões.
Se até 2021 grande parte da faturação ainda tinha como origem o 'software', 2022 "já não vai ser assim", com a fatia das comunidades de energia já a operar e a vender energia a "ser tão relevante ou a ultrapassar a faturação das ferramentas de 'software".
O mesmo se aplica à dimensão ainda muito nacional desta tecnológica.
Cerca de 90% da faturação da empresa (que a Cleanwatts escusou-se a revelar) é em Portugal, "mas vai mudar rapidamente", asseverou o cofundador da empresa.
"Em 2023, é capaz de já ser 50/50 e depois vai ser a maioria lá fora. Por causa destas operações, Portugal é um bom mercado, mas pequeno", notou, realçando que a Cleanwatts tem uma "ambição global".
Com a entrada de uma lei que enquadra as comunidades de energia em Itália, a empresa já criou uma subsidiária para o mercado italiano, onde espera ter "um crescimento muito grande".
Brasil, Japão e Estados Unidos são outros dos mercados onde a empresa já trabalha e onde quer crescer.
"No centro da Europa, a Áustria, a Alemanha e a Suíça são um mercado único de energia, que segue as mesmas regras e onde há também legislação preparada. Vamos identificar pessoas para essa região", avançou Basílio Simões.
A empresa tem neste momento cerca de 70 trabalhadores, havendo perspetivas de crescer, "mas nunca de forma proporcional, porque é uma empresa com base em produto e parceiros", explicou.
Dentro da Cleanwatts, cabem sociólogos, gestores, contabilistas, engenheiros ou economistas, num trabalho que exige essa multidisciplinariedade.
"Andamos sempre em tentativa/erro e é preciso ser-se muito multidisciplinar, que, ao início, o carro está a andar e temos que trocar o pneu e vamos aproveitando e ainda vamos construindo a estrada ao mesmo tempo. Agora, com a transição energética, o carro vai mais rápido, a estrada já está melhor, mas ainda tem uns buraquinhos", resumiu Basílio Simões.
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