"Neste momento, a situação da IA é aquela de estarmos dentro de um carro que não tem travões nem cinto de segurança, está a ser guiado por uma pessoa que não tem carta de condução e vai por uma rua que não tem sinais de trânsito. Este é o estado da IA neste momento", assinalou, em entrevista à Lusa, a investigadora e docente, que integra o órgão consultivo das Nações Unidas para a IA recentemente criado por indicação do secretário-geral, António Guterres.
Até ao verão do próximo ano, este órgão deverá apresentar uma proposta de figurino de uma agência da ONU para a inteligência artificial, para ser apreciada pelos Estados-membros, mas, antes disso, até dezembro, deverá produzir um relatório com o levantamento de riscos, problemas, benefícios e oportunidades da IA e com recomendações.
Segundo Virginia Dignum, que leciona a disciplina de IA Responsável na Universidade de Umeå, na Suécia, "não há supervisão" do desenvolvimento e das capacidades técnicas dos sistemas de inteligência artificial e "não há suficiente atenção para o facto de que a utilização da IA não está a ser regulada de maneira nenhuma".
"Cada um de nós pode hoje à noite ver num vídeo no YouTube como se faz um sistema de IA e amanhã abrir uma companhia e começar a vender aquilo. Não há controlo nenhum, não há certificação nenhuma", sentenciou, sublinhando que faltam regras que definam os "fins próprios e os fins impróprios" do uso da IA.
A União Europeia (UE) está a fazer o seu caminho e aprovou em julho, no Parlamento Europeu, as primeiras regras para a inteligência artificial, que "visam promover a adoção de uma IA centrada no ser humano e fiável e proteger a saúde, a segurança, os direitos fundamentais e a democracia dos seus efeitos nocivos".
Virginia Dignum considera a legislação da UE "bastante completa". O difícil, agora, será cruzá-la com outras leis em vigor, "um puzzle", disse, "que vai ser extremamente complexo" de completar.
Para a investigadora, as regras para a IA devem ser definidas à escala regional, como a europeia, mas também à escala nacional, de cada país, e à escala setorial, para cada setor de atividade onde é aplicável, como a saúde, a educação ou a energia.
Depois, será preciso "definir alguma coordenação entre essas regras todas a nível internacional", porque "os sistemas que estão a ser desenvolvidos implicam, globalmente, toda a gente", sustentou.
Nesta matéria, uma eventual agência da ONU para a IA pode ter uma palavra a dizer. Poderá, segundo Virginia Dignum, "monitorizar as legislações diferentes", mas também recomendar, supervisionar e coordenar a "distribuição equitativa de recursos".
De acordo com a docente, um dos "grandes erros" que a sociedade comete "é achar que a regulação é contra a inovação".
"Não é", frisou, salientando que a regulação dá a oportunidade de "indicar em que direção é mais útil, mais benéfico, inovar".
Por outro lado, na regulação "é preciso imensa inovação, na definição e implementação de padrões", apontou.
A par da necessária regulação, Virginia Dignum defende a literacia para a inteligência artificial para que as pessoas possam fazer escolhas avisadas.
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