"Por um lado, deveria haver uma condenação. Por outro, é bom não esquecer que fazemos parte de uma candidatura a um próximo Mundial [de 2030], juntamente com Espanha. Portanto, não diria que estamos em condições perfeitas para ter uma posição veemente sobre o Mundial do Qatar. É evidente que existe sempre um jogo de interesses muito complexo e, como no mundo da política, há sempre avanços e recuos, uma diplomacia. Eu penso que é o que está a acontecer no caso português", explica Daniel Sá, em entrevista à Lusa.
A seis meses do arranque da prova, o diretor geral do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM) considera que as questões levantadas sobre o Qatar não têm recebido cobertura noticiosa suficiente, de modo a provocarem uma reação mais expressiva na opinião pública que pudesse levar a uma tomada de posição.
Sá acredita, porém, que a situação possa alterar-se com a proximidade do início da competição, em 21 de novembro, sublinhando que Portugal tem "liberdade diplomática" para se manifestar.
"Portugal tem a liberdade diplomática de o fazer, indiscutivelmente que a tem. Quer o Governo, a FPF, os atletas individualmente... não vejo nenhuma limitação a esse nível. Eventualmente, o que temos tido é algum silêncio, também porque o tema não está no radar do dia-a-dia cá em Portugal. Pode acontecer nos próximos meses possivelmente uma tomada de posição por parte de Portugal. Não acho que estejamos sem essa liberdade", afirma.
Relativamente a uma possível demarcação por parte dos patrocinadores ao evento, Daniel Sá considera "imprevisível" o comportamento das marcas associadas à competição e relembra o papel que os patrocínios tiveram na saída de Michel Platini do cargo de presidente da UEFA, em 2016, como exemplo de um fenómeno que pode vir a repetir-se, caso haja uma "grande pressão".
"É difícil perceber se vai haver uma fuga ou não. [...] Vamos ver se isto vai ser um assunto lateral do Mundial de futebol ou se vai ganhar uma espécie de efeito 'bola de neve' e tornar-se numa coisa difícil de gerir. Acho que há um risco de as marcas se afastarem, mas só se a situação se agravar muito e houver uma grande pressão da opinião pública e dos consumidores", avalia.
Para o especialista, é "indiscutível" que "os consumidores e os portugueses em geral estão cada vez mais atentos a estas situações e menos tolerantes a desculpar as marcas".
As recentes declarações do presidente da FIFA, Gianni Infantino, em que este relativizava as polémicas relacionadas com os direitos humanos naquele país, salientando as melhorias das condições de trabalho, podem causar um dano reputacional à entidade que tutela o futebol mundial, dada a longa duração da polémica, que se estende desde a escolha do país como organizador da competição, em 2010.
"Este tema do Qatar já vem desde a sua eleição. Já se arrasta há alguns anos. Portanto, o presidente da FIFA tentar 'passar uma esponja' e minimizar totalmente a questão, do ponto de vista da imagem não me parece uma boa solução. Parece ser evidente que existe um conjunto de problemas neste caso específico, nos trabalhadores que estiveram envolvidos na construção dos estádios. Fazer disso um não-problema não me parece inteligente", defende.
Para Daniel Sá, a escolha do Qatar parte de uma estratégia global da FIFA que se baseia na "diversidade em termos de acolhimento de competições", como forma de alargar mercados e tornar o futebol mais competitivo na "poderosa" indústria do entretenimento, de um ponto de vista estritamente económico.
"Podemos ver a indústria do desporto, de uma forma mais alargada, como fazendo parte da indústria do entretenimento. Quer isto dizer que disputam os patrocinadores e o tempo e dinheiro dos consumidores do mundo inteiro com outras formas de entretenimento. Concorre com o cinema, a música, plataformas digitais... A indústria do entretenimento é muito poderosa no seu todo e, portanto, o Mundial no Qatar, na Rússia, nos Estados Unidos [Canadá e México, em 2026]... tem tudo a ver com objetivos de desenvolvimento dos mercados e de negócios", conclui.