Lewis Hamilton e Max Verstappen levaram os níveis de emoção para lá dos limites nesta temporada de 2021 da Fórmula 1. O neerlandês levou a melhor em Abu Dhabi, conquistou o título, e na opinião de Filipe Albuquerque esta foi uma das melhores temporadas de sempre da modalidade.

Em exclusivo ao Auto ao Minuto, o piloto português, que tem sido um dos melhores do mundo na Resistência, analisou os companheiros de profissão e traçou dois diferentes perfis entre Hamilton e Verstappen, um mais "perfecionista", outro mais "explosivo".

Filipe Albuquerque, que no final do mês irá começar a sua época com as 24 Horas de Daytona, afirmou estar expectante em relação à mentalidade com que os dois rivais se apresentarão em 2022. O português campeão do WEC em 2020 falou ainda sobre o regresso de Fernando Alonso, a época dececionante de Sebastian Vettel, tendo ainda confidenciado uma curiosa história que envolve a Ferrari dos anos de Schumacher e Barrichello.

Tenho que dar a mão à palmatória e, de piloto para piloto, acho que Hamilton é brilhanteAo longo da época que foste seguindo a grande maioria dos Grandes Prémios. Muitos já disseram que esta foi uma das melhores temporadas de sempre. Concordas com isso?

Sem dúvida alguma foi uma das melhores de sempre. É inacreditável um campeonato ser discutido até à última volta. Estão os dois de parabéns, independentemente do seu desfecho e se era justo para um ou para outro. Estou agora curioso para ver a motivação deles no próximo ano, tanto de quem ganha, como de quem perde. Será que o Hamilton se sente derrotado ou injustiçado? Será que o Hamilton se sente sem energia para lutar contra injustiças ou será que vai trabalhar para ser melhor? Se calhar não, porque ele foi brilhante. Tal como o Verstappen. A grande ambição dele era ser campeão do mundo. Será que agora a ambição vai ser ser múltiplas vezes campeão do mundo? Sei que é diferente quando se atinge o objetivos. Vai ser giro ver a forma como cada um se motiva.

Apesar de ter sido um ano em que um heptacampeão do mundo não ganha o título, achas que este foi em 2021 que Lewis Hamilton esteve no melhor nível da sua carreira?

Tenho que dar a mão à palmatória e, de piloto para piloto, acho que ele é brilhante. Tem uma forma de condução completamente distinta do Verstappen porque vejo que ele se concentra em ter um carro mais competitivo, mais rápido. Ele privilegia o conjunto e não vai tanto ‘pelo braço’. Vejo muito mais o Verstappen nas corridas a lutar ‘no braço’, a compensar a falta do Red Bull, quando assim é, do que o contrário. Às vezes é o que as pessoas não se apercebem quando dizem que o carro do Hamilton é melhor. Se calhar é… mas estamos a comparar com quem? É que o que é certo é que o Pérez estava ali nos três primeiros e o Bottas estava cá para trás em 7.º. E o Bottas é um piloto que fez muitas pole positions. Gosto muito de ver as onboards do Hamilton porque as voltas dele são cirúrgicas, precisas, perfeitas. Ele estuda tudo muito bem e vê-se bem a experiência. O Verstappen é aquele piloto espetacular, que é fácil gostar, porque faz ali uma cambalhota com o carro e acaba na meta em primeiro. É explosivo, anda mais no limite que o Hamilton e é bonito também de ver. Cada um tem a sua beleza.

George Russell subiu à Mercedes e este ano será companheiro de Hamilton. Achas que pode ser um piloto versão Bottas ou mais estilo Rosberg?

Acho que o facto dele ser inglês e de muita gente na equipa ser de Inglaterra pode criar ali alguma coisa. Ele parece ser um miúdo de quem é fácil gostar, portanto estou expectante para ver o que pode acontecer. Analisando bem, e na minha opinião, se o Hamilton nas próximas duas épocas sentar por completo um George Russell, acho que ele está a provar que é o melhor piloto de sempre. Porque nem mesmo quando entrou para a Fórmula 1, o Alonso não o conseguiu sentar. Ele andou exatamente ao nível do Alonso e quase que ganha o campeonato. Acho que esta é a grande prova, apesar de ele já ser um dos melhores pilotos de sempre. O facto dele poder bater todos os colegas de equipa e acabar em grande pode fazer dele o melhor. Nem o Schumacher conseguiu acabar em grande na altura da Ferrari.

O Barrichello contou-me que, em Monza, um engenheiro da Ferrari enganou-se e o carro ficou 0,3s mais rápido por volta com aquiloNa Ferrari vimos dois pilotos muito equilibrados e, talvez, poucos esperariam o desempenho de Carlos Sainz ao nível de Leclerc. Achas que Leclerc não será dono de todo aquele potencial que falam ou Sainz subiu mesmo de patamar em 2021?

Neste nível de pilotagem, não estamos a discutir quem é rápido ou não. Ambos são fantásticos. Numa volta só acho que o Leclerc é mais rápido, mas a Fórmula 1 não tem a ver apenas com uma volta seca ou rápida. É preciso utilizar todas as ferramentas para fazer o melhor trabalho possível. Nunca mais me esqueço, na altura do DTM o Sainz veio fazer connosco um teste à Audi. Posso estar a ser injusto porque ele estava com a cabeça na F1, mas ele não me impressionou na altura pelo seu talento, mas impressionou-me pela forma como trabalha, e acho que é isso que o faz ir tão longe. Isto tem tudo a ver com o ser um piloto completo. Um bom exemplo disso é o caso do Rosberg. Ele em 2016 bate o Hamilton, única e exclusivamente devido ao seu trabalho e ao aproveitar todos os erros do Hamilton. Ele ganhou só por isso, não foi por talento.

Depois há o caso da Ferrari. Acho que lhes falta ali aquela cultura inglesa ou alemã. O italiano é um bocado como o português ou o espanhol, funciona ali o plano B e o C, enquanto o A nunca vai funcionar. Lembro-me de uma história contada pelo [Rubens] Barrichello sobre Monza. O setup tinha de ser de uma certa maneira, era preciso baixar ali alguma coisa e houve um engenheiro que se enganou a apertar lá uma coisa. Depois, teve medo de dizer e o carro foi assim. O que é certo é que eles ganharam 0,3s por volta com aquilo. Começaram todos: ‘O que se passa aqui? O carro está a andar imenso’. O engenheiro com medo de dizer, disse só a um colega o erro que fez. Resumindo, depois descobriram que daquela maneira o carro era muito mais rápido. Acho que esta é uma boa maneira de ver como as coisas podem funcionar numa equipa mais latina.

 

Um dos pilotos que destacaste nas tuas redes sociais, durante a época, foi o Fernando Alonso. Regressou e mostrou ao mundo que aos 40 anos ainda está ali para as curvas. Consideras que a Alpine, tendo carro, ele pode lutar por vitórias e pódios ao longo de uma temporada inteira?

Ele é um daqueles pilotos inacreditável atrás do volante. Não digo isto apenas pelas corridas na Fórmula 1, mas também pelas corridas que ele fez comigo na Resistência, mais concretamente nas 24 Horas de Daytona. Esteve dois anos fora da F1, volta e encontra uma jovem promessa francesa, que todos dizem que é muito bom, e chega e corre ao nível dele. Estamos numa altura em que as equipas, e não só na Fórmula 1, têm um fetiche pelos jovens pilotos, mas esquecem-se que um piloto que é feito da garra que tem, independentemente da idade que tenha. Tem muito a ver com o estado de espírito e ambição de cada piloto.

Acho que a Alpine não podia ter uma equipa mais perfeita. Um tem 40 anos, imensa experiência, já foi campeão, não tem nada a provar e só quer é ganhar. Depois tem uma jovem promessa que pode dar continuidade ao trabalho e colocar o piloto mais velho em sentido, e vice-versa, claro. Esta combinação de experiência e juventude faz com que uma equipa seja perfeita, desde que saibam trabalhar. Acho que a Alpine precisa de estar mais à altura da sua dupla. O Alonso é um fora de série e vamos ver se ele consegue levar a Alpine onde ele quer, se tiver tempo para isso. Se o Alonso conseguir fazer da Alpine o que ele quer, ele vai ganhar muitos trunfos e pode mandar à cara à Ferrari, e com razão, o porquê de não ter sido bem sucedido na altura em que esteve na equipa italiana. Acho que é exatamente isso que está na cabeça dele, além de ganhar, claro.

Se tivesses de escolher um piloto como revelação para 2021, quem seria?

Destaco, não tanto como revelação, como afirmação o Alonso. Depois de ter andado em Le Mans e no Dakar, por exemplo, voltar e estar ao nível dos restantes.

E quem para ti foi a desilusão?

Acho que um bocadinho o Vettel. Ele não me tem impressionado muito… É um piloto extraordinário, mas gostava de ter visto um bocado mais da parte dele. Não sei se é o carro que não está à altura. É sempre um pau de dois bicos quando estamos a falar de equipas inferiores, mas são equipas com dinheiro, com recursos, e apoiam-se nos pilotos experientes para os levar para a frente. Agora a questão é: não foi a equipa capaz ou não foram os pilotos que não os conseguiram fazer evoluir? Atenção que não quero ser injusto porque sou fã do Vettel! Sempre fui… dificilmente vai haver alguém capaz de bater o recorde de ser o tetracampeão de Fórmula 1 mais novo de sempre. Tinha um carro superior? Tinha, mas também não falhava. Só que gostava de ver mais dele.