"Não considero a Netflix e a HBO como concorrência direta ao cinema"

No Dia Mundial do Cinema entrevistámos Eyal Edery, o homem responsável pelas 46 salas do Cinema City existentes em Portugal.

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Patrícia Martins Carvalho
05/11/2019 08:20 ‧ 05/11/2019 por Patrícia Martins Carvalho

Cultura

Eyal Edery

Eyal Edery é o homem responsável pelos Cinema City. Israelita, 45 anos, casado e pai de três rapazes e uma rapariga, chegou a Portugal em 2000, quando tinha 26 anos, e está à frente da empresa da família desde 2004, gerindo as 46 salas do Cinema City espalhadas pelo país - em Israel, a família Edery tem 95 salas de cinema.

Eyal é filho de Leon Edery, o homem que abriu o Cinema King em Lisboa nos anos 80, e desde cedo que a Sétima Arte faz parte da sua vida e do seu percurso profissional.

Apaixonado por cinema, Eyal já fez de tudo um pouco nesta área: pipocas, arrumação, projeção, gerência. Até montou cadeiras para um novo cinema em Viseu. 

Neste dia especial e “importante” para a Sétima Arte, os Cinema City vão oferecer sessões grátis. Mas não para fazer face à concorrência de plataformas de streaming, garante Eyal. Tanto a Netflix, como a HBO não assustam o responsável, pois o cinema não é só ver um filme: é uma “experiência” e uma forma de as pessoas se abstraírem do seus problemas do dia a dia.

De que forma os Cinema City vão assinalar o Dia Mundial do Cinema?

Através de sessões gratuitas nas nossas seis salas (Alegro de Alfragide, Campo Pequeno, Alvalade, Beloura, Leiria e Alegro de Setúbal). Na compra de um Menu Big City (bebida e pipocas grandes) vamos oferecer um bilhete gratuito, para o cliente utilizar exclusivamente neste dia.

O cinema é isso mesmo - um sonho em ato contínuo. É um refúgio para os problemas do dia a diaQual a importância deste dia para o cinema em Portugal e o no mundo?

Todos os dias são importantes para o cinema, mas uma efeméride que o assinale, que o reconheça, que lhe dê mais palco é bastante importante. É a celebração de uma área tão essencial e fulcral à nossa sociedade como o cinema e o momento de reflexão do estado atual e futuro da sétima arte.

O que o fascina na sétima arte?

Sonhar. Porque o cinema é isso mesmo - um sonho em ato contínuo. É um refúgio para os problemas do dia a dia. Quando entramos num cinema sabemos que durante cerca de duas horas nos vamos conseguir abstrair dos nossos problemas pessoais e substituir por ideias, sonhos, inspirações. Naquele momento temos a certeza de que só o cinema nos pode transportar para um outro mundo que não o nosso atual e real. Ao mesmo tempo, ainda estamos a aprender algo de novo, a cultivar, a experienciar. Não há outro produto com o mesmo efeito. Acredito nisso.

Vai ver algum filme específico hoje?

Não sei se conseguirei ir ao cinema hoje, mas gostaria de ver o filme ‘Doutor Sono’, que é uma sequela do clássico ‘Shining’, que acompanha a vida do pequeno Danny. O último ‘Exterminador Implacável’ também está nos meus planos - quero ver o regresso da Linda Hamilton ao papel de Sarah Connor, passados tantos anos.

Montei cadeiras em cinemas novos, nos anos 90, por exemplo, estávamos a construir um cinema em Viseu e as cadeiras de todas as salas foram montadas por mimCresceu envolvido no mundo do cinema. Desde cedo percebeu que ia seguir as pisadas do seu pai, Leon Edery?

Da mesma forma que o cinema sempre foi a vida do meu pai, também desde cedo se tornou na minha. Eu nasci no negócio da família e cresci envolvido nesta área. O Cinema City é o negócio que o meu pai começou e fez crescer. Apaixonou-se pela área e já não conseguiu separar-se dela. Comigo aconteceu exatamente o mesmo.

Até chegar ao seu cargo atual, fez outras coisas ligadas ao cinema. Por que áreas já passou?

Comecei a trabalhar nos cinemas nas minhas férias e aí fazia tudo o que havia para fazer. Acho que passei por todas as áreas: colava autocolantes nas cassetes VHS, fazia pipocas, arrumação, projeção e gerência. Montei cadeiras em cinemas novos, nos anos 90, por exemplo, estávamos a construir um cinema em Viseu e as cadeiras de todas as salas foram montadas por mim. O cargo que atualmente ocupo e o caminho que segui foi uma evolução natural de todo o meu percurso.

Precisamos que as pessoas voltem a valorizar o produto cinema e que tornem o ato de ir ver um filme um hábito Quais são as principais diferenças que encontra entre o cinema de agora e o cinema da altura em que começou neste meio?

A maior diferença terá sido até no período da crise, com um consumo de cinema em queda e que temos vindo a recuperar ao longo destes anos. Estamos no bom caminho, mas ainda temos muito trabalho pela frente. Precisamos que as pessoas voltem a valorizar o produto cinema e que tornem o ato de ir ver um filme um hábito. Também nos reinventámos para dar às pessoas um produto diferente e mais completo - diversificámos oferta e tornámos a ida ao cinema numa experiência melhor e mais confortável. Mas há desde logo um grande desafio com as gerações mais novas - mostrar-lhes que ver um filme é muito mais do que pagar um bilhete, mais do que assistir a um filme numa televisão, computador ou tablet, que limita e reduz a experiência. Ir ao cinema é uma experiência imersiva.

Qual o filme da sua vida?

Não sei se tenho apenas um filme da minha vida. Tenho muitos filmes que me marcaram por um ou outro motivo. De qualquer forma, tenho uma relação especial com o ‘Cinema Paraíso’. Parece ter sido feito sobre a vida do meu pai e tenho uma memória de infância, de estarmos em casa da minha avó, a assistir ao filme numa cópia em película.

As vossas salas estão localizadas no Centro e Sul do país. Há algum plano para levar o Cinema City até ao Norte?

Estamos sempre atentos às oportunidades que vão surgindo no mercado, mas não pretendemos abrir salas apenas por abrir. Queremos garantir que os projetos se adequam à nossa estratégia de crescimento sustentável. Quanto às salas já existentes, estamos sempre a fazer remodelações para garantir que cada infraestrutura promove uma boa experiência ao cliente.

Como se têm adaptado às novas realidades e hábitos do cinema?

O Cinema City tenta sempre adaptar-se às novas realidades, mantendo o seu principal objetivo - dar bons filmes às pessoas. Existem públicos que gostam mais de ação, outros de drama, outros de comédia e, por isso, o Cinema City aposta na diversidade. Procuramos não só dar o que a maioria das pessoas gosta de ver, mas também dar outras opções para os clientes nicho, de forma a podermos oferecer a todos os clientes aquilo que realmente procuram e gostam. Podemos afirmar que o Cinema City nasceu para ser um cinema diferenciador.

O que distingue a oferta Cinema City da concorrência?

Para distinguir as nossas salas da concorrência, apostámos na diversificação da nossa oferta, direcionando os nossos serviços para eventos de grupo, de empresas ou de particulares e continuamos a trabalhar nesse sentido. Desenvolvemos serviços específicos para os nossos clientes, como as festas de aniversário VIP e o próprio City Bar, que é um espaço convidativo para os jovens e complementa a ida ao cinema. Privilegiamos a decoração nas nossas salas e a ambiência, com elementos de filmes que marcaram o nosso imaginário, para que os nossos clientes se sintam parte integrante do filme e que se consigam alienar das suas realidades enquanto assistem a um filme nas nossas salas. Promovemos o conforto e a qualidade.

A meu ver, a Netflix ou HBO são mais um concorrente da televisão e de outras atividades que se realizam em casa do que propriamente do cinemaQue interesse tem o cinema português em Israel?

De momento, o cinema português ainda não tem expressão em Israel, mas no ano passado foi assinado um acordo de cooperação, entre Portugal e Israel, que já permite a realização de filmes em co-produção. Tenho conhecimento de que já existem projetos em andamento, pelo que em breve deverão começar a surgir novidades.

Quanto à produção de cinema, como exibidor, quais são as suas expectativas e previsões para o futuro desta indústria?

Os estilos têm tendência para ser mais ou menos cíclicos. Nos últimos anos temos assistido a muitos filmes de super-heróis, a muitos remakes e sequelas mas surgem sempre novidades pelo meio que trazem estilos diferentes e se tornam um sucesso. Este ano, temos o exemplo do ‘Era Uma Vez Em…Hollywood’ e do ‘Joker’ que, apesar de ser um filme do universo BD, trouxe um posicionamento completamente diferente. E até de filmes portugueses, como o ‘Variações’, que trazem histórias que o público quer conhecer.

A exibição de concertos ao vivo, como aconteceu recentemente com as bandas BTS e Metallica, é uma estratégia a que o Cinema City pretende dar continuidade? Qual foi o impacto, em termos de espectadores, que estas duas exibições tiveram nas vossas salas?

Em Israel, este tipo de evento é muito comum e leva muito público às salas de cinema. Achámos que o público português estava preparado e resolvemos arriscar. O resultado foi muito satisfatório e pretendemos continuar com estes eventos.

Os números mais recentes do Instituto do Cinema e Audiovisual referem um aumento de espectadores em Portugal. Que análise faz a este crescimento e quais são as expectativas para 2020?

O ano de 2019 tem sido muito positivo. Começou de forma discreta, mas a meio do ano começou a disparar. Essencialmente, as pessoas vão ao cinema quando a oferta lhes interessa. Quanto melhores os conteúdos, mais apelativos serão e melhores serão os resultados. 2020 terá um histórico difícil - será difícil superar 2019. Mas acredito que ainda venhamos a ter algumas surpresas que tragam muito público às salas.

Qual o impacto de plataformas como a Netflix ou HBO nas salas de cinema?

Não acredito que plataformas como a Netflix ou HBO tenham um grande impacto nas salas de cinema, até porque não as considero como concorrência direta. Essas plataformas competem sim com o tempo de lazer das pessoas, em casa. A meu ver, a Netflix ou HBO são mais um concorrente da televisão e de outras atividades que se realizam em casa do que propriamente do cinema. O cinema existe há mais de 100 anos e vai continuar a existir, com as devidas inovações que vão surgindo, porque a experiência de cinema não dá para replicar em casa.

O ‘cinema convencional’ vai sobreviver a esta tendência?

Como disse anteriormente, não acredito que estas plataformas representem uma concorrência direta às salas de cinema. Cinema é experiência e as pessoas gostam de experiências e de socializar. Estas plataformas oferecem conteúdos de consumo imediato, mas não experiências.

Cada vez mais, é preciso mostrar às pessoas que ver um filme no cinema é muito mais do que assistir a um filme numa televisão, computador ou tabletE, por outro lado, à pirataria?

A pirataria sempre foi um problema para a indústria cinematográfica e a internet só veio agravar este problema, mas como sabemos a experiência não é igual! Cada vez mais, é preciso mostrar às pessoas que ver um filme no cinema é muito mais do que assistir a um filme numa televisão, computador ou tablet. Cumpre a mesma função, mas a experiência não podia ser mais diferente. Ir ao cinema é uma experiência imersiva, é partilhar as emoções com aqueles que nos rodeiam, partilhar o riso contagiante de uma boa comédia, a adrenalina de um filme de ação e a magia da animação. Estar sentado confortavelmente, com um bom sistema de som e imagem, é elevar a fasquia a um outro nível, é abstrairmo-nos de tudo o que está lá fora. Quando todos percebermos isso, o mercado vai crescer ainda mais e todos vão sair a ganhar em termos de experiência sociocultural.

Qual é a estratégia do Cinema City para convencer o público a ir a uma sala de cinema ao invés de ficar em casa?

A experiência, sempre! Trabalhamos diariamente para prestar aos nossos clientes o melhor serviço, para ter disponíveis os conteúdos mais interessantes para que a sua experiência de cinema seja única e diferenciadora.

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