Depois de 'Indiana Jones', lançado em 2016, Harold estreou, no final do ano passado o segundo álbum a solo, ‘Tudo Tem Seu Tempo’.
Com 12 faixas, aquele que é o primeiro trabalho discográfico com a Universal, conta com várias participações como Kalaf Epalanga, Azagaia, Toy Toy T-Rex ou Papillon e com o olhar atento do produtor El Conductor.
Harold mostra-nos um rap enriquecido com sonoridades diferentes, que vão dos sons africanos, ao soul ou às influências brasileiras.
Dos tempos do futebol, aos GROGNation e ao novo trabalho mais pessoal com a temática do tempo e com origem nas suas experiências e geração, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com o rapper.
Já foste guarda-redes de futebol e chegaste a ser convocado para a seleção de Moçambique, porque é que decidiste trocar o futebol pela música?
Chegou a uma fase em que senti que tinha de optar por uma das duas coisas.
Quando se passa da fase de formação para os séniores, há sempre uma altura em que, por sermos mais novos na equipa, jogamos menos. Ao mesmo tempo, nesse período as coisas na música estavam a começar a correr bem, estava a começar a ter mais concertos, a ficar mais entusiasmado de ir para a estrada e isso acabou por pesar muito na minha decisão. Senti que me estava a divertir mais a fazer música. Não era possível ter concertos ao sábado até às 4h e depois jogos ao domingo de manhã.
O futebol ficou completamente de lado?
Não completamente de lado, sou treinador de futebol há três anos, no Sporting Clube de Lourel. Não sou treinador principal, faço parte da equipa técnica.
Como é que a música entra na tua vida?
Por causa do meu irmão mais velho. Partilhávamos o mesmo quarto e costumava sempre ouvir as cassetes que ele gravava. Punha sempre os programas de rap a dar para ouvirmos e foi a partir daí que comecei a conhecer rap em português e não só. Além disso, o meu irmão fazia parte do grupo ‘Força Suprema’ na altura, eu ia ouvindo, eram muito. Mas foi já depois de ele ter saído do grupo que comecei a ganhar o bichinho por querer fazer música. No secundário decidi experimentar fazer uma música a brincar, mas acabou por se tornar uma rotina e um vício. Esses amigos com quem fiz isso acabaram por depois se tornar o meu grupo - os GROGNation.
Este é o teu segundo álbum. Sentes que por teres produzido este disco com uma editora de maior calibre, como é Universal, terá impacto no alcance da tua música?
Sinceramente não sei dizer isso. O álbum já saiu há alguns meses e não achei que isso tivesse acontecido, que a minha música tenha chegado mais longe por estar numa editora, não acho que isso tenha acontecido. Se bem que acho que acaba sempre por ter influência. Uma Universal, uma Sony ou uma Warner têm um peso grande no mercado e as pessoas respeitam o nome e a marca, mas acho que não é isso que faz com que as pessoas venham a gostar da música ou fazer com que se chegue mais longe.
Pelo menos em relação a mim não acho que tenha tido um impacto do alcance.
Mas há uma responsabilidade acrescida agora?
Também tento que isso não exista, porque eu sempre fiz a música de uma maneira tranquila e foi dessa mesma maneira que entrei na editora. Então quero que isso se mantenha mesmo estando lá dentro. Apesar de quando trabalhava sozinho ter os meus próprios prazos e agora ter de respeitar algumas datas para lançamentos da música, por exemplo, porque as coisas são feitas com um bocadinho mais de antecedência, mas não tento desviar-me de qualquer tipo de pressão ou responsabilidade, simplesmente tento só fazer a minha música como sempre fiz.
Este álbum foi principalmente marcado por isso, por muita experimentação entre sons do Brasil, África e PortugalComo é que foi o processo de produção para este álbum?
Foi mais ou menos um ano e uns meses. Acho que não chegou a um ano e meio. Foi todo trabalhado com o Conductor, que é um membro dos Buraka Som Sistema. Ele já tinha trabalhado no álbum do Valete [Serviço Público], também trabalha com os Wet Bed Gang, entre outros artistas. Então o meu disco contou com a direção artística e produção dele, deu-me orientação na pós-produção. Foi a primeira vez que trabalhei com alguém nesse sentido de direção músical.
Foi mais na parte instrumental. Fazia a minha música normal, igual, aparecia com as ideias das músicas e ele ia-me ajudando a perceber o que é que fazia sentido entrar no disco e o que não fazia sentido e a melhorar - num refrão ou a estruturar o esqueleto da música - foi mais um papel de ajudar as músicas a ficarem mais uma canção.
Trabalhámos com calma para também conseguir fazer tudo bem.
Há uma mistura de ritmos neste álbum - hip-hop, soul, brasileiro - onde é que te inspiraste?
Foi basicamente na forma como cresci. Cresci a ouvir música africana e, para mim, a música brasileira está muito ligada às pessoas e principalmente a minha família sempre ouviu muito desse tipo de música. Oiço muito rap brasileiro e então quis ligar esses elementos do que ouvi enquanto crescia e do que oiço agora e quis pôr na minha música e torná-la mais original. Quis que houvesse algumas vibes e instrumentais que não fossem comuns em outros álbuns de rap que estão a sair por aí.
Este álbum foi principalmente marcado por isso, por muita experimentação entre sons do Brasil, África e Portugal.
O meu próximo trabalho pode não ter misturas desta forma, mas pelo menos este quis que tivesse esses elementos.
O álbum chama-se ‘Tudo tem o seu tempo’ e há muitas referências a isso ao longo das várias faixas. Porquê a temática do tempo?
A questão do tempo sempre foi importante para mim. Para a minha geração sinto que às vezes as pessoas são cada vez mais impacientes, principalmente com a vinda da internet, de podermos ter tudo num clique e tudo muito rápido e às vezes querem que as coisas aconteçam cada vez mais rápido. Seja ao lançar uma música e querer que a primeira já seja um hit. Em tudo o que fazemos.
E quando as coisas não correspondem acabam por ficar frustradas. Nesse sentido tento acreditar que tudo acontece num tempo certo, tudo é uma preparação, tudo é uma aprendizagem, tanto a nossa interação com as pessoas, como o nosso crescimento. Quando somos mais novos há coisas que não entendemos e à medida que vamos crescendo vai fazendo mais sentido, porque é que se calhar temos de agir de certa maneira ou porque é que os nossos pais nos diziam isso e é um processo que só o tempo nos ajuda a perceber e entender.
É nesse sentido que digo que tudo tem o seu tempo, que temos de esperar. Acreditar que as coisas acontecem e vão acontecendo na altura certa.
Sentes que o facto de a música africana estar mais dentro do tipo de música que é ouvida hoje em dia significa algum avanço na forma como a sociedade olha... para o racismo?
Acho que sim, de certo modo. Às vezes ao conhecermos um certo estilo musical que por sua vez representa uma cultura, faz com que os povos se aproximem mais. Mas acho que também depende das pessoas. Há pessoas que podem só gostar e ouvir a música mas não querer saber de onde vem.
Mas se houver essa junção de alguém querer depois interessar-se pela cultura, essa pode ser uma das formas de combater o racismo e qualquer tipo de preconceito. Quando é algo desconhecido para nós e nos deparamos com o lado cultural desse país ou região pode fazer com que nos interessemos mais, que queiramos conhecer, fazer uma viagem, até. Mas vai sempre acabar por depender da pessoa.
Quis fazer um álbum mais musical e por isso fui beber mais às minhas raízes e também é uma verdade que a música africana está cada vez mais presente na cultura portuguesa e também quis ser dessas pessoas a torná-la ainda mais presenteSerá por isso que há cada vez mais artistas a irem buscar às suas raízes?
Sim sim, no meu caso foi muito assim. Senti que no primeiro álbum, no ‘Indiana Jones’, acabei por não explorar quase nenhuns estilos musicais, fiz um álbum normal de rap, do tipo do que eu ouvia e cresci a ouvir. Agora já quis fazer um álbum mais musical e por isso fui beber mais às minhas raízes e também é uma verdade que a música africana está cada vez mais presente na cultura portuguesa e também quis ser dessas pessoas a torná-la ainda mais presente. Acho que é importante fazer essas fusões, quando são bem feitas, é sempre uma mais-valia trazer algo diferente e quis ter esse papel e essa parte na mistura.
Como é que o Kalaf Epalanga vem parar ao teu disco?
O Kalaf é colega do Conductor, dos Buraka, eu tinha feito a música ‘O momento’ e já estava com a ideia do Kalaf há muito tempo. Quando ouvia rap em mais novo, o Kalaf tinha sempre participações, no álbum do Sam the Kid por exemplo, como speaker, fazia uma espécie de poesia e foi algo que parou de acontecer e no meu álbum, no momento em que fazia esta música senti que precisava dessa nota de poesia e a primeira pessoa que me ocorreu foi o Kalaf.
Depois nas conversas com o Conductor falei nele e foi possível criar essa ligação.
Quem mais podemos ouvir no teu disco?
Temos o Papillon, que faz parte dos GROGNation, temos o Tay Tay T-Rex, que é um artista que tem estado a crescer bastante, é angolano e tem crescido muito lá e começa agora cá. Há ainda a Marta Ferreira, que lançou comigo a primeira música, uma música que se chama ‘Torre Eiffel’ ou o Azagaia, um moçambicano, que é das minhas maiores referências do rap. Conta ainda com o Vado Mas Ki As que faz rap crioulo e português.
Depois nos instrumentais há vários produtores diferentes.
Quem são as tuas referências no rap nacional?
Valete, Sam the Kid, Regula, NGA e o Boss AC.
O que é que o público pode esperar daqui para a frente?
O álbum fica fechado, em termos de lançamentos de vídeos e tudo mais. Mas vamos lançar mais músicas que tenho feitas e guardas e de momento é só isso que posso adiantar. Vão sair ainda várias participações com outros artistas e o novo trabalho dos GROGNation, vamos estar no Rock in Rio este ano.
'Tudo Tem Seu Tempo' já se encontra em todas as plataformas digitais. Pode ouvir aqui: