A propósito do Festival da Canção, o Notícias ao Minuto falou com alguns dos cérebros por trás das músicas que serão interpretadas no concurso, partilhando hoje, dia da primeira semifinal, o resultado de duas dessas conversas, no caso com Marta Carvalho e com Hélio Morais.
'Medo de Sentir', foi composta por Marta Carvalho e será interpretada por Elisa na primeira semifinal do Festival da Canção 2020, a ter lugar já este sábado. Depois do lançamento, o tema fez sucesso no Spotify, ao chegar ao quarto lugar das canções mais ouvidas no serviço de streaming de música em Portugal e com mais de 40 mil reproduções no total.
"A inspiração surgiu de uma conversa sobre experiências de vida entre mim e a Elisa. A uma dada altura, percebi que o tema que estávamos a abordar (o medo de sentir e arriscar) era um bom tema para a canção", revelou Marta ao Notícias ao Minuto, dando conta de que o tema foi feito depois do convite para participar no Festival. Sobre a sua 'parceira de crime', a autora da música garante que "Elisa foi sempre a principal hipótese". "Já conhecia o talento dela e é, sem dúvida, a melhor escolha que podia ter feito. Só podia fazer isto ao lado dela", vinca.
Hélio Morais é o responsável pela composição do tema 'Cubismo Enviesado', interpretado por Judas, na segunda semifinal do Festival, a 29 de fevereiro. Para o músico cofundador e membro atual dos Linda Martini e dos PAUS, a inspiração veio "da constatação da resistência tremenda que a generalidade das pessoas tem em lidar com a diferença, em aceitar o que não é a norma". "As pessoas têm direito à sua individualidade, a serem e a sentirem-se como quiserem. E têm direito a sê-lo sem serem alvo de discriminação, perseguição, ou violentadxs* física e psicologicamente. É essa a questão que quero colocar. Não somos todxs* iguais, não há uma só forma de ver e sentir a individualidade e o Mundo, e devemos aceitar isso mesmo", diz, prometendo ainda que "uma atuação cheia de alegria e boa disposição".
A música 'Cubismo Enviesado' já existia antes do convite para participar no certame, mas sofreu algumas alterações a preceito. "Tinha uma versão estruturada, que nada tem que ver com a do Festival da Canção. Já tinha a letra escrita, alterei somente alguns versos e a base melódica para a voz. Depois acabámos a acelerar muito o ritmo da música e a mudar a melodia base dos instrumentos. Só ficou a melodia da voz", explica o artista. Sobre Judas, o intérprete escolhido, confessa já ter de antemão uma "ideia do tipo de intérprete que queria para a canção". "Não queria somente alguém que fosse cantar. Queria alguém que aceitasse este convite com um sorriso na cara e uma alegria enorme. Queria alguém que fosse performer. Que cantasse e dançasse. Que fizesse da atuação um momento de liberdade e alegria", realça.
Marta Carvalho e Elisa © Pedro Pina | RTP
Sobre a vitória de Portugal na Eurovisão em 2017, protagonizada por Salvador Sobral, e a participação mais disruptiva de Conan Osiris, em 2019, Marta dá conta de que provocaram "um ponto de viragem. Uma nova fase". "O Festival reinventou-se, e graças a essas edições, hoje vemos compositores da nova geração, e géneros diversos de música portuguesa a refletir bem a nossa era contemporânea no festival". Por isso, enfatiza, "a geração mais jovem acompanha agora o festival, o que não acontecia nos anos anteriores".
Hélio viu com agrado a vitória de Salvador, pois "a canção da Luísa [Sobral] era, de facto, muito bonita e o Salvador é um intérprete incrível", mas "a música do Conan só foi disruptiva para quem anda desatento. É uma canção muito boa e merecia ter ido à final da Eurovisão". No entanto, admite que talvez esses dois fatores tenham ajudado a que mais artistas quisessem fazer parte da história do festival. "Xs músicxs* que giram à minha volta começaram a olhar com outros olhos para o festival como um todo. Independentemente das músicas que ganharam mais recentemente. O que, a meu ver, é bastante positivo", refere.
Quanto à participação na competição, os dois compositores assumem posturas diferentes. Marta cresceu a ver o Festival da Canção e desde pequena que se "imaginava a fazer parte desta família no futuro". "É um grande privilégio e um marco na minha carreira no ramo da composição", afirma a jovem. Já Hélio confessa: "Para dizer a verdade, nunca pensei em participar até ter recebido o convite do Nuno Galopim".
Hélio Morais e Judas © Pedro Pina | RTP
Mas no que à vitória e representação de Portugal na Eurovisão diz respeito, como seria de esperar, as posições são já comuns.
A compositora de 'Medo de Sentir' quer que o seu tema toque os espectadores, quer criar um bom momento de televisão e memórias especiais, sem esquecer que "um dos objetivos é ganhar", pois isso representaria "um grande compromisso e responsabilidade". "Mas sem medos, e com toda a força e respeito pelo país que representamos, era um grande orgulho poder ver a Elisa no palco da Eurovisão a mostrar que Portugal é especial, mais do que pensam", faz sobressair. Por seu lado, o responsável por 'Cubismo Enviesado' deseja que "Judas seja muito feliz no Festival da Canção e que vá à final" para ter "a oportunidade de mostrar, mais vezes, o performer incrível que é. O que seria uma alegria muito grande".
Ao criarem os temas que serão ouvidos no concurso, ambos os músicos tiveram alguns cuidados, sobretudo o de manter a identidade de quem são enquanto artistas. "O maior cuidado esteve em fazer algo verdadeiro. Queria levar ao Festival um tema que dissesse a verdade e que demonstrasse a vulnerabilidade de viver e de sermos humanos. Eu e a Elisa somos muito parecidas, e o medo de sentir é algo que está presente nesta fase das nossas vidas. Esta é a nossa verdade", conta Marta Carvalho ao Notícias ao Minuto. Para Hélio, "houve o cuidado de pegar num esboço de canção e adaptá-lo à intenção que queria para a interpretação". "Isso passava por aproximar a canção do intérprete que escolhi – o Judas. Daí o ritmo ter sido acelerado e a melodia ter sido alterada, para ser mais animada".
A primeira semifinal do Festival da Canção 2020 decorre no próximo sábado, dia 22 de fevereiro e a segunda ronda de canções está marcada para o dia 29, em Lisboa. A final do concurso será disputada em Elvas, a 7 de março, numa cerimónia apresentada por Filomena Cautela e Vasco Palmeirim.
*Ambas as entrevistas foram feitas por email e o uso do 'x' ao longo das respostas de Hélio Morais deve-se à forma de escrita neutra do artista, sem utilização de género feminino ou masculino.