Natural de Vouzela, a autora nasceu em 24 de maio de 1969, no aniversário do próprio autor de "A Selva", e emigrou aos 20 anos para Toronto, onde, após concluir dois mestrados e um doutoramento em áreas como Literatura Francófona e Literatura Comparada com especialização em Línguas Africanas, vem lecionando Literatura e Escrita Criativa na universidade local e também na de Ryerson.
Chegou ao Canadá com um visto de 'babysitter', trabalhou como assistente social em unidades de saúde mental e toxicodependência, e, embora já com cinco livros em português ou inglês editados nesse país e ainda um sexto a caminho, defende em entrevista à Lusa que "é difícil ser-se publicado, qualquer que seja o país onde se está a viver, e ainda mais quando se é mulher".
O seu sexto livro no Canadá intitula-se "Daria" e o seu primeiro título em Portugal será "Uma casa no mundo", a lançar em setembro sob a chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda, enquanto entidade promotora do Prémio Literário Ferreira de Castro, em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Apreciado pelo júri pela sua "solidez de construção", o romance que marca a estreia de Irene Marques em Portugal desenrola-se no contexto da Guerra Colonial, tem referências autobiográficas na alusão à Beira Alta e aborda aspetos como o regime salazarista e o stress pós-traumático, apresentando até uma "personagem baseada em António Lobo Antunes, com base no livro 'Cartas da Guerra'".
Quanto ao estilo de escrita, a autora enquadra-o naquele que tem sido o caraterístico da sua ficção, que diz centrar-se em "questões de identidade pessoal, o papel do mítico, a formação e realização do 'eu' e do mundo, questões de género, raça, império, classe social".
Nos seus textos, diz abundar "a alegoria, o realismo mágico e o lirismo", o que não impede a sua escrita de ser, "ao mesmo tempo, altamente realista e política, alegórica e esotérica, evocando a vasta complexidade do mundo e da alma humana".
Notando que o romance "Uma casa no mundo" já foi "escrito há alguns anos e recusado por várias editoras", Irene Marques confessa: "Ganhar agora um prémio com esta história é ótimo, sobretudo por significar que vou ter pela primeira vez um livro editado em Portugal".
As anteriores recusas das editoras são encaradas como "parte do processo" e terão até funcionado como um estímulo, ajudando à identificação de "uma voz própria, realmente pessoal".
Clarice Lispector, Isabel Allende e Marie Redonnet são autoras preferidas da luso-canadiana, mas não as únicas: "A minha formação e trabalho académico em literatura comparada expõem-me a um enorme e variado número de autores de várias proveniências e línguas, portanto será difícil ter noção exata das influências sobre a minha escrita".
Fonte de inspiração confirmada é, contudo, a "tradição oral" do meio onde Irene Marques cresceu, na aldeia de Adsamo, na Serra do Caramulo e, por isso mesmo, a autora rejeita o Novo Acordo Ortográfico de 1990, por preferir uma língua portuguesa "diversificada, que reflita as diferentes realidades sociopolíticas e culturais" dos países e regiões que a usam.
"Defendo uma língua portuguesa que apresente uma visão crítica e frontal do colonialismo português e da sua violência - que foi de teor físico e cultural - e que não siga uma visão lusotropicalista ou neocolonialista que me parece continuar bem viva em vários segmentos da sociedade portuguesa", defende.
Irene Marques é autora dos livros de poesia "Wearing Glasses of Water" (2007, Mawenzi House), "The Perfect Unravelling of the Spirit" (2012, Mawenzi House) e "The Circular Incantation: An Exercise in Loss and Findings" (2013, Guernica Editions), e escreveu também a coleção de crónicas "Habitando na Metáfora do Tempo: Crónicas Desejadas" (2009, Edium Editores) e o romance "My House is a Mansion" (2015, Leaping Lion Books/York University).
A título académico, publicou "Transnational Discourses on Class, Gender and Cultural Identity" (2011, Purdue University Press) e "Critical Approaches Vol.1: The Works of Chin Ce (2008, Handel Books), assim como vários artigos em revistas da especialidade, sobre temas como "African Studies, A Companion to Mia Couto".