Curiosamente Cristina não é o seu primeiro nome, nem Madeira o último. Carla Cristina Madeira Sousa é como se chama a fadista conhecida por Cristina Madeira. Como este é o apelido da mãe, que adora fado, a escolha do nome artístico é uma homenagem.
Tem 52 anos e é natural de Lisboa, conta com um percurso artístico nacional e internacional que a permitiu levar o fado a vários países, de vários continentes. Agora, partilha com o Notícias ao Minuto como tem sido esta experiência, desde a emoção de cantar em Portugal à de pisar palcos no estrangeiro.
Recentemente foi condecorada como Dama Honorária da Casa Real Portuguesa e Irmã Professa da Real Irmandade da Ordem de São Miguel da Ala da Diocese de São Tomé e Príncipe, com contribuição para o reconhecimento da cultura portuguesa e divulgação e preservação da memória e feitos de Amália Rodrigues.
Cristina, que dedica a sua carreira inteiramente ao fado, até agora apenas tem vindo a interpretar canções de Amália Rodrigues. Foi em criança que sentiu pela primeira vez a “magia” do fado e desde então não mais parou.
Só canto Amália porque a sua voz e o seu bom gosto pelos fantásticos poetas que interpretou sempre me fascinou
Quando é que soube que ser cantora seria a sua profissão?
Sempre soube que este seria o meu trabalho e que me queria dedicar à música porque é um mundo que me fascina. O carinho do público foi-me dando cada vez mais certeza de que queria continuar a cantar e levou-me a percorrer o mundo. Em cada país, em cada palco, senti-me amada. Cada poema que interpretei deu-me ainda mais certeza de que cantar me permitia transmitir algo de bom ao público, o que, consequentemente, me fazia muito feliz.
© Sónia Godinho Fotografias
A Cristina só canta músicas de Amália Rodrigues. Porquê?
Só canto Amália porque a sua voz e o seu bom gosto pelos fantásticos poetas que interpretou sempre me emocionaram, como Alain Oulman, Luís Camões e Fernando Pessoa. Contudo, pondero agora seguir outros rumos porque cantar apenas canções de Amália Rodrigues nunca me trouxe muitas oportunidades. Atualmente, estou a desenvolver projetos na Música Popular Brasileira, com Roberto Menescal e Oswaldo Montenegro. Tem sido uma experiência maravilhosa com pessoas muito especiais. Sinto-me bastante grata por poder fazer parte desta junção musical.
Sinto que só meia dúzia de artistas 'apadrinhados' têm oportunidades e esses conseguem subir os degraus com pouco esforço
O que a inspira?
Na verdade escrever é uma das minhas inspirações. No meu primeiro álbum ‘Essência do Fado’ achei que ainda não seria o momento certo para gravar alguns dos meus poemas, mas no meu segundo álbum, intitulado ‘Novo Rumo’ gravei na música ‘Fado Perseguição’, um poema da minha autoria com o mesmo nome do álbum e no terceiro álbum ‘Infinito’ voltei a gravar mais um tema meu ‘Já Não Choro’, musicado pelo meu querido Marino de Freitas.
Agora, na companhia do Fernando Gomes, escrevemos um poema dedicado ao meu querido pai e tive a felicidade de poder contar com a participação do Roberto Menescal, que compôs a música.
Na sua opinião, quais os obstáculos e desafios que o mundo da música apresenta aos fadistas portugueses?
É uma excelente pergunta. Infelizmente os obstáculos e os desafios para uma artista como eu são imensos e cruéis. Sinto que só meia dúzia de artistas 'apadrinhados' têm oportunidades e esses conseguem subir os degraus com pouco esforço.
Sem nenhum apoio, a luta é árdua e constante para chegar aos meus objetivos, mas não desisto de alcançar o que idealizo, com muita consistência e dedicação.
Acredita que é cada vez mais possível viver do fado em Portugal?
Sim, mas encontra-se muitas barreiras e se não houver persistência pode-se acabar por ficar pelo meio do caminho. Apresento vários projetos a entidades culturais com propostas relacionadas com fado e é difícil obter sucesso. Pensei que o fado, por ser Património Imaterial da Humanidade, me traria mais oportunidades.
A música vive em mim, sei que nasci do fado
Qual o momento que mais a marcou ao longo do seu percurso artístico?
Foi na Roménia, enquanto cantava o poema ‘Prece’ de Pedro Homem de Mello. Lembro-me que, ao cantar uma determinada estrofe, obtive uma reposta de um senhor português que assistia na plateia.
“… talvez que eu morra no leito
onde a morte é natural
às mãos em cruz sobre o peito
das mãos de Deus tudo aceito
mas que eu morra em Portugal”
Ao cantar esta estrofe o senhor respondeu-me: “Eu quero morrer em Portugal” e, quando terminei, correu na minha direção com lágrimas nos olhos. Contou-me que estava há muitos anos a trabalhar na Roménia e e agradeceu-me por fazê-lo reviver o fado.
“Foi um dos momentos mais bonitos que vivi desde que saí de Portugal”, acrescentou.
Para mim, é gratificante sensibilizar as pessoas e tocar na alma de cada um através do meu canto.
Como foi lançar o primeiro álbum?
Foi uma experiência maravilhosa. Senti que aumentaram as minhas responsabilidades para com a arte e com o público. Era um projeto que idealizava há muito tempo e quando consegui juntar as peças e construir um trabalho para apresentar ao público senti que tinha a minha base construída.
Era um sonho que sempre quis realizar, sabia que a caminhada seria longa, mas com o amor e o empenho de todos os envolvidos fiz um álbum que me deixou cheia de orgulho. Foi em 2008 que nasceu ‘Essência do Fado’, o meu primeiro álbum com o repertório de Amália Rodrigues.
De facto, a música vive em mim, sei que nasci do fado.
© António Camilo Fotografias
Gostaria de continuar a representar o fado fora de Portugal?
Quem não gostaria? Sinto-me uma embaixadora do fado e estou muito feliz pelas condecorações que recebi, ser nomeada simboliza o maior reconhecimento que poderia receber. Agradeço pelo público que tenho, que me acarinha e me aplaude pelo que represento. Quando canto tento transmitir o mais puro que tenho, o fado.
Quais as suas ambições futuras?
Primeiramente, gravar um novo disco com outros artistas. Depois gostava de de ter mais apoios dos meios de comunicação, rádios, canais de televisão, câmaras municipais, instituições culturais e, acima de tudo, que os artistas pudessem contar com mais incentivos porque, de facto, é o que nos ajuda a elevar o nosso trabalho, portanto trabalharei nesse sentido.
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