"Foi horrível", atirou João Luís Carrilho da Graça quando questionado sobre o processo de revisitar a obra de uma vida, arrancando risos aos jornalistas.
"Costumava dizer, até há pouco tempo, que estava sempre a olhar para a frente, e não dava muita importância ao que ia fazendo e ao passado. Nunca tive ideia de que a minha atividade, independentemente dos edifícios, viesse a ser musealizada e objeto de exposições", explicou.
Uma mudança de ateliê e a necessária organização do acervo, que foi depositado na Casa da Arquitetura, obrigou a um trabalho de cuidado e seleção que "foi duríssimo", afirmou o arquiteto.
Esse arquivo, acompanhado por vídeos encomendados a André Cepeda, Catarina Mourão e Tiago Casanova, bem como um filme já existente de Salomé Lamas, que retratam as obras construídas, pode ser agora visitado na exposição "Flashback Carrilho da Graça", com curadoria de Marta Sequeira.
A mostra, que foi hoje exibida aos jornalistas, é inaugurada no sábado, e pode ser visitada até 29 de janeiro do próximo ano, na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, no distrito do Porto.
São também expostas obras de arte, livros e até filmes de outros artistas que serviram de inspiração para o arquiteto.
O diretor executivo daquele espaço, Nuno Sampaio, destacou a intenção de "estabelecer este diálogo, muito próprio de Carrilho da Graça, de relações com outras artes" e de mostrar "como mantém uma certa forma de atuar e construir a sua forma de arquitetura".
Já a curadora detalhou que "foram escolhidas 10 obras" que "são as obras-âncora de toda a exposição, no entanto estão representados cerca de 25 projetos ao todo".
O percurso, que anda para trás no tempo, quer mostrar "não só as origens, os projetos iniciais, [...] mas também o próprio universo paradigmático, as referências", reiterou Marta Sequeira.
"Depois de fazermos este percurso no sentido inverso, [há uma intenção de] nos aproximarmos ao presente e, esperamos ele, ao futuro", frisou a também arquiteta, evocando o livro do artista Lawrence Weiner "Within Forward Motion", que encerra a exposição com os olhos no futuro.
Esse futuro é evocado no fim da exposição -- o início da carreira de Carrilho da Graça, altura em que desenhou obras como a Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, ou as Piscinas Municipais de Campo Maior, no distrito de Portalegre, inspiradas pelo construtivismo russo representado nos "Architectones" ou por uma das litografias da obra "Suprematizm, 34 Risunka", de Kazimir Malevich, cedidas pelo Centro Pompidou, em Paris, e pelo Museu Coleção Berardo, respetivamente.
O próprio título da mostra é "uma espécie de homenagem a Julião Sarmento", que morreu enquanto a exposição estava a ser planeada, mas o artista, que é várias vezes evocado nas explicações do arquiteto, é lembrado nas pinturas da série "Blue", "Red", "Yellow", de 2019, que foram replicadas em painéis retroiluminados no projeto de Carrilho da Graça na Doca da Marinha, em Lisboa.
A exposição abre, precisamente, com esse trabalho mais recente de intervenção na zona ribeirinha de Lisboa, que inclui o Terminal de Cruzeiros, mas também a reabilitação da Doca da Marinha e do Campo das Cebolas.
São exibidas também representações e estudos de projetos como o Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, o Teatro e Auditório de Poitiers, em França, a Ponte Pedonal sobre a Ribeira da Carpinteira, na Covilhã, no distrito de Castelo Branco, e a Igreja de Santo António e Centro Social de São Bartolomeu, em Portalegre.
Para o arquiteto, as obras preferidas são "como os filhos -- mesmo que se tenha, nunca se confessa".
"Se são edifícios tenho de lhes dar atenção, há um que precisa de ser restaurado, outro é ampliado, não sei quê, é como se tivesse uma multiplicação enorme de filhos plantados por todo o lado que exigem atenção", prosseguiu.
João Luís Carrilho da Graça referiu ainda que "a arquitetura consiste na resolução de problemas, a partir de programas e sempre com sentido público e coletivo", mas "é uma sensação contraditória", já que, "na maior parte dos casos, mesmo uma casa interfere com o que lá existe".
"Estamos sempre a criar potenciais problemas futuros", rematou.
O arquiteto nasceu em 1952, em Portalegre, mas vive e trabalha em Lisboa desde 1977.
Venceu, entre outros, o Prémio da Associação Internacional dos Críticos de Arte em 1992, o Prémio Secil da Arquitetura em 1994 e o Prémio Valmor em 1998, 2008, 2010 e 2017.
Foi agraciado com a Ordem de Mérito da República Portuguesa em 1999 e venceu o Prémio Pessoa em 2008.
Leia Também: Museu do Chiado mostra coleção Mário Teixeira da Silva nunca exibida