O espetáculo, inicialmente criado em 2020, antes da invasão russa, era sobre como os habitantes de Kiev viam a guerra que decorria no leste da Ucrânia, na altura "muito distante", mas após uma conversa de Pavlo Yurov com o diretor do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim, (instituição que coproduz a peça) o texto foi quase integralmente reescrito, quando os bombardeamentos deixaram de ser apenas o quotidiano daqueles que viviam na região oriental do país, disse à agência Lusa o encenador ucraniano.
Para a peça que irá ser apresentada em data única na sexta-feira no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), Pavlo Yurov socorreu-se da sua experiência como 'fixer' (pessoa que atua como intérprete e fonte de conhecimento local para jornalistas estrangeiros) desde o início da invasão.
Durante esse período "intenso" e com um fluxo de eventos e informação "alucinante", foi ouvindo histórias e testemunhos que contribuíram para o processo de escrita meses mais tarde, que acabou por complementar com entrevistas a pessoas que viveram debaixo da ocupação militar russa no último ano.
Com interpretação de cinco atores ucranianos (a peça tem legendas em português), "Silence, Silence, Silence, Please" fala da história de uma família ucraniana e dos vários estados psicológicos e físicos que essa vive durante a invasão.
Olhando para trás, Pavlo Yurov reconhece que nos primeiros meses após o início da invasão "não havia tempo para reflexão".
"Eu não fiz muitas notas [no trabalho enquanto 'fixer'], porque eu nem conseguia pensar em nenhuma peça de arte. Para mim, na altura, parecia-me impossível fazer arte. Eu não conseguia focar-me", recorda, salientando que em parte valeu-se da sua experiência enquanto "testemunha e participante".
O título é uma tentativa de tradução de uma entrevista, em que uma mulher clama por algum silêncio, "um pedido emocional", de alguém que apenas quer "ter paz consigo própria".
"A minha principal questão é: Porque é que tudo isto acontece? Li muito sobre guerras e nunca houve um dia em que não houve uma guerra no mundo. As pessoas matam pessoas a toda a hora e a humanidade não é capaz de domar esse ímpeto para a agressão", afirmou à Lusa Pavlo Yurov.
Inicialmente, estava previsto o encenador ucraniano estar com os restantes atores em Coimbra, a preparar a apresentação da peça, e participar numa conversa que haverá no final, em que também participa Pedro Penim, mas as próprias contingências da guerra trocaram-lhe as voltas.
Para viajar para fora, sendo um homem na Ucrânia com mais de 18 anos e menos de 60 anos, precisava de uma autorização do Exército.
"Fiz um exame médico e recebi, há quatro semanas, uma carta de mobilização", disse, estando de momento num campo militar na região de Kiev, mas deverá ir em breve para a frente da guerra, no leste da Ucrânia.
Irá trabalhar no gabinete de imprensa do Exército, criando conteúdo, mas também ajudando jornalistas ucranianos e estrangeiros naquele contexto.
Videochamadas através da plataforma Zoom ou vídeos gravados dos ensaios permitem-lhe manter o contacto nas horas livres com os atores e preparar o espetáculo que estreia em Coimbra.
Sobre o futuro, não sabe como será, depois de um ano marcado por medo e esperança, conforme o evoluir das várias frentes da guerra.
Já sobre a peça, espera poder apresentá-la na Ucrânia, num teatro independente.
O espetáculo é apresentado em Coimbra no âmbito do projeto Odisseia Nacional, em que o Teatro Nacional D. Maria II programa fora do seu espaço, que está fechado para obras durante o presente ano.
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