"A pintura de Salvador Dalí é como uma autobiografia constante. Refletia tudo o que lhe acontecia na sua obra pictórica e também a nível escrito", disse à Lusa Mariona Seguranyes, historiadora da arte especialista em Dalí, ela própria de Figueres e atualmente vereadora da câmara local com a pasta da Cultura.
Dalí nasceu em Figueres, na Catalunha (nordeste de Espanha), em maio de 1904. A poucos quilómetros da fronteira de Espanha com França, a Figueres do início do século XX "era uma cidade muito aberta, que olhava para França, com grande movimento social e cultural", explicou Mariona Seguranyes.
Entre os amigos da família de Salvador Dalí estavam intelectuais, artistas e políticos que influenciaram a obra do pintor, que se tornou num dos maiores nomes do surrealismo e da arte do século XX.
Na Casa Natal Salvador Dalí hoje inaugurada, os visitantes poderão recorrer vários pisos de um edifício onde, além da casa da família, funcionava também o notário do pai do pintor.
Entre os espaços percorridos está, por exemplo, o quarto onde Dalí nasceu e cresceu, assim como a sua irmã, Anna María, muito presente numa fase da sua obra.
"Aqui sobretudo explica-se o contexto familiar do pintor, o contexto cultural e intelectual de Figueres do princípio do século, a importância [na obra de Dalí] da paisagem de Emporda [a região da Catalunha onde fica a cidade]", afirmou Mariona Seguranyes.
Em paralelo ao "Dali mais íntimo", o museu mostra também o "Dali do espetáculo, da cultura de massas", relacionando todas as dimensões e facetas da vida e da obra do artista.
"Falamos de um Dalí que deu o passo de viajar para Madrid, de todo o contexto de quando conheceu [o poeta Frederico García] Lorca e [o cineasta Luis] Buñuel e também se faz referência ao Dalí das performances, dos 'happenings', do Dalí que se aproxima da ciência, que é também um elemento muito importante da sua obra", acrescentou Mariona Seguranyes.
A Casa Natal Salvador Dalí junta-se a outros espaços, os Museus Dalí, igualmente na Catalunha, que mostram a obra do artista, que escolheu, ele próprio, Figueres para instalar o Teatro-Museu Dalí.
Ao Teatro Museu-Dalí, que abriu em 1974 e onde o pintor foi enterrado após a sua morte, em 1989, junta-se a casa onde viveu em Cadaqués e um castelo em Pubol, que comprou para a mulher, Gala Dalí.
No espaço aberto hoje não há obras originais de Dalí, que podem ser vistas noutros museus, e o objetivo é dar "uma visão mais completa da personagem, de diferentes prismas", nas palavras de Mariona Seguranyes.
A Casa Natal Salvador Dalí é um projeto da Câmara Municipal de Figueres, que comprou o primeiro espaço do edifício há 28 anos.
Os diversos andares foram sendo comprados ao longo do tempo e recuperados, para instalar o museu, num projeto que custou 4,2 milhões de euros e contou com fundos europeus.
"O que se visita é exatamente o espaço onde a família viveu e fez-se uma recuperação para restaurar as divisões tal como estavam", explicou Mariona Seguranyes, que destacou que o museu conta com "novas técnicas museológicas", como experiências imersivas.
A vereadora sublinhou que a intenção do município é que este museu seja também "a homenagem da cidade a Salvador Dalí", que escolheu a terra natal para "a sua última grande obra", o Teatro-Museu Dalí.
"Podia ter feito o seu museu em qualquer outra grande cidade do mundo, em Nova Iorque, em Madrid [cidades onde também viveu]. Era um artista importantíssimo. Mas quis que as pessoas fossem a Figueres conhecer a sua obra", afirmou.
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