Uma nova direção artística e um modelo de governação, missão e estratégia, mais atento à angariação de mecenas e parceiros, segundo as conclusões do grupo de reflexão divulgadas no final de 2023, são perspetivas que se abrem à administração a sair do Conselho de Fundadores que hoje se realiza.
Foi em abril de 2020 que quase uma centena de trabalhadores (92, dos quais 28 com contrato e 64 prestadores de serviço) pediram, num abaixo-assinado em plena época de pandemia de covid-19, que a empresa assumisse a sua "responsabilidade social" perante o fecho do equipamento a espetáculos.
Em causa estava o cumprimento, por parte da Fundação Casa da Música, dos compromissos assumidos com os prestadores de serviços (formadores, músicos, guias, assistentes de sala, entre outros) quanto aos espetáculos que se iriam realizar, mas que foram cancelados devido ao confinamento geral causado pela pandemia.
À data, a Casa da Música assinalou que os trabalhadores com contrato estavam a receber na íntegra as suas remunerações enquanto os prestadores de serviços estavam a ser remunerados em função da colaboração, "respeitando em todos os casos a legislação aplicável".
Foi este o início de uma longa troca de 'argumentos' entre trabalhadores e administração da Casa da Música, à data liderada por José Pena do Amaral e depois por Rui Amorim de Sousa, atual presidente que estará de saída, como avançou o jornal Público.
Hoje realiza-se uma reunião do Conselho de Fundadores, que deverá designar os membros que lhe competem, incluindo presidente e vice-presidente, a juntar aos representantes do Estado português (dois), do município do Porto e da área metropolitana do Porto.
A escolha de presidente e vice-presidente, no entanto, terá de ser formalizada pelos seus pares, por voto secreto, numa reunião do novo conselho de administração convocada para esse fim, de acordo com os estatutos.
O caso dos precários chegou à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que logo em maio de 2020 abriu um inquérito à Fundação, e no mês seguinte vários trabalhadores denunciaram a sua dispensa após uma vigília, tendo alguns deles sido posteriormente chamados a trabalhar, sem explicação para a dispensa anteriormente anunciada.
José Pena do Amaral negou no parlamento a existência de uma situação de "falsos recibos verdes, generalizada", comprometendo-se a regularizar as que viessem a ser identificadas, mas a ACT afirmou, ainda em junho, existirem indícios de falsos recibos verdes.
Na sequência das polémicas, o maestro José Luís Borges Coelho, representante do Estado no Conselho de Administração da Casa da Música, renunciou ao cargo, manifestando um "desacordo solitário" com a condução do processo.
O número de precários identificados pela ACT foi subindo, chegando a 36, a quem a Casa da Música afirmou ter apresentado contratos de trabalho, mas já em outubro de 2020 uma petição dos trabalhadores acusou a Fundação Casa da Música de "não regularizar os contratos de trabalho como devia", algo contrariado pela administração.
Já em janeiro de 2021, a ACT afirmava que de 37 casos de 'falsos recibos verdes' detetados, 19 já tinham sido regularizados, e a administração falou em 21.
Em junho de 2021, começavam a desenhar-se alterações na administração, com a entrada de uma administradora-delegada, Maria Antónia Portocarrero, tendo Rui Amorim de Sousa assumido a presidência da instituição.
Pelo meio, uma greve em novembro de 2021 fechou a cafetaria e cancelou visitas guiadas, com novas acusações de represálias negadas pela administração.
Em outubro de 2022, novo episódio envolvendo a administração, com uma denúncia anónima colocada 'online' a acusar a Fundação de violar o Código de Contratos Públicos e o Estatuto do Mecenato ao oferecer supostos benefícios comerciais aos seus mecenas.
A informação foi remetida ao Tribunal de Contas, à Inspeção-Geral de Finanças, ao Ministério Público e à Polícia Judiciária, e mais uma vez negada pela administração.
Já o ministro da Cultura do último Governo PS, Pedro Adão e Silva, promoveu uma reflexão sobre o modelo de governação, missão e estratégia da Casa da Música.
Nas conclusões de um grupo de reflexão, foi defendido que a Casa da Música deve angariar mais mecenas e parceiros para assegurar serviço e tornar permanente o cargo de administrador-delegado, bem como abrir concurso internacional para a direção artística.
Atualmente decorre precisamente o concurso público para a direção artística da Casa da Música, ocupada por António Jorge Pacheco desde 2009, que teve 44 candidatos, dos quais 11 portugueses.
No sábado, o sindicato Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) lamentou a "falta de interesse" da administração cessante em negociar o acordo de empresa proposto em abril de 2023, esperando que o novo Conselho de Administração dê prioridade a esta questão.
O Estado é o maior financiador da Casa da Música, contribuindo com 10 milhões de euros anuais para a instituição, mas a maioria dos administradores são oriundos do setor privado, sendo a gestão também privada.
Desde 2005, mais de 3,5 milhões de espetadores assistiram a espetáculos na Casa da Música.
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