Festival da Canção Erudita quer reanimar "repertório riquíssimo"

O Festival da Canção Erudita LiedFest realiza-se de 16 de janeiro a 2 de fevereiro, no Teatro Variedades, em Lisboa, com o objetivo revitalizar e trazer público para este género musical, disse à Lusa a diretora artística, Catarina Molder.

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Lusa
26/12/2024 13:34 ‧ há 13 horas por Lusa

Cultura

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Para a soprano, "a vida é feita de canções", por isso impunha-se fazer algo que pudesse inverter a redução de recitais de canção erudita que "tem vindo a acontecer por este mundo fora", desde há dez, 15 anos, como disse em entrevista à agência Lusa.

 

Além de recitais temáticos e encenados, o festival tem previstas outras iniciativas como uma 'masterclass' pela meio-soprano Cátia Moreso, "Cantando em Português", em torno da poesia e do 'lied', uma conferência pela filósofa Maria Filomena Molder e o ensaísta e tradutor João Barrento, responsável pela tradução de mais de 600 'lieder', e um curso livre pelo musicólogo Rui Vieira Nery, "Uma Viagem pelo 'Lied' Alemão", este na sala de âmbito cultural do El Corte Inglés.

"Lied' significa canção em alemão", explicou Catarina Molder à Lusa, acrescentando que "os principais blocos da canção erudita são a canção alemã, o 'lied', e a seguir a 'mélodie' francesa". "Mas, claro, depois todos os compositores de outros países foram fazendo as suas canções, ligados à sua poesia e com uma ligação intrínseca à sua língua e à sua própria música e à música tradicional do seu país".

"Este é o pequeno formato, o da confissão, com uma fusão da poesia e da música. É neste formato onde a poesia é mais grandiosa, mais do que na ópera", garantiu a diretora do festival.

Catarina Molder dirige igualmente o OperaFest, festival anual, no verão, que visa divulgar género operático junto do grande público, um objetivo comum com o LiedFest.

"O LiedFest serve para trazer para ordem do dia esse repertório [da canção erudita] que é tão rico, que é uma outra face do canto lírico. A ópera é a face da extroversão, da grande tragédia, do grande formato: as guerras, os amores, os assassinatos, as grandes causas. Aqui, neste festival, apresentamos o pequeno formato, [o da] da filigrana, da intimidade, da confissão", disse a soprano, referindo que a canção erudita, maioritariamente acompanhada ao piano, "mantém o ambiente confessionário e íntimo", mesmo quando apresentada com orquestra.

O 'lied' é um formato que surgiu na viragem do século XVIII para o seguinte, "em pleno [movimento filosófico, literário e artístico] do Romantismo alemão", recorda Catarina Molder. "O grande 'pai' da canção erudita foi Franz Schubert [1725-1828], embora o género já tivesse sido abordado por Mozart, Haydn e Beethoven. Mas de facto é com Schubert que a canção se estabelece como um género fortíssimo que une a poesia e a música feita de mil subtilezas, e com uma forte relação com a filosofia e arte".

 O festival propõe-se recuperar o interesse e dar a conhecer este repertório lírico da canção erudita, ou canção de câmara, pois "desde o início do milénio, o recital de canto e piano tem vindo, progressivamente, a desaparecer das salas de concerto, por este mundo fora".

A soprano recordou à Lusa que até final da década de 1990, "era normal haver sete, oito, recitais de canto e piano, na [Fundação] Gulbenkian [em Lisboa], por exemplo, com cantores extraordinários e programas riquíssimos, e noutras salas". Havia mesmo um ciclo de canto, todas as temporadas. Mas, nos últimos dez quinze anos, a redução de recitais de canção erudita tem-se acentuado e é uma situação que "tem vindo a acontecer por este mundo fora".

"Todo esse repertório que vem até finais do século XX veiculado com imensa força, começa a desaparecer", disse a soprano, receando que as novas gerações, de público e intérpretes venham a desconhecer a canção erudita.

Questionada sobre as causas desta diminuição, Catarina Molder afirmou que "são várias, relacionadas com este novo milénio: "Por um lado a alteração do mercado, por outro, um desinvestimento nos artistas e neste tipo de repertório, por parte das editoras [discográficas]"

"Tem a ver com os formatos e o dinheiro disponível para investir e, curiosamente, com o encolhimento do mercado discográfico. Está tudo ligado".

Na opinião da soprano, "o 'streaming' veio pôr em causa o mercado discográfico da música clássica, porque deixou de haver dinheiro para investir, ao deixar de haver esse retorno". 

"Até meados deste novo milénio - prosseguiu - estávamos sempre à espera dos novos álbuns de canções, de 'lieder', das grandes cantoras, como Renée Fleming ou Anne Sophie von Otter", e outros grandes intérpretes. "Todos eles editavam anualmente ou de dois em dois anos álbuns de repertório de 'lieder', muito variado. Hoje o que vai aparecendo são discos de árias de ópera com as grandes divas, que estão nos grandes palcos internacionais e ainda vendem alguns discos".

"Todo esse outro mercado [da canção erudita], com repertório riquíssimo, desapareceu completamente", declarou, argumentando: "As editoras deixaram de investir, deixou-se de comprar os CD, agora está tudo disponível de graça no 'streaming'. As próprias editoras sentem que têm de estar no 'streaming' senão não chegam às grandes massas [de público], e é uma 'pescadinha de rabo na boca'".

"Cada vez se investe menos, cada vez se explora menos repertório, porque todo esse novo repertório que saía, que era abordado nos discos, estava ligado às salas de concerto. Depois os cantores faziam digressões internacionais para promover o disco. Era todo um mercado que se alimentava - discográfico e da sala de concerto -, e tudo isso foi encolhendo".

Na sua opinião, "há um empobrecimento de repertório, com as grandes divas a incluírem árias de Verdi e Puccini nos seus recitais, abandonando a canção erudita".

A soprano afirmou que a venda de álbuns, em edição física, foi "submergida por esta enganadora acessibilidade" - enganadora, "porque quando se tem acesso a obras de arte através de uma plataforma [digital] de consumo, essa plataforma vai acabar por devorar tudo".

"A plataforma é que ganha dinheiro, os artistas recebem muito pouco em direitos ['royalties']. Até as sociedades de autores ainda estão a anos-luz de conseguir pacotes que sejam minimamente justos para com o investimento feito".

E ao mesmo tempo que o acesso se fecha, "as pessoas estão a fruir muito mais em casa, no seu computador". "Este festival quer lançar uma nova dinâmica em torno do recital de canto e piano".

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