'Saber perder' de Margarida Ferra apresenta retrato de vida contemporânea

O livro 'Saber perder', de Margarida Ferra, a publicar na segunda-feira, é como um museu, guarda uma coleção de fragmentos de memória, "com fios e ligações entre as peças", que apresenta um retrato do modo de vida contemporâneo.

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© Site/ Casa Fernando Pessoa - Fotografia: João Benjamim Costa e Pedro Serpa

Lusa
02/02/2025 15:53 ‧ há 3 horas por Lusa

Cultura

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O museu é metáfora deste breve livro de não-ficção, publicado pela Companhia das Letras, em que a autora, também museóloga, reuniu pedaços da vida que foi recolher a esse "quarto desarrumado" que é a memória, dando-lhes a ordem possível, através da escrita, como contou, em entrevista, à agência Lusa.

 

"Coleciono memórias, mais do que objetos. Escrever sobre elas é uma maneira de conservá-las. Fazê-las circular na vida dos outros", escreve Margarida Ferra no livro, que compila vários pequenos textos, sobre episódios, impressões, recordações que convidam o leitor a uma partilha da sua intimidade.

Fios de malha, viagens à Grécia, visitas a museus, dias de confinamento, anéis perdidos, jogos de tabuleiro em família, o café da esquina e um rapaz do Paquistão, partidas de futebol na cidade, um missal, lembranças do avô, álbuns de fotografias, um missal e um jazigo, a maternidade, toda uma coleção privada de lugares que Margarida escolheu trazer para este seu primeiro livro de prosa.

Os temas foram surgindo, para alimentar um pensamento que queria desenvolver, que é a ideia de que as coisas, os objetos, os materiais "passam por nós temporariamente, não somos verdadeiramente donos delas" e "isso também faz pensar nos museus".

"Eu acho que isso é o encanto dos museus e por isso é que eu gosto tanto de museus, porque acho que há uma relação entre um tempo que se quis congelar e o mundo em que nós vivemos, e é esse o movimento que me interessa no museu, é estar sempre a tentar ler o mundo em que vivemos a partir desses recortes que estão congelados atrás de vitrinas".

Eram também "esses pequenos recortes da realidade, como peças", que a levavam a "construir um poema e depois um livro de poemas, com esse conjunto", explicou Margarida Ferra, que publicou anteriormente dois livros de poesia, o último dos quais em 2013.

"O que aconteceu foi que, enfim, eu deixei de ter vontade de escrever poesias. A forma do poema, para aquilo que eu tinha, para o meu desejo, para a minha relação com o texto, já não me estava a servir, era uma forma mais limitada, e senti necessidade da extensão de textos de maior fôlego, mesmo que estes textos sejam compostos por fragmentos", contou.

Mas em qualquer dos géneros, poesia ou prosa, há uma continuidade no trabalho, na forma como escreve, revelou, explicando que aquilo que a entusiasmava e que a levava a escrever um poema, no fundo, é o mesmo que a entusiasma e que a motiva a juntar estes fragmentos.

Isso mesmo é descrito no livro a dado momento: "Parto para o texto com uma lista de ideias. Imagens que há uns anos teriam sido o gatilho para um poema".

A diferença é que, com o passar do tempo, a autora começou a sentir que, para aquilo que tinha a dizer, o poema era "uma unidade muito mais pequena".

"Podia ter escolhido fazer poemas narrativos, mas, na verdade, o que me interessava na escrita destes textos, como acontece em alguns que gosto muito de ler, é a ideia de o leitor ficar fixado numa imagem que está no texto, sem saber aonde é que aquilo vai dar. No fundo, também é um bocadinho a respiração da crónica. E foi essa respiração que eu procurei nestes textos, coisa que não estava a conseguir fazer dentro da poesia".

Margarida Ferra começou a escrever este livro em 2021 e, embora alguns dos episódios antigos descritos constassem de anotações dispersas que fizera na altura, não recorreu a eles, recuperou "a memória desses apontamentos, mas não esses apontamentos".

"Não fui assim à gaveta e limpei a gaveta, com coisas que lá estavam antigas. Não, foi tudo construído para ser este livro, e comecei a fazer isto depois da pandemia. Comecei com uma certa ideia de que precisava de controlar um bocadinho a realidade que sentia fora de controlo por várias motivos, aqueles que todos nós conhecemos e outros mais privados, na minha família. Então, senti essa necessidade, e a escrita deu-me essa possibilidade de moldar a realidade, em vez de ser moldada por ela".

Margarida Ferra até pode anotar ideias em cadernos -- costuma transportar sempre consigo um caderninho, no qual vai tomando notas --, mas quando está a trabalhar efetivamente, quando decide que a escrita é um projeto e se dedica a isso, escreve tudo no computador.

"Não escrevo por fragmentos e depois colo os fragmentos. Não, eu escrevo por textos e os textos são compostos por fragmentos, como missangas num fio, não é? Vou fazendo este fio, vou juntando estas pecinhas, estes pedaços, estes fragmentos".

Para já, a ficção e o regresso à poesia não estão no seu horizonte. Sempre teve "uma relação com a escrita", mas falta-lhe a ideia para um romance, e gostou de escrever poesia, mas não se vê a regressar, porque -- como explicou - este tipo de textos, que compõem "Saber perder", respondem mais à corrente do seu pensamento e à sua relação com a linguagem.

"A escrita está sempre presente. A forma que organiza o meu pensamento. Um certo modo de guardar o mundo, de ligar pontos dispersos em fragmentos colecionados e arrumados num texto tracejado como este. (...) Um gesto na direção de quem possa ler: os meus pontos ligados a outros, peças de outras coleções", escreveu Margarida Ferra no texto que fecha o livro.

A escritora, autora dos livros de poesia "Curso intensivo de jardinagem" e "Sorte de principiante", licenciou-se em Ciências da Comunicação, frequentou um mestrado em Museologia, focando-se na relação entre museus, pessoas e literatura, e trabalhou, entre outros sítios, no Palácio da Ajuda, em livrarias e editoras, na Casa Fernando Pessoa e no Museu da Marioneta. Atualmente trabalha na Quinta Alegre -- Um Teatro em Cada Bairro".

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