Realizador José Filipe Costa alerta para "o fascismo das pequenas coisas"

O realizador José Filipe Costa, que ficcionou no cinema os últimos dias de Salazar, considera que ainda existe um certo "fascismo das pequenas coisas" na sociedade e no modo como os portugueses se relacionam.

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Lusa
01/02/2025 09:17 ‧ há 2 horas por Lusa

Cultura

Cinema

José Filipe Costa tem hoje a estreia de uma longa-metragem no Festival Internacional de Cinema de Roterdão, nos Países Baixos, na qual reinterpreta, a partir de factos reais, as últimas semanas de vida de António de Oliveira Salazar (1889-1970), o político que instaurou o regime ditatorial do Estado Novo.

 

"Pai Nosso -- Os Últimos Dias de Salazar", protagonizado por Jorge Mota, expõe "uma história cheia de paradoxos e contradições, uma história alucinatória", alimentada por quem cuidou do ditador, depois de ter sofrido uma queda e uma hemorragia cerebral em 1968, para que ele julgasse, em convalescença e até à morte, que ainda liderava o país, contou o realizador à agência Lusa.

No filme, o ator Jorge Mota interpreta Salazar, acamado e debilitado no Palácio de São Bento, aos cuidados da governanta Maria de Jesus (a atriz Catarina Avelar) e do médico pessoal Eduardo Coelho (o ator Guilherme Filipe), que tudo fazem para manter uma farsa.

"Eles teatralizam a continuação dele na presidência! O filme tem uma certa liberdade ficcional, mas baseia-se muito nas notas do médico pessoal de Salazar, que eu acho que nunca seriam publicadas durante o Estado Novo", explicou José Filipe Costa.

O realizador ressalva que o filme é uma ficção que contém "muita imaginação, um lado de criação artística que tem a ver com tentar entrar numa bolha com laivos de claustrofobia que é ditada por estas personagens".

Para o festival de Cinema de Roterdão, José Filipe Costa "transforma uma notável história verídica num drama convincente, que navega habilmente pela política, pela alta sociedade e pelas frágeis ilusões que sustentam o poder".

"É como se ainda [hoje] continuasse a pairar como uma certa figura presidenciável... Diz muito de nós não nos sustermos a nós próximos dentro de uma democracia e precisarmos de uma figura providencial que ordena e limpa. 'Limpar' e 'ordenar', aí radica muito do que é o salazarismo, autoritarismo e fascismo", considerou José Filipe Costa.

Argumentista, realizador e docente, José Filipe Costa volta a olhar para a História recente do país, depois de, em 2019, ter feito "Prazer, Camaradas!", uma dramatização sobre costumes e conservadorismo no pós-25 de Abril, ou ainda "Linha Vermelha" (2011), no qual revisitou o filme "Torre Bela" (1975), de Thomas Harlan, sobre a ocupação de uma herdade no Ribatejo.

"Eu gosto de filmes que põem dilemas e que põem em jogo as emoções e as contradições, os paradoxos humanos", explicou o realizador.

Sobre "Pai Nosso -- Os Últimos Dias de Salazar", José Filipe Costa quis ainda falar "do fascismo das pequenas coisas, das relações de poder", do que é dito e do que fica em silêncio, e que prevalece ainda hoje.

"O 25 de Abril foi a possibilidade de dar poder aos cidadãos para decidirem sobre coisas do dia a dia. O fascismo é retirar todo o poder ao cidadão, colocá-lo numa figura providencial, numa figura que está acima do povo, que sabe interpretar o povo melhor do que o próprio. [...] Acho que há um fascismo, um salazarismo que prevalece nas instituições, na academia, nas empresas, nas repartições públicas, no modo como nos relacionamos com os outros; é uma memória que está inscrita em nós, que emocionalmente ainda cá está", considerou.

Para José Filipe Costa, esta história sobre os últimos dias de Salazar, enquanto Marcelo Caetano estava já no poder como o último ditador do Estado Novo, até à revolução de 25 de Abril de 1974, "devia ser contada nas escolas, no secundário".

"Para se perceber o culto de personalidade desta figura. Diz-se do fascismo português mais leve que o italiano, o alemão. Houve este pequeno fascismo que é insidioso, que se mete nos interstícios das coisas", alertou.

"Pai Nosso -- Os Últimos Dias de Salazar" vai ser exibido hoje numa das secções competitivas do festival de Roterdão, repetindo sessões nos dias 04, 06 e 08.

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