Ferro começou a ser aposta no onze inicial do Benfica com a promoção de Bruno Lage a treinador da equipa principal. O técnico já conhecia o central da equipa B, onde a sua utilização não merecia qualquer contestação, e optou por utilizá-lo como o parceiro habitual de Rúben Dias no centro da defesa encarnada.
O jovem central, hoje com 22 anos, impressionou pela forma como, além de defender com segurança, era capaz de auxiliar na construção de jogo do Benfica, com a sua boa qualidade de passe. Uma característica do seu jogo que tem carecido de evolução, na ótica de António Simões, antigo jogador e lenda do Benfica que esteve à conversa com o Desporto ao Minuto a respeito do mau momento vivido por Ferro na Luz, ele que, sobretudo nos jogos com o Famalicão, para a Taça de Portugal, e com o FC Porto, no Dragão, esteve vários furos abaixo do esperado.
"Em primeiro lugar, há que dizer que o Benfica não tem tido um nível exibicional consistente. Individualmente, o Ferro não tem sido feliz, sobretudo ao nível da leitura de jogo e execução do passe, que não lhe tem saído nada bem. Não tem sido feliz na execução da sua função, enquanto defesa. Não está no seu melhor momento e isso reflete-se na equipa. Em função do seu trajeto, dos jogos em que já participou, julgo que poderia estar melhor. O Ferro está num momento em que se verifica que não há o melhor relacionamento com a bola e com o jogo, razão que leva ao aparecimento de muitos erros", considerou Simões, em declarações prestadas em exclusivo ao nosso site.
"Tudo é importante no futebol, mas, sem se passar bem, não se consegue jogar bem. O passe é a função mais importante que existe no futebol e ele não tem sido feliz nesse capítulo. Se não passa bem, só joga bem em uma parte do jogo, o processo defensivo. Se o passe não sai bem, o ataque não sai bem. E tem sido o caso do Ferro ultimamente. Neste último jogo [empate na visita ao Famalicão, para a meias-finais da Taça de Portugal] quis jogar com passes de 40 e 50 metros e nunca foi feliz nesse aspeto. Há uma deficiência na leitura do jogo que leva a uma má execução", prosseguiu o antigo futebolista das águias, que insistiu na importância de um jogador ser capaz de interpretar mais do que um papel dentro das quatro linhas.
"Hoje, um jogador tem de perceber que a dinâmica do jogo o obriga a desempenhar várias funções. O futebolista tem de ser mais culto na relação com o jogo. A grande mudança que existiu no futebol, em relação há 100 ou 50 anos, tem a ver com a dinâmica do jogo, pois todos os jogadores se tornaram fisicamente muito melhores. Isto provocou uma dinâmica, uma agressividade e uma velocidade muito maior. Por causa disso, os jogadores passaram a ter de perceber que deixaram de ter uma função para ter várias. Por exemplo, diz-se que o Benfica vai jogar em 4-4-2. Passado uns segundos, vemos a equipa a jogar em 4-5-1 ou em outra tática qualquer... Isto acontece porque todos os jogadores passaram a ter várias funções que não tinham antes, incluindo o guarda-redes. As equipas jogam de uma forma global cujos modelos de jogo estão todos lá, porque o jogo a isso obriga", explicou-nos Simões.
Falta de concorrência na origem dos problemas?
No plantel do Benfica, e sobretudo desde a lesão de Jardel, Ferro e Rúben Dias não têm concorrência por um lugar no onze da equipa de Bruno Lage. Confrontado com a possibilidade de esse ser um dos motivos que originou o mau momento de Ferro nos últimos jogos, Simões preferiu uma outra abordagem.
"Tentamos sempre arranjar razões para quando alguém não está bem. Mas eu poderia dizer o contrário: se não tenho concorrência, estou mais tranquilo e seguro, por isso, deveria ter mais confiança. Depende da personalidade de cada um. Eu não preciso de ter concorrência para jogar bem. Tenho de jogar bem para continuar a jogar, mesmo sem concorrência. Não me parece que haja uma razão específica para o mau momento do Ferro, muito menos essa. O importante é que, este jogador, com a sua idade e no momento em que está na carreira, tem de evoluir e melhorar certos aspetos para se tornar num central seguro, com classe e melhor no momento do passe. E agora é o momento", afirmou, antes de prosseguir.
"Portanto, ou o Ferro entende isto e executa-o em campo, ou terá problemas no futuro, pois não é possível, hoje, ter um jogador que tenha apenas a virtude de uma função. O futebol, hoje em dia, tem uma dinâmica que obriga todos os jogadores a desempenhar várias funções. Neste caso concreto, tem que se perceber que, mesmo defendendo melhor, a verdade é que não se pode perder a bola de uma forma tão frequente. Alguns passes do Ferro neste jogo com o Famalicão foram para ninguém. Não estava lá ninguém, nem jogadores do Benfica, nem do adversário. É necessário que Ferro evolua neste aspeto", atirou.
A opção Weigl, descartada por Simões
À falta de mais centrais no plantel, Bruno Lage poderia optar por fazer recuar Julian Weigl do meio-campo para o centro da defesa, até porque o alemão cumpriu vários jogos como central na sua etapa no Borussia Dortmund.
"Essa decisão compete ao treinador, ele é que trabalha com os jogadores todos os dias. Não me parece que a ideia de trazer o Weigl tenha sido para adaptá-lo. Já lá há o Samaris para isso. Mas nós estamos de fora, não sabemos se ele poderá ser utilizado nessa posição. Não me parece que esse tenha sido o intuito. Numa situação extraordinária, pode perfeitamente utilizar esse jogador ou o Samaris no centro da defesa, mas já não são as suas posições originais. Não faz nenhum sentido, a não ser que existam muitas lesões, comprar jogadores para os utilizar noutras posições", analisou.
Os dois caminhos no horizonte de Ferro
Por fim, Simões fez questão de aportar soluções para as dificuldades apresentadas por Ferro nos últimos jogos, mantendo a confiança num central que conquistou, com todo o mérito, um lugar na equipa principal do Benfica.
"A solução é, dentro das opções que existem no plantel, fazer uma das duas, ou até as duas em simultâneo: fazer com que ele melhore, ou seja, ver onde está o défice e fazê-lo melhorar; ou então, encontrar uma solução dentro do plantel que, temporariamente, o possa substituir, até que o Ferro adquira novamente a confiança. De há uns tempos para cá, é necessário que o treinador perceba que, mais do que um treinador, tem de ser um professor. O treinador deixou de ser apenas o treinador para passar a ser também o professor. Há jogadores que, durante todo o ano, têm as mesmas virtudes e os mesmos erros. Isso é um sinal de que os jogadores apenas treinaram, não lhes ensinaram", sentenciou António Simões.