A opinião de Gonçalo Almeida: O regresso da Liga jurídica

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

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Gonçalo Almeida
05/06/2020 14:08 ‧ 05/06/2020 por Gonçalo Almeida

Desporto

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No último artigo (O inevitável campeonato jurídico), tive a oportunidade de abordar o tema da impugnação de decisões tomadas pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) a respeito das classificações finais e/ou cancelamento das competições oficiais por si organizadas. Neste contexto e depois da Marítimo da Madeira – Futebol SAD ter recorrido das mencionadas decisões para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), eis que, esta semana, cabe ao Clube Desportivo Cova da Piedade – Futebol SAD (Cova da Piedade) o protagonismo em mais uma jornada jurídica.

Em comunicado dado a conhecer esta terça-feira, o Cova da Piedade informa que na sequência de um recurso por si intentado, decidiu o Conselho de Justiça da FPF (CJ da FPF) “suspender a decisão da Direção da Liga tomada no passado dia 5 de Maio de 2020 na qual foi deliberado (…) a subida e descida de divisão dos clubes envolvidos…”.

Esta temática marcará hoje a nossa já habitual reflexão quinzenal, a qual tem um propósito meramente esclarecedor, visando contribuir, de forma humilde, para a discussão de questões jurídicas, as quais, como bem sabemos, se encontram sujeitas a interpretações distintas, embora igualmente válidas e pertinentes. Não fosse assim e seria o Direito uma ciência exata.

Desde logo, importa esclarecer que a competência do CJ da FPF quanto a esta matéria está prevista no Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP (RC da LPFP), estabelecendo o seu artigo 110.º que “… as decisões proferidas pela Direção da Liga (…) são impugnáveis graciosamente por via de reclamação administrativa e de recurso para o Conselho de Justiça…”. Também o próprio Regimento do CJ da FPF, reconhece tal competência, prevendo no seu artigo 10.º d), sob a epígrafe “Contenciosos de Anulação”, que “Compete ao Conselho de Justiça conhecer e julgar os recursos interpostos dos atos e deliberações dos órgãos da LPFP…”.

 

No que respeita à eventual suspensão da decisão proferida pela LPFP, o artigo 122.º Par. 2 b) do RC da LPFP, estipula que os recursos relativos a decisões que afetem diretamente as sociedade desportivas têm efeito suspensivo “… quando da decisão do recurso fique dependente a qualificação para uma competição ou a manutenção em competição que se encontre a disputar.”. Pelo que resulta claro que um recurso em matéria de classificação final de uma competição organizada pela LPFP, terá sempre efeito suspensivo.

Já quanto às motivações do recurso, o Cova da Piedade, alegadamente, sustenta que a Direção da LPFP não tinha competência para tomar essa decisão, sendo necessário alterar o respetivo RC para o efeito, mais defendendo que tal poder se encontra atribuído à Assembleia Geral da LPFP. O clube da margem sul do Tejo afirma ainda que para que as alterações regulamentares em questão possam vigorar já durante a presente época desportiva, seria necessária unanimidade na sua aprovação.

A este respeito, é certo que se discute a abrangência do Decreto-Lei n.º 18-A/2020, nomeadamente se este veio autorizar apenas as Federações Desportivas a aprovar alterações regulamentares, as quais, a título excecional, possam produzir efeitos já na presente época desportiva (visando dar resposta aos problemas causados pela presente situação pandémica) ou se tal autorização é extensível às Liga Profissionais, nomeadamente à LPFP e, em caso afirmativo, se tal dispensaria a unanimidade prevista no artigo 4.º, Par. 2 c) do Regulamento Geral da LPFP (RG da LPFP). Parece-me, contudo, tratar-se de “um não assunto”, na medida em que tal possibilidade já estava, como referido, efetivamente prevista no RG da LPFP, inclusivamente definindo qual o órgão competente e votação necessária para aprovação, razão pela qual entendo que tal omissão quanto às Ligas Profissionais, terá sido propositada.

Sucede que a Direção da LPFP, nas conclusões da sua reunião extraordinária que decorreu no passado dia 5 de Maio, fundamenta a sua competência não no referido artigo 4.º, Par. 2 c) do seu Regulamento Geral, mas antes no artigo 48.º Par. 2 a) dos Estatutos da LPFP, o qual lhe atribui competência para decidir “… sobre todos os assuntos que não estejam expressamente atribuídos a outro órgão.”. Adotando este entendimento, a Direção da LPFP defende ser competente para decidir sobre o cancelamento da II Liga e respetiva classificação, afastando a necessidade de proceder a qualquer alteração regulamentar.

Tal divergência interpretativa quanto à norma aplicável é legítima e aceitável, não fosse o facto da própria Direção da LPFP ter incluído no plano de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária (marcada para o próximo dia 8 de Julho) a ratificação desta decisão, podendo esta ser naturalmente encarada como o reconhecimento por parte da própria Direção da LPFP da sua falta de competência a esse respeito.

Informações recentemente veiculadas pelos meios de comunicação social, dão conta de que o CJ da FPF se terá declarado incompetente para conhecer do referido recurso intentado pelo Cova da Piedade, remetendo o processo para o TAD (seguramente em virtude da vontade manifestada pelo clube aquando da interposição do recurso caso o CJ da FPF se declarasse incompetente) e, consequentemente, caindo o efeito suspensivo da decisão da Direção da LPFP. A este respeito, esclarece-se que, por norma, tal efeito suspensivo junto do TAD, apenas será possível de requerer através de uma providência cautelar, a qual deve ser intentada juntamente com o requerimento inicial de arbitragem.

Perante todo o exposto, é imperativo salientar que ainda não foi conhecida qualquer comunicação oficial por parte do CJ da FPF, havendo apenas acesso a informação insuficiente e providenciada somente por uma das partes interessadas, o Cova da Piedade. Resta, claro está, confirmar se o CJ da FPF se terá efetivamente declarado incompetente, e caso se confirme tal cenário, os fatos que basearam alegada declaração, sendo certo que existem inúmeras hipóteses que podem levar tal órgão a não conhecer de determinado recurso, tais como, a título meramente exemplificativo, a intempestividade, a manifesta ilegalidade ou a ilegitimidade das partes.

Posteriormente, a ser confirmada tal rejeição, caberá ao TAD aferir acerca da sua própria competência para conhecer de tal recurso e se o mesmo cumpre todos os pressupostos de aceitação, matéria que sem ter acesso a quaisquer elementos factuais, não me atrevo a comentar.

Por último, e tendo terminado o meu artigo anterior afirmando aguardar pelos próximos capítulos do “campeonato jurídico”, esta semana, infelizmente, terminamos dando conta que, alegadamente, o Clube Desportivo Feirense – Futebol SAD terá também intentado recurso desta decisão junto do CJ da FPF.

Concluo, lamentando que, independentemente do seu cariz demasiado técnico e, admito, até algo aborrecido para quem não se dedica a estas matérias, serei provavelmente “forçado” a retomar este tema… muito em breve!

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