Escrever a crónica de um jogo do título é olhar para a história. Não olhar para as conquistas de décadas, mas para as lutas diárias. É olhar para as dúvidas e ver como estas se transformam, como tudo, com o tempo, em certezas. É lembrar que a história é escrita com as mãos e os pensamentos dos que acreditam que é possível mudar, fazer melhor, ser melhor.
Porém, nos registos, ficam, por norma, as fotografias, aqueles pequenos pedaços de papel que eternizam heróis e vilões. Este Dragão, por justo vencedor que é, vestiu os dois fatos durante meses longos que foram prolongados pelo inesperado.
Ontem, no retrato do título, ficou o marcador fechado com um 2-0, mas se o resultado é preciso como a matemática, também é certo dizer que ficou a faltar a equação química do inesperado e do essencial do 'ópio do povo': as bancadas cheias de corações a pulsar.
O espetáculo apresentado naquela que tem sido uma janela para o mundo para milhões de portugueses, foi o possível, com duas equipas em momentos distintos. Uma a consagrar-se e outra a procurar ainda dar passos para a consagração.
Depois de um primeiro tempo 'seco', mas de algumas emoções, o clima no Dragão só começou a mudar, a bem dizer, quando do deserto de ideias surgiu a cabeça de Danilo. Ao minuto 64, o médio deu o melhor seguimento a um cruzamento da direita, de Alex Telles, e se o resultado, antes do seu tento, já bastava para a festa, a celebração começou a desenhar-se ainda mais concretamente na cabeça de todos os adeptos.
O leão, esse que 'nunca se verga', tentou responder. Amorim apostou na irreverência da juventude que pôs em campo, pediu atitude e garra, mas a experiência é sempre conselheira de alguma prudência justificada, e os ataques felinos da sua equipa foram travados por uma muralha que pouco tem cedido nas últimas jornadas.
A partir daí, já com a passadeira 'vermelha' esticada para a festa', certamente os jogadores, como que num vislumbre de quase-vida, lembraram-se da ultrapassagem que ninguém previu durante o desenhar da corrida ao título e ultrapassaram mais uma vez a barreira da incerteza, 'rematando' o título com o 2-0 de Marega.
Após o apito final, como sempre, a festa foi no relvado, mas faltou, voltamos a dizer, o ingrediente essencial: as bancadas cheias.
Homem do jogo: Danilo Pereira. Muitas vezes apontado como elo mais fraco do balneário, preterido por outras opções, o internacional luso voltou ontem a ser preponderante. Se foi impositivo a defender, foi essencial a desbloquear o marcador. Foi mais lesto que a defesa do Sporting no momento de marcar, teve mais cabeça que a oposição, e foi alvo certeiro para o cruzamento do 'atirador' Alex Telles. No final do jogo, mostrou-se tão satisfeito como aliviado por uma conquista que demorou tempo demais a chegar.
Surpresa: Fábio Vieira foi uma das apostas de Sérgio Conceição para alinhar de início e o jovem médio exibiu-se a grande nível no Dragão. Na primeira parte conseguiu rasgar a defensiva leonina por diversas vezes com passes verticais, num deles que até isolou Luis Díaz para o golo que acabaria anulado. Na segunda parte manteve a criatividade da primeira metade e ainda acrescentou um momento de grande perigo: atirou com estrondo ao ferro. Foi ainda muito castigado pelas faltas do Sporting. É um talento puro e tem tudo para ser mais vezes aposta. Exibição de encher o olho numo jogo de maior dificuldade como é um Clássico.
Desilusão: Gonzalo Plata. É um dos 'meninos de ouro' do plantel do Sporting, mas ontem faltou novamente critério. É bom a romper pela defesa, sabe ter a bola nos pés, mas ainda não acertou com o momento de a soltar. É, como é aparentemente óbvio para todos, o diamante por lapidar, mas o talento que tem nos pés ontem não se conseguiu 'soltar' num leão que precisava de ideias.
Treinadores
Sérgio Conceição: Foi obrigado a mudar várias peças e mexeu bem. Apostou num misto de veterania e juventude e foi recompensado em todas as escolhas fez. Costuma ser ele a 'barreira' entre adeptos e jogadores, o protetor e o instigador, mas também parece ser um dos elementos mais castigados pela ausência de público nas bancadas. Certeiro nas escolhas táticas e técnicas que fez, ao timoneiro azul e branco pareceu ter faltado a quem agradecer (adeptos) no final dos 90 minutos por tantas batalhas ganhas juntos.
Rúben Amorim: Tem muitas horas nas pernas como jogador, mas estreou-se ontem num Clássico como treinador e ainda que as burocracias administrativas lhe tenham tirado a batuta do jogo, entregue ao seu adjunto, Amorim voltou a vincar que não é um homem de abdicar das suas ideias. Frente ao FC Porto, voltou a apostar 'no seu sistema' e durante boa parte da partida conseguiu impor os seus ideais. Depois de um primeiro tempo repartido, mas até com algum ascendente, pareceu faltar-lhe peças, profundidade e maturidade no banco para responder a um rival mais bem afinado para os grandes desafios. No plano tático, cumpriu, mas o segundo tempo foi pobre, apesar de a juventude da equipa poder ser (e ser mesmo) desculpa para uma falta de expressão atacante que ficou a nu.
Árbitro: João Pinheiro. Teve de começar a decidir ainda o apito inicial ecoava nas bancadas vazias. Logo no primeiro minuto, anulou, e bem, um golo ao Sporting. Teve uma primeira parte muito quezilenta para dirigir, mas nunca perdeu o controlo do jogo. Mostrou poucos amarelos, dirigiu a partida como se esta tivesse público e só pegou no apito quando estritamente necessário. Para Clássico, cumpriu com o que era pedido, não sendo um dos protagonistas do encontro.