Como bem sabemos, vivemos tempos de fácil e livre acesso à informação, em que a permanente evolução tecnológica e os efeitos da globalização despoletam diariamente novos desafios em matéria de proteção de dados pessoais. Com efeito, o aumento bastante significativo verificado ao nível da recolha e partilha desses mesmos dados, tem permitido a empresas e entidades públicas a sua análise e utilização para os mais diversos fins. Fenómeno este a que não é alheia uma crescente disponibilização generalizada de informações de natureza pessoal, algo que torna exigível um controlo mais rígido e eficaz na proteção e tratamento desses mesmos dados.
Nesse sentido, veio a União Europeia criar o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), com o qual o leitor, certamente, já se deparou no seu dia-a-dia. Ora, tal Regulamento tem como objetivo estabelecer um conjunto de regras tendentes à “proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”, conforme o seu Artigo 1.º. Esse bem de que todos dispomos e que apelidamos de “Dados” ou informações pessoais, não poderá circular livremente pelos mais diversos meios, nem tão pouco estar ao dispor das mais variadas instituições, sem qualquer tipo de condicionante ou mesmo contrapartida.
Enquanto titulares desse bem individual, deveremos manifestar a nossa “vontade, livre, específica, informada e explícita” - o nosso consentimento - para que certa informação estritamente pessoal possa ser “objeto de tratamento”. Não obstante, em situações tais como a execução de contratos, o cumprimento de obrigações jurídicas ou o exercício de funções de interesse público, entre outras, seja lícito e necessário o tratamento de dados (Artigo 4.º, n. º 4 e Artigo 6.º do RGPD).
Nesse contexto, o leitor já se terá certamente deparado, ao longo dos anos, com contactos diversos por parte de várias empresas com as quais nunca teve qualquer tipo de relação, questionando-se sobre como tais empresas chagaram a si. É que quando falamos em dados pessoais, não nos referimos exclusivamente à identificação constante do cartão de cidadão, mas maioritariamente a informações de natureza pessoal, nomeadamente relacionadas com o perfil social, económico e cultural de cada um, a tal não escapando matérias de absoluta confidencialidade como aquelas em torno da saúde ou da justiça. Ao ponto de, hoje em dia, os “Data” constituírem um bem valioso e ativo indispensável a uma boa gestão, conseguindo assim imputar-se-lhe um valor económico.
Ora, tal como noutros ramos de atividade, também no desporto e no futebol em particular, a recolha e tratamento de dados pessoais são um fator determinante para o sucesso de muitos. Entre outras áreas de atuação com fins igualmente relevantes do ponto de vista desportivo, os departamentos de Scouting e equipas de analistas dos clubes, recorrem diariamente a ferramentas e programas informáticos com o objetivo de escrutinar jogadores e assim avaliá-los, num trabalho de recolha, tratamento e distribuição de informação também condicionado pelas diretrizes do RGPD. Pese embora nem sempre seja necessário o consentimento do atleta para efeitos de recolha de determinada informação, é da mais elementar relevância avaliar o âmbito, a transparência e a finalidade, a longo prazo, do processo de caracterização e identificação destes. Já a comercialização e portabilidade desta “Data” poderá colocar em causa os princípios basilares de um regime que pretende proteger tal informação pessoal, consignando ao jogador o direito de recusar a recolha dos seus dados e, inclusivamente, solicitar a eliminação daqueles, entretanto, recolhidos.
Mas como em praticamente tudo na vida, também esta realidade de recolha de dados encerra vantagens bastante práticas que vão bem além da própria informação disponibilizada, desde que consentida e dentro dos parâmetros legais. Vejamos então o exemplo recente da renegociação do contrato de trabalho desportivo do jogador de futebol Kevin De Bruyne com o Manchester City FC e em que o jogador Belga de 29 anos recorreu a analistas de dados para sustentar as respetivas reivindicações salariais.
Kevin De Bruyne recorreu então a um conjunto de dados estatísticos sobre a sua carreira desportiva, tendo projetado a sua performance e importância futura no seio da equipa de Pep Guardiola. O jogador solicitou ainda o estudo e avaliação não só dos vários aspetos em que contribui para a equipa, mas também quanto à capacidade do clube ser desportivamente bem sucedido, tendo por base a qualidade, potencial e idade dos jogadores do plantel atual. Por último, procedeu a uma análise de Benchmarking, através da qual comparou o seu salário aos salários de outros jogadores que ocupam a mesma posição no terreno e que se encontram ao serviço de outros gigantes do futebol mundial.
De tal análise objetiva resultou que De Bruyne é dos médios com mais impacto na construção de jogo, constituindo uma peça vital para a estrutura atual do plantel do Cityzens. Em paralelo, conclui-se que o Manchester City FC é a equipa que melhor se adequa não só ao estilo e caraterísticas do médio ofensivo, mas também aos objetivos e ambições profissionais deste. Mais se destaca da análise dos peritos, a maior probabilidade de conquista da UEFA Champions League por parte da equipa inglesa, caso continuasse a contar com o contributo do talentoso jogador Belga. Por fim e igualmente merecedor de destaque, constatou-se que o anterior salário de De Bruyne era consideravelmente inferior ao da maioria dos jogadores com caraterísticas idênticas e que competem ao mesmo nível.
Como resultado de tal estratégia, Kevin De Bruyne celebrou recentemente um novo contrato de trabalho desportivo, válido até junho de 2025, passando a ser o jogador mais bem pago do Manchester City FC. Auferindo, conforme informação tornada pública, uma remuneração semanal de aproximadamente £350.000, num total, durante os próximos quatro anos, a rondar os 83 milhões de libras inglesas.
Enfim, novos tempos, novas realidades e, seguramente, muitas e novas vantagens a retirar de uma correta utilização dos “Data”, os quais, nesta era da informação global, assumem um crescente valor social e económico, que pela sua importância e sensibilidade, mais do que uma regulamentação realista, necessitam de uma supervisão deveras atenta.
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