Durante os últimos 19 anos, viram os amigos festejarem e gracejarem com quem nunca viu o seu clube campeão. Esta época, respondem com um recorde de invencibilidade e a iminência da festa, que uns preferem que seja "quanto antes, melhor", outros na terça-feira, para a equipa celebrar em casa.
Rodrigo Saraiva, 19 anos, olhos cor de mel e camisola amarela com o emblema do clube ao peito, tinha um mês quando a formação na qual Jardel se destacava venceu o campeonato, em 28 de abril. Os pais vestiram-no a rigor e levaram-no dentro da alcofa para o Pelourinho, centro da cidade da Covilhã, embalado por cânticos e euforia.
O cachecol que o acompanha foi herdado dessa noite e espera finalmente comprar um novo. "Passei a vida a ouvir dizer que este ano é que é, e este ano é que é", salienta o sportinguista, em declarações à agência Lusa, que, desde "o jogo difícil" com o Sporting de Braga, passou a "ter a certeza" de que a formação 'leonina', com "um misto de experiência e juventude", seria campeã.
Ao longo dos anos os amigos tentaram convertê-lo, mas por mais que lhe custasse vê-los festejarem e ficar em casa, "o amor pelo clube não se trata só de títulos", sublinhou Rodrigo, que se apressa a mencionar as alegrias que as outras modalidades dos 'leões' lhe têm dado.
A mãe de Diogo Cornélio, grávida de final de tempo, estava internada no hospital na última vez que a 'onda verde' saiu à rua. O médio/extremo dos juniores do Sporting da Covilhã viria a nascer pouco depois, em maio, e a reta final desta temporada tem sido vivida com alegria e também ansiedade, sobretudo quando os 'leões' marcam tarde.
"Está a ser emocionante, é um sentimento forte estar cada vez mais perto de ver pela primeira vez o meu clube campeão", enfatizou Diogo, que tenta conter o entusiasmo, "porque o futebol é imprevisível", mas confiante no desfecho.
Tiago Tomás, Nuno Mendes e Eduardo Quaresma são jogadores aos quais presta especial atenção, por ter alinhado ao seu lado, quando era iniciado e juvenil e foi treinar a Alcochete, e destacou a "vontade de afirmação" de quem vê como exemplos a seguir para quem deseja ser profissional de futebol.
"Vê-los dá-me também forças a mim", vincou.
Ser sportinguista "é estar constantemente a sofrer, mas é também ter esperança", descreveu Tânia Pereira, que elogiou "a consistência" da equipa esta temporada e, quando o país se pintou de verde pela última vez, contava apenas três semanas de vida e não teve festejos por perto, já que em casa é a única adepta do clube.
Crescer como sportinguista é também "estar habituada a ouvir piadas", umas vezes com maior capacidade de encaixe, outras com o sorriso a meia haste. Tânia, com a camisola listada pendurada no quarto, ri ao contar as inúmeras vezes em que lhe falam na "nuvem de pó" dos cachecóis guardados há tantos anos.
Depois de "19 anos a ouvir bocas" quando chegava à escola, a resposta de Rodrigo Saraiva vai ser dada a ver "o Sporting levantar o troféu".
Inês Martins, nascida dois meses depois do último título, tem o quarto decorado "à Sporting" e foi desafiando o benfiquismo da mãe e da irmã espalhando objetos alusivos aos leões pela casa.
"Um clube não se ama pelas vitórias", atirou. E se nada a demoveu antes, agora diverte-se quando lhe dizem que "o cheiro a naftalina vai ser insuportável", ou a advertem que "o preço da cerveja já não é em escudos". "Estas picardias são saudáveis, fazem parte", admitiu.
A Márcia Martins, na altura a três meses de nascer, lembram-lhe com frequência há quanto tempo o Sporting não é campeão e os colegas têm outras "brincadeiras normais", que não a incomodam. A aluna de Biotecnologia, que vê todos os jogos, prefere chamar a atenção para "a entrega e qualidade de jogo" da equipa.
"Depois de tantos anos a ouvir os amigos no gozo, deixa-me muito feliz sermos uns justos campeões", salientou.
Embora a rivalidade tornasse especial a conquita do título frente ao Benfica, no sábado, todos preferem garanti-lo antes, "o mais rápido possível". Hoje, 'no sofá', caso o campeão FC Porto não vença em casa o Farense, ou na terça-feira, em campo, na receção do Sporting ao Boavista.
Márcia destacou o papel de Coates e Rodrigo considera-o "um pilar", mas todos defendem que o que fez a diferença este ano foi o treinador e a aposta na formação, cujos jogadores "sentem mais o clube", frisou Tânia.
"O Ruben criou uma identidade e uma equipa dentro e fora do campo", elogiou Márcia, enquanto Diogo enalteceu "o carisma, o acreditar até ao fim". "Nota-se a força que dá aos jogadores", rematou Tânia.
A pandemia condiciona os planos e todos lamentam o estádio vazio, mas para todos vai ser uma novidade festejar um campeonato e ficar em casa não é opção depois de tanta espera, embora alertem para a necessidade de utilizar máscara e evitar comportamentos de risco.
"É preciso saber festejar responsavelmente", advertiu Inês.
Depois da festa, "não vou ter de esperar mais 19 anos", vaticinou Márcia, convicta, com uma opinião partilhada por Diogo: "Afirmámo-nos e para o ano é nosso outra vez".