"O Sudakov é um miúdo de 20 anos com um potencial enorme, até para jogar num FC Barcelona ou Manchester City. Foi o maior talento que treinei e é dos que mantenho ligações mais fortes. No telemóvel guardo uma foto anterior ao conflito dele e da namorada, que está grávida, felizes da vida, e há pouco tempo enviou-me outra deles enfiados num 'bunker' e tristes. Sempre que revejo, vêm-me as lágrimas aos olhos", contou Fernando Valente, à Lusa.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia. A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.
O técnico paredense adiantou que o seu antigo pupilo já deixou Kiev e rumou a Lviv, a oeste da capital, sendo um dos três elementos que treinou na academia e que hoje são titulares na equipa principal do Shakhtar Donetsk. Os restantes são Bondarenko e Mudryk, autor do golo que colocou a equipa ucraniana na fase de grupos desta edição da Liga dos Campeões.
"Felizmente, outros 15 jogadores que treinei no Shakhtar e agora representam o Mariupol estão fora do país, uma vez que realizavam a pré-temporada na Turquia, após a pausa de inverno, quando a guerra começou", revelou, satisfeito por ter contribuído em dois anos para a promoção de 21 jogadores à I Liga ucraniana.
Dos primeiros tempos na Ucrânia recordou o convite de José Boto, na altura responsável pelo recrutamento, com o objetivo de aproximar o jogo dos sub-21 ao da equipa principal do Shakhtar, que tinha 14 brasileiros.
"Ao fim de algum tempo, esse estilo de jogo mais curto e ligado, com um lado estético mais acentuado, apareceu e o clube promoveu-me a diretor da academia para os escalões mais velhos", recordou, orgulhoso, Fernando Valente.
Na academia do Shakhtar, já em Kiev, Valente deixou o banco e passou a coordenar os sub-17, 19 e 21 (outro português, Edgar Cardoso, tinha a seu cargo os escalões abaixo dos sub-16), tendo ainda visto o seu contrato prolongado por mais duas temporadas, num trajeto interrompido, no ano passado, após o fim do campeonato de sub-21, por decisão da Federação local.
Foi a segunda experiência fora do país, depois de, em 2017, ter treinado os sub-19 do Shandong Luneng, na China, em mais "uma experiência fantástica".
"Foi um projeto muito desafiante, sobretudo pelas diferenças culturais, de alimentação e na comunicação, mas as condições eram únicas, numa estrutura com 35 campos relvados, dois hotéis, uma escola e um hospital. Os chineses, é curioso, acham que não têm talento e investem mais no trabalho duro, mas a verdade é que há talento em todo o lado", concluiu.