A cumprir a 10.ª época enquanto sénior, Luís Rocha encontra-se no Cracovia Kraków há pouco mais de um ano e tem acumulado várias experiências além-fronteiras, desde a saída do Vitória SC em 2016.
Natural de Famalicão, o defesa esquerdo (que já chegou a jogar como extremo) deu os primeiros passos no clube da terra, mudou-se para Guimarães e começou a dar nas vistas, de tal forma que acabou por ser chamado às camadas jovens da seleção nacional.
Em 2016/17, já com uma Taça de Portugal no currículo, Luís Rocha foi transferido para a Grécia e, mais tarde, rumou à Polónia, onde está há mais de três anos e já por duas vezes se sagrou campeão pelo Legia Warszawa, clube que deixou no decorrer da temporada passada.
Em conversa com o Desporto ao Minuto, o defesa de 28 anos recorda as conquistas alcançadas ao longo do seu percurso de futebolista, confessa não se imaginar a fazer outra coisa e aborda, ainda, a possibilidade de regressar ao futebol português.
Apesar de não estar a jogar com a regularidade que certamente pretendia, já leva duas assistências em 12 jogos esta temporada. Como acha que está a correr a época?
Pois, é mesmo esse o ponto, não estou a jogar o quanto eu gostava. São algumas decisões que eu fico sem perceber o motivo. Sinto que estou bem fisicamente nos treinos, mas a verdade é que as opções não têm sido a meu favor. Em geral, está a correr bem porque não tenho tido lesões, além de que fisicamente e mentalmente estou bem. Desses 12 jogos que eu tenho, quase todos foram a entrar ao longo do jogo. Não é como eu queria, mas está bem dentro dos possíveis.
Já está no Cracovia Kraków desde a temporada passada. Que balanço faz dessa passagem por comparação ao clube polaco anterior, o Legia Warszawa, onde se sagrou campeão?
Quando vim para aqui na época passada, cheguei em janeiro [de 2021] e joguei praticamente os duelos todos, que era o que eu queria. Estava no Legia e não estava a jogar muito naquela fase, por isso achei por bem encontrar uma solução melhor para mim para jogar. Vim para aqui e, na verdade, nesses meses da época passada, correu tudo bem, voltei a valorizar-me e a sentir-me útil. Mas sabia que estava a dar um passo atrás e que não ia disputar os mesmos objetivos, nem ia ter as mesmas condições. O outro clube [o Legia] luta claramente para ser campeão e é o melhor clube do país, apesar de esta época não estar a ser a melhor para eles. Sabia que ia dar um passo atrás, mas pensando sempre que ia valorizar-me mais, voltar a ser feliz e a querer jogar. Nesse aspeto foi bom, pelo menos nos primeiros meses. Contudo, esta segunda época não tem sido bem assim.
O Luís é defesa esquerdo, mas já alguma vez se deparou com esquemas táticos no estrangeiro [com a linha de três], em que tenha jogado mais subido no corredor?
Eu não fui sempre defesa esquerdo. Na formação, até ao meu último ano de juvenil, joguei sempre a extremo esquerdo. Depois, com o Rui Vitória, no Vitória SC, passei a lateral-esquerdo e, a partir daí, fiquei praticamente sempre nessa posição, embora já tenha voltado a jogar a extremo desde aí. Sobre as linhas de três e de cinco, nós aqui ainda há duas semanas estávamos a jogar nessa tática, mas acho que é um sistema que precisa de ser muito bem treinado, principalmente quando não se tem bola. Pessoalmente, gosto da tática, mas tenho noção de que é difícil.
O Vitória SC estava a passar uma altura menos boa financeiramente. A minha subida aconteceu quando criaram as equipas bês, isso foi um ponto a meu favor, assim como da formaçãoRecuando até à formação e à passagem por Portugal. Começou no Famalicão, no clube da tua terra, mas foi depois para o Vitória SC, em 2008. Tratou-se de um passo necessário para depois ser chamado à seleção nacional de sub-17 [em 2009]?
Sim, sem dúvida. Principalmente na altura, notava-se mais a diferença. Hoje em dia, as diferenças nesse aspeto já não se devem notar tanto, até porque o Famalicão começou a evoluir e a apostar mais. Na altura, eu tinha mais opções, mas fui para o Vitória SC e claro que se tem outra visibilidade, porque chegar à seleção era muito mais fácil a partir de lá.
Esperava ter sido convocado muitas mais vezes?
Sim, eu até aos sub-17 ia mais vezes. A partir daí, fui poucas vezes. Mas eu sabia que estava num clube com qualidade para poder chegar lá.
Como aconteceu a transição das camadas jovens para as equipas principais [A e B] do Vitória SC, em 2012/13?
O Vitória SC estava a passar uma altura menos boa financeiramente. A minha subida aconteceu quando criaram as equipas bês, isso foi um ponto a meu favor, assim como da formação. Dei esse salto logo no primeiro ano. Foi uma maneira de alguns jogadores da formação poderem ter as suas oportunidades, não só na equipa B, como na principal. Se calhar, se não houvesse equipa B, o que ia acontecer era o que tinha acontecido em anos anteriores. O Vitória SC fazia contratos profissionais, mas emprestava jogadores a ligas mais abaixo, pelo que era mais difícil chegar à formação principal. Assim, com essa mudança, tínhamos as equipas B ali ao lado, quando era preciso íamos treinar à equipa principal e, se corresse bem, podíamos ir a um jogo ou outro.
Com o passar do tempo, começamos a ligar a outras coisas que se calhar nos prejudicam, como ir aos jornais e vermos o que dizem ou não de nósNessa época, o Luís e muitos mais colegas tiveram várias oportunidades com o Rui Vitória, sendo que foi opção em oito jogos. Como foi a estreia no Estádio D. Afonso Henriques?
Quando eu estava na formação, juntamente com mais colegas, íamos praticamente ver todos os jogos em casa do Vitória SC. Estávamos sempre lá e é sempre especial. Depois, quando estamos lá, queremos é estar dentro do campo, é um sentimento diferente. Sei lá... Faltam-me as palavras. Quando saímos da formação, temos a ideia de que aquilo é muito melhor, mas depois percebemos que nos vão criticar, quando queremos é aproveitar o futebol e desfrutar. Com o passar do tempo, também começamos a ligar a outras coisas que se calhar nos prejudicam, como ir aos jornais e vermos o que dizem ou não de nós. Acabamos por ir em direções que não nos levam a lado nenhum.
O Vitória SC conquistou a Taça de Portugal precisamente na sua temporada de estreia [2012/13]. Acompanhou a equipa até ao Jamor?
Sim, estive lá. Não joguei, fiquei de fora, mas foi praticamente o plantel todo. Não estive na ficha de jogo, mas estive lá, acompanhei tudo e foi dos melhores dias da minha vida, sem dúvida alguma. Tive a possibilidade de jogar as meias-finais, contra o Belenenses, mas esse dia da conquista no Jamor foi marcante para mim e para o clube. É especial recordar esses momentos.
Luís Rocha ao serviço do Vitória SC na última temporada em Portugal (2015/16)© Getty Images
Trabalhou com Rui Vitória e Sérgio Conceição [ambos no Vitória SC], treinadores que já se sagraram campeões em Portugal. Considerava que eram dois técnicos que podiam dar o salto que deram?
Sim, sem dúvida. Quando estava no grupo deles, notava-se alguma coisa de especial e de diferente. São dois treinadores totalmente diferentes, mas a ambição e o querer deles tornam-nos um pouco iguais. Focam-se muito na vitória, em querer ganhar e jogar cada vez mais alto. Notava-se que eles podiam conseguir.
Rumou ao Panetolikos em 2016/17, juntamente com o Tomané, para um clube onde estava o Cristiano Figueiredo. Aconselhou-se junto dele nessa primeira experiência lá fora?
Sim, essa oportunidade apareceu nessa altura. O clube tinha boas relações com os meus agentes, estava a tentar dar um passo em frente para disputar os lugares de Europa, pelo que começaram a ir buscar mais jogadores portugueses. Na altura fui eu, o Tomané também, o Cristiano já lá estava e também o Miguel Rodrigues, do Nacional, foi connosco. Informei-me junto do Cristiano e não posso dizer que foi logo um "sim", porque não foi. O que me motivou muito a ir também foi o facto de ter lá portugueses, isso empurrou-me para a frente. Caso contrário, penso que hoje não teria ido.
Depois de dois anos e meio na Grécia, rumou à Polónia [no início de 2019], ao Legia Warszawa, onde foi treinado pelo Sá Pinto e onde jogava o ex-companheiro do Vitória SC, o Cafú. Ter portugueses por perto voltou a influenciar a sua decisão?
Aí já foi mais um extra. Aí já não tinha como dizer "não". A minha carreira iria dar claramente um passo em frente e não podia recusar, mesmo que não tivesse nenhum português lá. O míster Sá Pinto queria-me e, provavelmente, pediu referências minhas ao Cafú.
Os festejos da conquista do campeonato pelo Legia Warszawa [2019/20], clube onde Luís Rocha também se sagrou campeão na época seguinte. © Getty Images
Nestas passagens pela Polónia, tanto no Legia Warszawa, como no Cracóvia Kraków, chegou a 'rodar' pelas equipas B. Houve algum motivo para isso?
No Legia Warszawa fui fazer três jogos na equipa B, numa altura em que tínhamos trocado de treinador, porque o anterior [Aleksandar Vukovic] gostava de mim, apostava em mim e fez de tudo para que eu continuasse lá mais um ano. Entretanto, ele foi despedido e o treinador que veio [Czeslaw Michniewicz, atual selecionador polaco] começou a apostar noutros jogadores. Quando nós não jogávamos pela equipa principal ao sábado, podíamos jogar pelo bês no dia a seguir. Foi por aí, para manter sempre o ritmo, não foi por castigo. E agora no Cracóvia Kraków também já aconteceu uma vez.
Além do Cafú, cruzou-se com outros portugueses, como o Iuri Medeiros, Salvador Agra, André Martins, sendo que alguns já regressaram a Portugal. Pondera fazer o mesmo?
A verdade é que, nos últimos tempos, tenho pensado se seria uma boa possibilidade. Há um ano, diria que não e que queria continuar aqui por fora, mas agora tenho pensado cada vez mais nisso. Nos últimos tempos, até pela guerra aqui perto, vejo como uma boa possibilidade. Não sei se vai ser ou não...
Perante a tal questão de querer jogar mais e de ter dado um passo atrás [na última transferência], essa possibilidade de voltar a jogar competições europeias fugiu um poucoDepois do Vitória SC [2013/14], não voltou a jogar as fases principais das provas europeias. Sente-se de algum modo frustrado por ter saído de Portugal e agora não estar a conseguir ter essa oportunidade?
No Legia Warszawa joguei eliminatórias e estivemos muito perto, mas só no Vitória é que joguei fases de grupos. Se continuasse no Legia por mais algum tempo, provavelmente iria acabar por jogar, por se tratar de um patamar onde isso pode acontecer mais facilmente. Mas perante a tal questão de querer jogar mais e de ter dado um passo atrás, a possibilidade de voltar a jogar nas competições europeias fugiu um pouco.
Teve muitas dificuldades na transição da I Liga para os campeonatos grego e polaco ou considera que a adaptação foi positiva?
Em geral, acho que me adaptei bem. Na Grécia talvez seja mais parecido com o campeonato português, embora não com tanta qualidade. Na Polónia já é totalmente diferente, é um campeonato mais físico, com mais força, mas eu acabei por me adaptar bem.
Qual foi o ponto mais alto da sua carreira até ao momento?
Sem dúvida que foi ganhar a Taça de Portugal [2013], com o Vitória SC, mesmo não tendo jogado. Já disse algumas vezes e posso repeti-lo. É claro que queremos sempre jogar, mas acho que até foi melhor não ter jogado e estar a assistir tudo por fora, para ter todo aquele sentimento e todas aquelas vibrações. O ambiente foi muito especial.
Invertendo a questão, qual foi o momento mais difícil da carreira em todos estes anos?
Talvez na Grécia. Alguns salários em atraso, a cidade um pouco distante de tudo. Estávamos muito isolados, sem nada para fazer. Mesmo para a minha família, se calhar aí foi o ponto mais baixo.
Descreva a sua evolução enquanto defesa esquerdo, tendo em conta todas as experiências da carreira.
Acho que a minha maior evolução foi ter-me tornado mais forte mentalmente. Ligava muito ao que escreviam nos jornais e nas redes sociais. Claro que vamos ter gente que vai falar mal de nós e isso pode influenciar-nos. Portanto acho que a minha evolução, acima de tudo, foi nisso. Comecei a focar-me naquilo que eu quero, no meu trabalho. E coloquei todas as outras coisas de parte. Fisicamente, sempre me preparei bem, sempre dei tudo nos treinos.
Eu gostava muito de regressar ao Vitória SC. Acho que não será nada fácil e, provavelmente, não irá acontecer
Ambiciona chegar a alguma equipa ou a alguma competição em específico nesta fase da carreira?
Apesar de ter 28 anos, começa a ser difícil. Hoje em dia liga-se mais aos jovens, aos jogadores com muitos números (golos e assistências), por isso, tenho a noção de que é mais difícil, por comparação há uns anos, em que tinha claramente a possibilidade para chegar a outro patamar. Neste momento, estou focado aqui e o que eu quero é terminar bem a época, para preparar o melhor possível a próxima época. Se for para voltar a Portugal, tudo bem, mas acima de tudo quero estar num sítio onde me deem valor e que a minha família esteja bem.
Acredita que pode jogar até que idade?
Começo a ver que hoje é tudo muito direitinho. Tenho a noção que tenho de me cuidar, e tenho-me cuidado sempre bem fisicamente e no treino, mas talvez uns 36. Acho que sim...
Que balanço faz destes anos todos a jogar futebol e a forma como tem evoluído?
Cresci praticamente com a bola nos pés, se assim o posso dizer. O meu pai sempre foi ligado ao futebol. Na altura, quando eu tinha quatro ou cinco anos, o meu pai começou a treinar uma equipa de futebol feminino lá na nossa aldeia. Eu corria por todo o lado, ia para a baliza, andava por lá... Aos poucos, de forma natural, fui começando a jogar, pedi ao meu pai para me inscrever nas escolinhas do Famalicão num dia em que eu celebrava o meu aniversário e foi assim que tudo começou. Acho que nunca me iria ver a fazer outra coisa. Provavelmente, não sei fazer outra coisa a não ser o futebol. Com o passar dos anos, acumulei toda esta convivência que tenho de balneários, passei por vários países e conheci outras culturas. Acho que tenho de agradecer tudo isso ao futebol. Só o futebol me podia proporcionar isso, ainda para mais conseguindo criar essas relações com outras pessoas a fazer o que mais gosto. Não sei mesmo o que seria hoje se não fosse o futebol.
Se agora regressasse a um clube que já representou, qual escolheria?
Eu gostava muito de regressar ao Vitória SC. Acho que não será nada fácil e, provavelmente, não irá acontecer. Mas sem dúvida que seria o Vitória SC. Passei lá praticamente a minha formação toda, basicamente tudo o que um jovem pode passar. Tornei-me profissional lá e seria mais por aí.
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