Declarações de Roger Schmidt, treinador do Benfica, que foi um dos convidados da Thinking Football Summit 2022, que começou esta sexta-feira no Porto e se prolonga até domingo.
Primeiras impressões sobre o futebol português: Eu já tinha uma opinião sobre o futebol português, visto que já joguei contra equipas portuguesas na Liga do Campeões e na Liga Europa. E foram sempre jogos complicados. Mas, para ser sincero, eu tenho uma mente muita aberta quando inicio funções noutro país. Assim que cheguei aqui, quis obter informação sobre os meus jogadores e perceber o seu mindset e a sua forma de trabalhar. E, claro, no início da época, comecei a entender melhor as outras equipas. E o que posso dizer após cinco meses é que esta é uma competição muito difícil, comparando a outras ligas onde já trabalhei. Cada preparação para um jogo é um desafio, mas por vezes surpreendemo-nos durante o jogo em si, porque a abordagem das equipas acaba por ser diferente do que estava planeado. E algo que já notei, especialmente no aspeto defensivo, quando se joga contra equipas que não se encontram no mesmo nível das equipas grandes como o Benfica, o FC Porto ou o Sporting, estas são, mesmo assim, muito bem organizadas, bastante destemidas. E que, na minha opinião, são muito boas a defender.
Diferenças para outros campeonatos por onde passou: Como disse anteriormente, as equipas quando jogam, elas acreditam sempre que têm as suas hipóteses. O que sinto é que elas acreditam que podem ganhar. Não ficam sequer contentes se "só" perderem por poucos golos. Isto é o primeiro ponto. E depois depende como se desenrola o jogo em si. Se marcamos cedo, torna-se naturalmente mais fácil. Mas se não marcamos e eles acabam por marcar, aí a tarefa torna-se mais complicada. Noutros países, quando se joga contra equipas que se encontram em zonas inferiores da tabela, sente-se que elas não acreditam verdadeiramente que podem vencer o jogo. Acho que esta é uma das diferenças para com outras ligas.
Aposta na juventude: Sim, acho que é uma filosofia clara do Benfica. O desenvolvimento do jovem jogador, de estes conseguirem poder jogar na equipa principal. E se forem efetivamente bons, serem vendidos, e assim continuar a fomentar também esta filosofia de gerar dinheiro para que o clube se mantenha altamente competitivo a nível europeu. Acho que é uma filosofia fantástica porque, para cada clube, é um valor imenso que os jogadores da sua formação possam subir à primeira equipa. É um fator identitário para o clube, mas também para os adeptos. Por exemplo, os adeptos do Benfica gostam de ver os jogadores da formação a jogar na equipa principal, pelo menos alguns deles. É certo que não podem ser só eles. Se queremos ser competitivos na Liga dos Campeões, não podemos jogar só com os miúdos da formação. Mas termos alguns na equipa é muito bom. E acho que essa tem de ser a política em todos os clubes. Alguns clubes não conseguem fazê-lo. Mas num clube como o Benfica, ou como outros clubes em Portugal ou na Europa, é um sinal forte para a cultura do clube. E acho que é algo que acrescenta qualidade. Esta também foi uma das razões que me fez vir para aqui, para trabalhar com estes jogadores.
Potencial para a Liga portuguesa chegar ao top-4 ou top-5 europeu? Acho que Portugal é um país incrível, mas de dimensão pequena, com cerca de 10 milhões de habitantes. Logicamente, o número de jovens talentos é menor do que noutros países. A Alemanha, por exemplo, tem 70 milhões de habitantes. Acho que o lugar que Portugal ocupa, neste momento, no contexto europeu, é muito bom. E acho que continua a melhorar, como as nossas melhores equipas, o FC Porto e o Benfica, e claro o Sporting, que quase permitiu termos três equipas portuguesas nas fases a eliminar da Liga dos Campeões. Podemos olhar para o caso de grandes equipas que não se conseguiram qualificar, já pela segunda vez consecutiva, como é o caso do Barcelona. Por isso, aquilo que se passa em Portugal já é bastante positivo, mas há sempre espaço para melhorarmos. E parte deste crescimento vem da capacidade de a Liga portuguesa se manter altamente competitiva. Mas eu consigo ver isso, consigo ver o potencial, a forma de se jogar em Portugal é muita boa. E se as equipas grandes continuarem a competir a nível internacional... aqui junto o Braga, que tem feito grandes campanhas. Na minha opinião, nunca é fácil jogar contra equipas portuguesas. Posto isto, acho que o futebol português caminha na direção certa.
Como tem sido a sua experiência em viver em Portugal? Senti-me muito bem recebido. Os portugueses são muito acolhedores e muito positivos. Sinto uma energia positiva muito forte no país. Tenho gostado muito de viver e trabalhar aqui. Foi, sem dúvida, uma das melhores decisões que já tomei na vida.
Em relação ao Thinking Football Summit, qual é a importância de haver eventos como este? É muitíssimo importante haver esta troca de ideias. Especialistas que se juntam para debater vários tópicos. Que se sentam para debater temas importantes para a indústria do futebol. Acho que é fundamental para o seu desenvolvimento. Se queremos desenvolver algo, por exemplo, em relação aos próximos passos a tomar no futebol português, como é óbvio, é necessário que estas pessoas debatam sobre o tema.
Como é que se descreveria a si mesmo? No meu dia-a-dia, sou tal como sou enquanto treinador. Não tento ser diferente. Acho que o importante no futebol, e enquanto treinador, é ser-se genuíno, o que torna as coisas mais fáceis para nós mesmos. Se adotarmos uma persona, torna-se mais complicado. Faço os possíveis para continuar a gostar de futebol, como na altura em que era jogador. E quero continuar a ter prazer nisso. Sei que no futebol, isso depende sempre do sucesso das equipas. No Benfica, isso significa lutar sempre por títulos. Gosto de estar todos os dias com os jogadores, juntamente com o staff técnico, e trabalharmos para estar na melhor forma nos dias de jogo. Fazer com que os adeptos se sintam felizes e orgulhosos. Essa é a minha maior motivação. Eu sou o que sou. Não finjo ser outra pessoa. Claro que faço sempre essa diferenciação quando estou com os jogadores. Tenho de treiná-los e geri-los como jogadores, mas por detrás de cada jogador, há um ser humano. Tento ver sempre essa parte. Porque se queremos os jogadores ao melhor nível, eles devem sentir-se felizes e relaxados, e é por isso que devemos ter a noção de que há alguém mais por detrás de um jogador.
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