O cenário das ruas de Brasília, a capital do Brasil, pentacampeão, em busca do 'hexa' e que para para ver a seleção de quatro em anos numa espécie de carnaval antecipado, é tímido e só agora começou a ser pintado de 'verde e amarelo' e bandeiras brasileiras, símbolos que passaram a ser vistos por grande parte da população como referência de apoio ao ainda Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e ao seu movimento.
A gerente de um bar em Brasília explica à Lusa que o atraso em colorir o bar de 'verde e amarelo' foi precisamente para evitar alusões políticas num processo eleitoral que, na teoria, terminou há pouco mais de três semanas com a vitória de Lula da Silva nas presidências, mas, que na prática, ainda perdura e se sente diariamente na sociedade.
Exemplo disso são os protestos em frente aos quartéis militares, onde os manifestantes apelam por um golpe de Estado para impedir a tomada de posse de Lula da Silva, os bloqueios de estradas, ou mesmo o facto de o partido de Bolsonaro ainda pôr em causa a legalidade do processo eleitoral.
"A seleção brasileira sempre foi uma simbologia, do amor à pátria, da união", de juntar as diferenças em torno do futebol, numa celebração a cada quatro anos, começa por explicar à Lusa o historiador brasileiro Creomar de Sousa.
O também Fundador da Consultoria de Análise de Risco Político Dharma lembra, contudo, que ao longo dos últimos anos os símbolos brasileiros foram sendo entregues "para um determinado espetro político", principalmente com a ascensão do "movimento de extrema-direita" que foi "muito eficaz em capturar datas e símbolos nacionais" como se viu a 07 de setembro, nas celebrações do bicentenário da independência do Brasil.
"À medida que se persiste nessa ideia você tem como consequência direta o facto de as pessoas que não querem ser parte dessa bolha, não querem ser vistas como parte dessa bolha, [se] vão desapegando das simbologias", enfatiza.
Uma sondagem encomendada pelo jornal brasileiro Metrópoles demonstra isso mesmo: 26% dos brasileiros afirmam que "pegaram ranço" da camisola verde e amarela 'canarinha' e 14% indicam que a campanha eleitoral mudou em definitivo a relação que mantinham com a seleção brasileira.
O historiador recorda ainda que existia uma prática comum entre os jogadores de não se pronunciarem sobre política. "Infelizmente o jogador mais importante decidiu se manifestar politicamente", relembra, referindo a Neymar Jr que durante a campanha eleitoral partilhou um vídeo na rede social TikTok, no qual dançou e cantou ao som da música "vota, vota e confirma, 22 [número da urna] é Bolsonaro".
"Chegou a prometer durante a campanha eleitoral que caso fizesse golo, que o primeiro golo seria em homenagem ao Presidente, Bolsonaro", recorda Creomar de Sousa.
Devido a toda esta situação o futebol, considera o historiador, passou a ser "enxergado dentro dessa lógica de polarização, que um jogador que se manifesta a favor da posição A é visto como bom, o jogador que se manifesta a favor da posição B é visto como ruim".
A juntar-se a isto tudo existe o facto de este ano o mundial ser realizado logo depois do processo eleitoral, acrescentando uma "dificuldade das pessoas em se desvincularem".
"As pessoas ainda estão machucadas pelas dores do processo eleitoral", considera.
Questionado sobre se todo este clima irá sofreu uma volta de 180º quando a bola começar a rodar, Creomar de Sousa aposta que vai "depender muito de como esse 'time' vai jogar, de quem vai fazer esse golo e do tipo de comemoração que vem".
"Não sei se o grupo de jogadores entende o nível de pressão que se coloca sobre eles a partir de uma lógica em que a seleção brasileira tem tanta importância", conclui.
Para além da estreia hoje do Brasil, Portugal também vai entrar em campo contra o Gana, às 16:00 em Lisboa, no Estádio 974, em Doha, em jogo do Grupo H do Mundial2022, com os lusos a defrontarem, depois, o Uruguai, na segunda-feira, e a Coreia do Sul, 02 de dezembro.
A 22.ª edição do Campeonato do Mundo decorre até 18 de dezembro, no Qatar.
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