João Aroso e a aventura no Vitória: "Recusei várias vezes, mas depois..."

Ex-membro da equipa técnica de Moreno Teixeira detalhou, em entrevista ao Desporto ao Minuto, o que o levou a aceitar o convite para voltar a exercer funções em Portugal, não hesitando em explicar os contornos da sua saída do clube de Guimarães e de exprimir a sua opinião acerca de coisas que não controla.

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Miguel Simões
20/02/2024 07:36 ‧ 20/02/2024 por Miguel Simões

Desporto

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Já depois de ter passado por Sporting, Sporting de Braga e, sobretudo, pela seleção nacional, João Aroso abraçou o projeto do Vitória SC 'do pé para a mão', em julho de 2022, ao aceitar o convite de Moreno Teixeira para integrar a equipa técnica que entrou em ação após a saída surpreendente de Pepa. Nem tudo foi fácil, mas o balanço da experiência que terminou em agosto de 2023 acabou por ser... "muito positivo".

Em conversa com o Desporto ao Minuto, o experiente técnico - que surgia na ficha de jogo como treinador principal, em função da ausência de habilitações por parte de Moreno - deu conta da liberdade que tinha para dar indicações para dentro das quatro linhas, não deixando, ainda assim, de exprimir a sua opinião sobre coisas que não controla.

Falamos concretamente das multas das quais o Vitória SC foi alvo, fruto das constantes intervenções de Moreno junto dos seus jogadores, levando João Aroso a vincar que o futebol sairia valorizado se dois elementos de uma equipa técnica o pudessem fazer. Além disso, o treinador de 51 anos pediu uma reflexão sobre situações semelhantes "nos mais diversos bancos de suplentes", bem além de eventuais "pressões à equipa de arbitragem".

Com um prémio de treinador do mês na mão [o de fevereiro de 2023], João Aroso abandonou o projeto do Vitória SC, sensivelmente, um ano após a sua chegada a Guimarães. O ex-adjunto de Paulo Bento na seleção nacional foi surpreendido com a decisão de Moreno em deixar a equipa no arranque da nova época, assumindo-a apenas por um jogo, no triunfo frente ao Gil Vicente (2-1), na segunda jornada da I Liga, explicando os motivos da sua saída e 'aplaudindo' ainda a forma como Álvaro Pacheco 'pegou' na equipa que luta por objetivos europeus.

Notícias ao Minuto João Aroso confessou que não conhecia Moreno pessoalmente antes de aceitar o seu mais recente desafio em Guimarães, tendo confessado que recusou o convite por "várias vezes". © Miguel Pereira/Global Imagens  

Como surgiu o convite para se juntar a Moreno Teixeira no Vitória SC já no decorrer da época 2022/23?

Eu não conhecia pessoalmente o Moreno. Ele teve boas informações minhas através de pessoas em quem confiava bastante. Isso levou a uma insistência muito grande em convencer-me a aceitar. Não foi uma decisão fácil, sobretudo pelo contexto burocrático, mas ainda bem que fui. Foi um gosto enorme trabalhar no Vitória SC.

Contexto burocrático? Refere-se ao facto de assumir o estatuto de treinador principal no papel, mas desempenhando-o como adjunto?

Sim, foi a razão principal por ter recusado várias vezes o convite. Só depois de algum tempo e de alguma insistência é que disse 'sim', sobretudo por ter percebido que o Moreno queria muito o meu contributo, bem para além dessa questão de ordem burocrática. A forma como ele me fez perceber que queria muito a minha ajuda na equipa técnica dele levou-me ultrapassar a minha primeira ideia em que não estava tão recetivo.

Multas? Reparem nos mais diversos bancos de suplentes, noutros jogos, seja com treinadores adjuntos ou principais, se não há um segundo elemento com muita frequência a dar informação para dentro de campo, a intervir, a levantar-se...O Vitória SC foi multado inúmeras vezes por força das intervenções do Moreno para dentro de campo, quando essa função pertencia, no papel, ao João. Olhava para esse comportamento de que forma?

Quando eu estava de pé, não estava a fazer uma representação apenas. O Moreno pedia-me para eu estar completamente à vontade para dar instruções e feedback à equipa. Não me revejo no papel de figura decorativa. Se assim fosse, nunca teria aceitado. Multas? Reparem nos mais diversos bancos de suplentes, noutros jogos, seja com treinadores adjuntos ou principais, se não há um segundo elemento com muita frequência a dar informação para dentro de campo, a intervir, a levantar-se... É uma questão de reflexão. Vejo vários jogos da Premier League em que há contextos com dois treinadores em pé quase permanentemente. Sendo assim, não tenho mais nada a dizer.

A I Liga devia seguir o exemplo da Premier League quanto a esse tema?

Não vejo qualquer problema em estarem dois elementos de pé a conversar. É algo que se vê com muita frequência. Um elemento pode estar mais tempo em pé e depois há outro que tem algo para comentar ou transmitir. Não vejo problema em poderem estar dois treinadores em simultâneo a partilhar informações para dentro de campo. Não prejudica ninguém transmitir algo a um jogador ou a uma equipa. É uma gestão que pode ser feita por parte da equipa técnica. Compreendo que não possam estar vários elementos de pé, porque gera muita confusão, mas ver uma situação [com dois elementos] decorrer de forma pontual não prejudica o espetáculo desportivo. Estamos a falar de conversa e de interação, não de pressões sobre equipas de arbitragem. Se falássemos disso... Aí, levantam-se todos. Não é apenas um segundo treinador. Não está relacionado com protestos. Trata-se de dar informações para dentro de campo.

Os jogadores mais jovens começaram a habituar-se a lidar com a paixão dos adeptos do Vitória SC pelo clube. Passou muito rápido a ideia de que eram novos. Eles também queriam muito ganhar. Arranjámos forma de lidar com isso. 

A temporada passada, apesar dos altos e baixos, foi positiva para o contexto do Vitória SC?

Foi muito positiva. Houve uma fase no início em que saíram vários jogadores. O Moreno tinha conhecimento de jogadores da equipa B, bem como da sua qualidade, pelo que a nossa equipa [principal] passou a ter uma estrutura muito significativa com jogadores dos bês. A nossa equipa chegou a ter sete jogadores num onze que tinham estado a jogar na Liga 3 na época anterior. Associando essa juventude, a falta de hábito e a tal exigência dos adeptos, as coisas podiam refletir-se na pressão que existia sobre a equipa. Nesse cenário, foi muito importante a experiência, a maturidade e o caráter de jogadores como Bruno Varela, o capitão, assim como de Jorge Fernandes, Tiago Silva e André André, que estavam habituados àquela exigência. Os mais jovens começaram a habituar-se a lidar com a paixão que os adeptos do Vitória SC tinham pelo clube. Passou muito rápido a ideia de que eram novos. Eles também queriam muito ganhar. Arranjámos forma de lidar com isso. Os jogadores mais jovens tiveram de crescer rápido e, progressivamente, foram lidando com essa exigência. Esta época já se nota muito bem isso. Tendo em conta tudo isto, acho mesmo que a época foi muito positiva.

O prémio de melhor treinador do mês foi para Guimarães, em fevereiro de 2023. Como se sentiu após esse reconhecimento?

O reconhecimento não era na minha pessoa. Era um reconhecimento do trabalho da equipa técnica em ligação com o dos jogadores. Uma distinção destas de treinador do mês não é conseguida se não houver bom rendimento. Para isso contribui muito diretamente o trabalho dos jogadores. É um prémio que reconhece tudo isso.

Detalhe-nos a saída do Moreno Teixeira e o impacto que deixou no plantel.

Foram momentos difíceis do ponto de vista emocional para todos. Sentiu-se um impacto grande. Naquela semana de preparação para o jogo frente ao Gil Vicente, já sem o Moreno, a sensação que ficava é que parecia que tínhamos perdido, mas, na verdade, tínhamos vencido o Estrela da Amadora (0-1). Parecia que estávamos a recuperar animicamente de uma derrota quando, na verdade, tínhamos ganho.

A decisão do Moreno foi conversada com a equipa técnica antes dos jogadores? Logo após o jogo na Amadora, André André foi 'apanhado' pela transmissão televisiva a tentar falar com Moreno sem grande sucesso...

Foi uma decisão exclusivamente dele e só tive conhecimento após o jogo [na Amadora, na primeira jornada da I Liga]. O André André tinha acabado de saber instantes antes. Eu fico a saber ao assistir a esse episódio entre eles os dois [em conversa]. Tentei perceber o que se se estava a passar e fiquei a saber.

Fiquei com uma ligação muito grande ao clube (...) Nos momentos de resultados negativos, não é fácil ser treinador do Vitória. 

Por que motivo só aceitou comandar a equipa no jogo seguinte à saída de Moreno, frente ao Gil Vicente (2-1), sem dar continuidade ao projeto?

Quando aceitei [o convite], para mim era muito claro que eu sairia do Vitória se me surgisse uma outra possibilidade como treinador principal. O Moreno sabia disso. Ou então terminaria quando o Moreno saísse. Para mim, foi lógica a situação de sair.

Arrepende-se?

Fiquei com uma ligação muito grande ao clube. Um sentimento muito especial. Nos momentos de resultados negativos, não é fácil ser treinador do Vitória. Sempre me senti muito bem no clube, tanto lá dentro, como perante os adeptos. Sentia-me bem com as pessoas no dia a dia, desde jogadores a elementos do staff. Gostava realmente de trabalhar no Vitória. A decisão não foi fácil do ponto de vista emocional, mas, racionalmente e objetivamente, era a única decisão possível para mim. Assim sendo, tudo muito bem resolvido.

Sente que uma grande parte do trabalho desenvolvido pela equipa técnica do Moreno ainda está presente no atual trajeto trilhado por Álvaro Pacheco?

Não quero demonstrar qualquer tipo de presunção, mas acho que há uma parte relevante daquilo que foi feito antes com o Moreno. Vou excluir aqui o período do Paulo Turra. Acho que há uma parte relevante que foi aprofundada pelo Álvaro Pacheco. A mim, deixa-me satisfeito. É o reconhecimento de que muita coisa estava bem feita aos olhos do atual treinador do Vitória. Reforçando aqui o mérito e a competência evidentes de Álvaro Pacheco neste bom trajeto que o Vitória tem tido desde que entrou [em outubro de 2023], creio que ele não interpretará mal isto que estou a dizer. Olhando para a forma de jogar atual da equipa, há de facto conceitos e questões estruturais relacionados com o nosso trabalho também.

Notícias ao Minuto João Aroso valorizou o trabalho de Álvaro Pacheco para o atual sucesso do Vitória SC (no campeonato e na Taça de Portugal), frisando a "solidificação de ideias" implementadas pela equipa técnica de Moreno Teixeira.© Getty Images  

Acredita que o Vitória terá sucesso no fim da temporada, seja na luta europeia no campeonato ou numa eventual chegada à final da Taça de Portugal?

Acho que sim. Vejo uma probabilidade muito grande de o Vitória terminar a época com uma excelente classificação. Está a jogar bem e nota-se que é uma equipa que está muito confiante. Recordo a questão dos jogadores mais novos. Vários continuam a jogar. A equipa não é tão jovem como no ano passado e, nesse cenário, os jovens já estão mais experientes. O Tomás Handel tem crescido. O Jorge Fernandes regressou de lesão. Há ainda Borevkovic e Tomás Ribeiro. O Bruno Gaspar começou a jogar com mais regularidade no início desta época, em vez do [Miguel] Maga. Há diferenças, claro. Na frente de ataque talvez não tanto. O Ricardo Mangas lesionou-se na pré-época e desfalcou a equipa naqueles jogos importantes de competições europeias. Houve uma solidificação de ideias, conceitos e resultados. O Vitória tem tudo para terminar a época muito bem.

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