Capital financeiro é crime organizado, diz Boaventura de Sousa Santos

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos acusou o capital financeiro de ser "a grande fonte da desigualdade brutal" que existe hoje no mundo, pelo que propôs classificá-lo como "crime organizado".

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Lusa
21/11/2018 11:31 ‧ 21/11/2018 por Lusa

Economia

sociólogo

 

"O capital financeiro é um crime organizado e deve ser responsabilizado como crime organizado", disse o diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra na noite de terça-feira no segundo dia do Fórum do Pensamento Crítico, que decorre em Buenos Aires.

Para o sociólogo, o capital financeiro é criminoso porque envolve "fraudes fiscais, estelionato, abuso de poder e corrupção", mas "é também um crime de vida porque a esperança de vida vai diminuir com as políticas de austeridade do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional".

"Os crimes dos próximos 70 anos serão os crimes financeiros e os crimes ambientais. São esses que estão a matar a vida", denunciou, num evento que pretende ser uma contra-cimeira ao G20, que decorrerá também na capital argentina nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro.

Boaventura de Sousa Santos sublinhou que existem alternativas ao capitalismo vigente, mas é preciso "um pensamento alternativo para outras políticas de estado, outras economias, outras democracias".

"Somente com pensamento alternativo seremos, neste século, rebeldes competentes", numa intervenção que foi aplaudida de pé.

O sociólogo português desafiou por isso líderes políticos e sociais da América Latina a reformarem o seu pensamento e as suas instituições como única saída para a região, que tem a maior desigualdade do mundo.

Para o sociólogo, tratado no fórum como uma celebridade, o que legitimou a desigualdade no continente americano foi o pensamento dominante eurocêntrico.

"O conhecimento eurocêntrico é o conhecimento dos vencedores. O que legitimou a desigualdade não pode explicar agora a igualdade. A social democracia na Europa foi possível graças a uma exploração sem limite das colónias", apontou.

Desafiado a explicar "a desigualdade ao 1% mais rico da humanidade", Sousa Santos disse que seria impossível.

"Recuso-me a explicar ao 1% o que é a desigualdade. E a razão é simples: é como explicar ao diabo que Deus é bom. Além disso, tenho a certeza de que não me ouve. E se me ouve, não me entende", disse, acrescentando: "A minha inclinação é explicar a igualdade aos 99%".

Como saída para essa "armadilha", como definiu, defendeu que é preciso "pensamentos sociais nascidos nas lutas contra o capitalismo, contra o colonialismo e contra o patriarcado".

"O erro do pensamento crítico do século XX é [pensar] que somente o capitalismo cria desigualdade. Precisamos de aprender que a dominação moderna é capitalismo, colonialismo e patriarcado", disse, sublinhando: "A tragédia do nosso tempo é que a dominação age em articulação enquanto a resistência está fragmentada".

Nesse sentido, deu um exemplo da contradição dos próprios movimentos sociais que lutam contra a desigualdade por um lado enquanto geram desigualdade por outro.

"Os que lutam contra o capitalismo muitas vezes são racistas e sexistas. Muito do movimento afro é sexista e esquece-se do anticapitalismo. E muito feminismo é racista e esquece-se do anticapitalismo. Então, enquanto continuarmos divididos, a dominação domina-nos como manteiga", criticou.

Numa intervenção que intercalou bom humor, provocação e aplausos acalorados, Boaventura de Sousa Santos considerou que "a transformação política nas próximas décadas não vai sair somente das instituições" e que "essas instituições devem ser descolonizadas, despatriarcalizadas e democratizadas".

"A começar pela descolonização das universidades e dos centros de investigação. As instituições devem ser reformuladas, a partir da luta nas ruas" porque "o conhecimento do qual precisamos não é um conhecimento de vencidos, mas de resistentes; não é das vítimas, mas dos que resistem na luta".

 

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