O programa de assistência a Portugal (2011-2014) é recordado por alguns dos intervenientes num livro hoje publicado pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que traça a história do estabelecimento do fundo de resgate permanente da zona euro, assim como do seu antecessor (o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira), durante a crise da dívida soberana, e que conta com testemunhos dos antigos ministros das Finanças Teixeira dos Santos (2005-2011), Vítor Gaspar (2011-2013) e Maria Luís Albuquerque (2013-2015).
Intitulado "Salvaguardando o Euro em tempos de crise: a história do MEE vista por dentro", o livro dedica dois capítulos a Portugal -- o pedido de ajuda, em 2011, e a saída do programa, em 2014 --, enfatizando a demora das autoridades portuguesas em pedir assistência financeira externa e a divisão de opiniões sobre a saída do programa, que acabou por ser 'limpa', sem recurso a um programa cautelar.
Relativamente ao pedido de ajuda -- que o Governo socialista liderado por José Sócrates foi adiando até ao chumbo do PEC IV (Programa de Estabilidade e Crescimento), que levou à queda do executivo -, Teixeira dos Santos conta que, em particular, a participação do FMI na 'troika' era um incentivo para não pedir ajuda, devido ao "ressentimento" ainda existente no país face às duas anteriores passagens do Fundo Monetário Internacional por Portugal, em 1977 e 1983.
"As políticas eram muito restritivas. Recessão, desemprego elevado, inflação alta, rendimentos reais em queda e uma deterioração das condições de vida na altura passaram a ficar associadas ao FMI. Chamar outra vez o FMI seria como para uma criança chamar o 'papão'", conta o antigo ministro.
Tais memórias, refere, significavam que o pedido de ajuda "teria um custo político muito alto", razão pela qual "não é de espantar que tenha havido relutância".
Vítor Gaspar, que sucedeu a Teixeira dos Santos, concorda em que qualquer país terá relutância em pedir ajuda externa, pois tal cria "um efeito de estigma" aos olhos dos mercados, "e definitivamente a credibilidade não é imediatamente reforçada quando se tem um programa".
Essa relutância de Portugal em seguir o mesmo caminho que Grécia e Irlanda -- os dois primeiros países a pedir ajuda externa -- levou a alguns momentos de tensão em Bruxelas, recorda Maria Luís Albuquerque, à data coordenadora do Núcleo de Emissões e Mercados do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, o que a levava a participar em reuniões em Bruxelas.
"Lembro-me de estar em reuniões onde as pessoas diziam coisas como 'precisamos de encontrar uma forma de estabelecer estes programas sem estigmatizar os países envolvidos, já que tal leva a resistência política em admitir que há problemas'. Então, uma sala cheia de pessoas olhava diretamente para mim e alguém acrescentava que 'realmente há países que necessitam efetivamente de ajuda mas recusam-se a admiti-lo'", revela.
Mais de oito anos volvidos, Teixeira dos Santos e Maria Luís Albuquerque ainda têm visões distintas sobre a demora em pedir assistência financeira.
O antigo ministro socialista argumenta que o Governo tentou até ao fim trabalhar com as instituições com vista a uma solução 'cautelar' que não passasse por um programa de ajuda externo completo, "com todo o estigma associado a um pedido de resgate', enquanto a antiga ministra do Governo PSD/CDS-PP considera que o então Governo interino (Sócrates demitiu-se na sequência do chumbo do PEC IV) estava simplesmente a adiar o inevitável, e o pedido de ajuda externa "foi tardio, deveria ter sido feito mais cedo".
Portugal acabou por pedir ajuda externa em 07 de abril de 2011, tendo o Eurogrupo e o Conselho de ministros das Finanças da UE (Ecofin) aprovado, cerca de um mês depois (16 de maio), prestar ajuda financeira a Portugal, num total de 78 mil milhões de euros, emprestados, em três parcelas idênticas, pelo FEEF, pelos Estados-membros da UE e pelo FMI.
Três anos depois, e já com Maria Luís Albuquerque no lugar de Vítor Gaspar, Portugal decidiu-se pela 'saída limpa' do programa de assistência, mas também neste caso a decisão não foi consensual, até porque muitos -- designadamente as instituições europeias - defendiam o recurso a um novo instrumento do MEE, uma linha de crédito cautelar, que permitisse ajudar Portugal a voltar a ter acesso aos mercados sem contrair novos empréstimos ou programa, mas que manteria o país sob diversas condicionalidades.
Contudo, Portugal decidiu seguir o mesmo caminho que a Irlanda e optar pela chamada 'saída limpa', sem rede de segurança, revelando Teixeira dos Santos que na altura era mais favorável a um "instrumento cautelar", pois o país teria ficado "mais protegido". Olhando para trás, o antigo ministro comenta que, felizmente, "os desenvolvimentos nos mercados foram positivos e não houve necessidade" de um programa cautelar.
Já Maria Luís Albuquerque considera que, à luz do cumprimento das metas que foram estabelecidas no programa de assistência, e por ter restaurado a sua credibilidade, Portugal não precisava de um programa cautelar ou de acompanhamento, que só faria sentido se o acesso aos mercados fosse "frágil", até porque, sustenta, qualquer programa de apoio poderia ser visto "como uma falta de confiança", ainda para mais depois da 'saída limpa' da Irlanda.
"Há muita psicologia envolvida", resume a antiga ministra das Finanças, 'confirmando' que o 'peso' psicológico (e político) de ajuda externa teve grande influência quer na forma como Portugal tardou em solicitar o resgate, quer na forma como decidiu concluí-lo, sem uma 'rede de proteção'.