"Não é tempo de discutirmos muito sobre instrumentos. É tempo de atuarmos em conjunto naquilo que temos de atuar em conjunto. Não é preciso ser nenhum génio, qualquer cidadão percebe que esta crise exige respostas à escala local, à escala nacional e à escala europeia", disse o antigo governante em entrevista à agência Lusa.
Para o antigo ministro da Economia (1996-1997), "a mutualização de dívida tem problemas constitucionais para um número não maioritário, mas significativo, de muitos países europeus", pelo que a implementação de 'coronabonds' não se lhe afigura adequada.
"Não parece a forma mais correta e ajuizada de tentar encontrar uma intervenção à escala europeia obrigar governos a infringir as suas constituições. É muito mais importante definir um programa de ação em que todos os estados europeus se mobilizam, e são muito mais importantes o objetivo e as ações do que a forma como elas são feitas", defendeu.
Augusto Mateus considera que a posição assumida pelo Banco Central Europeu, num programa de cerca de um bilião de euros de compra de ativos, "com o acordo de todos, no sentido de adquirir o que for necessário de dívida pública soberana", configura já um "instrumento poderosíssimo".
"Há a possibilidade de emitir dívida publica nacional com um apoio sem precedentes do BCE", o que juntamente com "a suspensão do Pacto de Estabilidade" dá "um quadro completamente novo para a política macroeconómica na Europa", no futuro.
O economista defendeu que "é tempo de os 27 [Estados-membros da União Europeia] estarem juntos, e não estarem a chamar nomes uns aos outros", sendo necessário, "rapidamente, à escala europeia, aprovar o orçamento, que não está aprovado", bem como "a orientação dos fundos estruturais".
À saída da atual crise, Augusto Mateus defende que a austeridade não deve ser "chamada", e que será necessário "redesenhar o setor público, o setor privado, as formas de regulação, as formas de inovação, a partilha de riscos e reinventar a relação entre poupança e consumo".
"Recuperar bem e depressa não são desafios de austeridade, mas também não são de facilitismo, nem são de regresso ao passado", afirmou.
Relativamente às atuais medidas decididas pelo Governo no combate à crise da covid-19, o economista considerou o 'lay-off' uma solução "equilibrada", mas que "como todas as outras medidas tem pecado um bocadinho", podendo ser "um bocadinho mais ousada".
Segundo Augusto Mateus, "os primeiros indicadores dizem que as pessoas estão a consumir cerca de metade do que consumiam", e estando a receber dois terços do salário, "há uma folga em que podia ser discutida a disponibilidade de liquidez para manter as empresas ativas e a fazer outras coisas para além do que estão a fazer".
"Mas é uma medida que está essencialmente bem desenhada, eventualmente com incentivos a mais para empresários e trabalhadores, e com custos a mais para a Segurança Social", considerou, mencionando que "se deveria estar a fazer um pouco mais pelas pessoas mais vulneráveis".
Já as medidas de recurso ao crédito lhe parecem "profundamente erradas, porque se está a tentar responder a uma coisa que é a necessidade de liquidez imediata e de capital com crédito", e com partilhas de risco desequilibradas.
"O crédito é relevante para o momento zero [após a crise], é relevante antes do momento zero para alguns casos mais complicados, mas basicamente o que precisamos são de moratórias, é de pôr a economia a hibernar, é de congelar a economia que não está a funcionar", defendeu.
O economista considerou ainda que as medidas governamentais "têm demorado muito, na forma de improvisação, a perceber que há muitas formas de trabalho".
"Há os assalariados, há os assalariados com contratos a prazo, há os trabalhadores temporários, os fornecedores de serviços, os trabalhadores independentes, as empresas em nome individual. Há variadíssimas formas de trabalho e todas têm de ser tratadas por igual", defendeu.
Na saída da crise, Augusto Mateus crê que "o dia zero não é um simples recomeço", mas será "uma coisa muito delicada", existindo "uma síndrome de convalescença", tanto do ponto de vista social como económico.
"Vai demorar muito tempo a esquecer uma experiência negativa e criar confiança para a recuperação", afirmou, considerando "muito importante o estado dos agentes económicos quando chegarem a esse momento", que será dependente "do número, do grau de destruição das empresas e de como se viveu a crise".