Pandemia e falta de ajuda empurram milhões de crianças para a fome
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estimou hoje que milhões de crianças vão ficar à beira da fome no Iémen, devastado pela guerra, afetado pela pandemia e pela quebra na ajuda humanitária.
© Getty Images
Mundo Covid-19
A previsão consta de um novo relatório da UNICEF intitulado "Iémen cinco anos depois: crianças, conflitos e covid-19", no qual se aponta que o número de crianças iemenitas desnutridas pode chegar aos 2,4 milhões até ao final do ano, um aumento de 20% em relação ao cenário atual.
"À medida que o devastado sistema de saúde e as infraestruturas lutam para lidar com o coronavírus, a situação, que já é terrível para as crianças, provavelmente vai deteriorar-se consideravelmente", alertou a UNICEF.
A fraca infraestrutura de assistência médica não está preparada para combater a pandemia de coronavírus, após cinco anos de guerra entre uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita e os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irão.
A guerra, que eclodiu em 2015, desencadeou a pior crise humanitária do mundo.
A UNICEF prevê que a situação no Iémen piore, porque os países reduziram recentemente a ajuda humanitária.
O país registou oficialmente mais de mil casos de covid-19, a doença causada pelo coronavírus, que resultaram em 275 mortos. No entanto, acredita-se que a contagem real seja muito maior, pois as capacidades de teste são extremamente limitadas.
"Se não recebermos fundos urgentes, as crianças serão empurradas para a fome e muitas morrerão", disse a representante da UNICEF no Iémen, Sara Beysolow Nyanti. Se isso acontecer, "a comunidade internacional enviará a mensagem de que a vida das crianças (...) simplesmente não importa", acrescentou.
A UNICEF também alertou que, a menos que 54,5 milhões de dólares (48,5 milhões de euros) sejam desembolsados para assistência à saúde e nutrição, até ao final de agosto, mais de 23 mil crianças estarão em maior risco de morrer por causa da desnutrição aguda. Cinco milhões de crianças com menos de 5 anos não terão acesso a vacinas contra doenças mortais.
As agências internacionais de assistência estão alarmadas com o declínio significativo do financiamento humanitário prometido anteriormente pelos países doadores.
Numa conferência 'online' dedicada ao Iémen, organizada pela ONU e pela Arábia Saudita em 02 de junho, 31 dos países doadores prometeram 1,35 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) em ajuda humanitária - menos mil milhões de dólares do que as agências precisam e metade do valor que os países prometeram em 2019.
A UNICEF pode garantir apenas 10% dos 461 milhões de dólares (410 milhões de euros) que pede para cobrir a sua resposta humanitária à crise no Iémen e menos de 40% dos 53 milhões de dólares (47,2 milhões de euros) necessários para lidar com o impacto da covid-19 nas crianças, indica-se no relatório.
"A UNICEF está a trabalhar dia e noite em situações incrivelmente difíceis para obter ajuda para crianças em necessidade desesperada, mas só temos uma fração do financiamento necessário para fazer isso", reforçou Nyanti.
O relatório da UNICEF surge logo após o responsável pela ajuda humanitária das Nações Unidas, Mark Lowcock, ter afirmado numa reunião fechada do Conselho de Segurança da ONU que o Iémen poderia "cair do penhasco" sem um forte apoio financeiro.
Lowcock acrescentou que a covid-19 está a espalhar-se rapidamente pelo país mais pobre do mundo árabe, matando cerca de 25% dos casos confirmados - um número cinco vezes superior à média global.
Metade das unidades de saúde do Iémen são disfuncionais e 18% dos 333 distritos do país não têm médicos.
Os sistemas de água e saneamento entraram em colapso, resultando em surtos recorrentes de cólera.
Cerca de 9,6 milhões de crianças não têm acesso suficiente a água potável, saneamento ou higiene e dois terços dos cerca de 30 milhões de pessoas no país contam com assistência alimentar.
A pandemia de covid-19 já provocou quase 484 mil mortos e infetou mais de 9,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência de notícias France-Presse (AFP).
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Depois de a Europa ter sucedido à China como centro da pandemia em fevereiro, o continente americano é agora o que tem mais casos confirmados e mais mortes.
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