Em declarações à agência Lusa, a secretária geral da central sindical, Isabel Camarinha, lamentou desde logo "a forma como o documento foi apresentado".
"Foi-nos enviado ontem [segunda-feira] à noite, com prazo até amanhã ao final do dia para emitirmos o nosso parecer. Vamos referir na nossa apreciação que isto não pode ser. A audição das associações sindicais quando há alterações a legislação de trabalho é obrigatória e tem os tramites que têm que ser seguidos, nomeadamente em relação ao prazo", disse.
No que diz respeito ao conteúdo, para a CGTP é "inaceitável" que "seja dado um poder unilateral às entidades patronais sem haver uma negociação" com os representantes dos trabalhadores, não havendo possibilidade de em cada local de trabalho os trabalhadores inclusive apresentarem outras propostas diferentes, alternativas àquilo que seja a intenção da empresa e que até possam ser melhores para o funcionamento e para os trabalhadores.
"Estamos a elaborar o parecer, mas basicamente as questões principais que nos suscitam são as de que não pode ser dado o poder discricionário unilateral às empresas e entidades patronais para alterarem o horário dos trabalhadores. Isto é inaceitável", sublinhou.
"A questão do horário de trabalho é fundamental para a vida dos trabalhadores, que já estão tão prejudicados por todas as medidas que têm vindo a ser tomadas que são desequilibradas para o lado das grandes empresas e grandes grupos económicos à custa do Orçamento de Estado, utilizando a segurança social e prejudicando os trabalhadores que são quem é a força do país e sem os quais nada funciona", disse ainda Isabel Camarinha.
"É inaceitável que não haja efetiva negociação. Não aceitamos que um trabalhador que tenha um horário normal passe a trabalhar por turnos ou que faça trabalho noturno por imposição unilateral da empresa. Não pode ser. Muito menos aceitaremos desregulações como o banco de horas, adaptabilidade, horários concentrados, que a lei estabelece como podendo ser aplicados e tem que ser respeitada a lei e as convenções coletivas de trabalho e as práticas dentro de cada local de trabalho e de horários que os trabalhadores praticam", acrescentou.
A solução, passa assim, segundo a CGTP, por em cada local de trabalho se negociarem formas de garantir a proteção da saúde, que as empresas saibam o que pode ser feito e quais os seus limites e que, a par disto, haja mais oferta de transportes, que se mantém deficitária.
As empresas de Lisboa e Porto vão poder alterar os horários de entrada e saída, organizando-os de forma desfasada, tendo apenas de consultar previamente os trabalhadores e representantes, havendo trabalhadores que não são obrigados a aceitar a mudança.
A medida consta da proposta de decreto-lei que o Governo remeteu aos parceiros sociais e aos quais é pedido que enviem o seu parecer até ao final da próxima quarta-feira, antes de o diploma ser aprovado em Conselho de Ministros.
A proposta de projeto-lei, a que a Lusa teve acesso, operacionaliza uma das medidas contempladas na resolução do Conselho de Ministros que declara a situação de contingência no âmbito da pandemia de covid-19 sobre a criação de horários diferenciados de entrada e saída ou de pausas e de refeições por parte das empresas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Além das situações em que o trabalhador invoque prejuízo sério, a proposta determina que os trabalhadores "com menores de 12 anos a seu cargo podem não aceitar" a alteração do horário.
Também os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, bem como as grávidas, puérperas e lactantes e os trabalhadores menores "estão dispensados" de trabalhar de acordo com o novo horário fixado pelo empregador, quando o mesmo "puder prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho".
A alteração de horários, mediante a sua organização de forma desfasada pretende evitar aglomerações na empresa e contribuir para uma menor concentração de pessoas que utilizam os transportes públicos durante as horas de ponta.
Segundo o documento, a criação de horários diferenciados nas entradas e saídas, pausas ou trocas de turnos tem de ser observada nos locais de trabalho, "incluindo áreas comuns, instalações de apoio e zonas de acesso" em que se verifique a prestação de trabalho em simultâneo de 50 ou mais trabalhadores.
O envio do documento sem discussão tripartida na Concertação Social preocupou também o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, que entende que o diploma deixa "campo aberto" para serem exercidas "pressões sobre os trabalhadores" que, acredita, terão pouca margem para recusar e invocar prejuízo sério.
À Lusa, Carlos Silva alertou ainda para a fragilidade da consulta prévia prevista no documento nos casos em que não existem nas empresas estruturas sindicais e representativas dos trabalhadores e criticou também o facto de o Governo se preparar para aprovar o diploma sem antes o discutir com os parceiros socais, pedindo-lhes apenas que façam chegar um parecer.