BES: KPMG considera "falta de pudor" entendimento do BdP sobre sentença

A auditora KPMG classifica de "enorme falta de pudor" o entendimento do Banco de Portugal de que a sentença que a absolveu no processo relacionado com o BES "irá colocar em risco a supervisão financeira em Portugal".

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Lusa
02/03/2021 16:54 ‧ 02/03/2021 por Lusa

Economia

KPMG

Na resposta aos recursos interpostos pelo Banco de Portugal (BdP) e pelo Ministério Público (MP) no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), à decisão proferida no passado dia 15 de dezembro pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a KPMGe os seus associados visados no processoreferem as "situações gravíssimas que afetaram várias instituições financeiras" desde a crise de 2008, sem que tenha existido qualquer processo aos auditores desses bancos.

Na interpretação defendida pelos auditores, não é possível existir um sistema de supervisão bancária eficaz "baseado em comunicação do auditor ao supervisor de factos não confirmados, não validados e não trabalhados de acordo com os procedimentos normativamente aceites para o desempenho da atividade de auditoria".

"Qualquer interpretação à margem das regras que regulam a atividade do Revisor Oficial de Contas (ROC) e do auditor externo quanto à certificação de contas, recusa de certificação e emissão de reservas redundaria em norma materialmente inconstitucional", salientam.

Na resposta, consultada pela Lusa, a KPMG e os seus associados consideram que esta interpretação, acolhida pela sentença do TCRS, "é a única congruente com a prática reiterada e constante" do BdP ao longo dos últimos 28 anos na relação com os auditores, com as orientações publicadas por outros bancos centrais e "a única que corresponde à prática consensual" dos auditores e ROC que desempenham atividade em Portugal".

A exemplo do que fez o BdP no seu recurso, os auditores juntam três pareceres -- um da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e dois dos professores José Ferreira Gomes e Bruno Machado de Almeida --, também relativos à interpretação do artigo 121 n.º 1 alínea c) do Regime Geral de Instituições de Crédito e Serviços Financeiros (RGICSF), que esteve em causa no julgamento.

Para os auditores, os recursos interpostos para a Relação "são improcedentes, porque uma parte substancial não tem sequer por objeto a sentença proferida" pelo TCRS.

Na parte em que os recursos versam sobre a sentença, o que pretendem "é que seja realizado um novo julgamento" do processo em fase de recurso, alegam.

Sobre o recurso do MP, os auditores afirmam que o procurador Manuel Pelicano Antunes "não compreendeu questões absolutamente elementares de contabilidade e de auditoria" em discussão no processo, recomendando que deveria, ele próprio, ter adotado o conselho que faz ao TRL, ao sugerir a contratação de um perito em auditoria para auxiliar os juízes desembargadores.

As defesas das auditoras Sílvia Gomes e Inês Filipe (esta responsável pela KPMG Angola) acompanham as respostas dos mandatários da KPMG, do seu presidente Sikander Sattar e dos associados Inês Viegas e Fernando Antunes, pedindo todos que a Relação mantenha a sentença da primeira instância.

Tal como fez o Banco de Portugal, também os auditores requerem a realização de audiência para debate de várias questões, em particular da interpretação da norma que esteve em análise no julgamento.

No passado dia 15 de dezembro, o TCRS absolveu a auditora KPMG e cinco dos seus sócios de todas as contraordenações pelas quais tinham sido condenados em junho de 2019 pelo Banco de Portugal (BdP), por violação de normas que deveriam ter levado à emissão de reservas às contas consolidadas do Banco Espírito Santo (BES), entre 2011 e 2013.

O supervisor tinha condenado a KPMG ao pagamento de uma coima de três milhões de euros, o seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, Inês Viegas (425.000 euros), Fernando Antunes (400.000 euros), Inês Filipe (375.000 euros) e Silvia Gomes (225.000 euros).

Na sua sentença, o Tribunal da Concorrência criticou o entendimento do Banco de Portugal sobre o momento em que a auditora KPMG deveria ter prestado informação suscetível de gerar reservas às contas do BES, frisando que esta não pode ser "um mero 'estafeta'" do supervisor.

Na longa sentença proferida, a juíza Vanda Miguel expôs os motivos que a levaram a julgar "totalmente procedente" a impugnação judicial, revogando a decisão administrativa e absolvendo todos os recorrentes.

Sobre a interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do RGICSF, relativo ao momento em que devem ser comunicados factos suscetíveis de gerarem reservas às contas de uma instituição financeira, a juíza considerou que o entendimento do BdP "não está de acordo com as 'legis artis' e com aquilo que é o normal na vida de auditoria".

Vanda Miguel afirmou mesmo ter ficado em "sobressalto" com a resposta "vaga" do BdP ao ofício que o TCRS lhe endereçou para saber quantas comunicações de potenciais incumprimentos tinham sido feitas ao supervisor em fase interina de uma auditoria, sublinhando que apontar um número concreto em nada "colidiria" com o "segredo bancário" invocado pelo supervisor.

Declarou ainda "estranhar" que o supervisor tenha afirmado não ter qualquer outro processo contraordenacional sobre esta matéria, dado o entendimento generalizado de auditores e auditados ouvidos em julgamento contrário ao do BdP.

Para a juíza, só após esgotar todos os procedimentos de auditoria é que o auditor tem o dever de comunicar e não enquanto decorre o processo interino de análise de informação, como pretendia o BdP neste processo.

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