"Eu acho que o Orçamento do Estado num país membro da zona euro é um Orçamento do Estado que tem uma margem de política económica, de política orçamental, extremamente reduzida, para não dizer que às vezes é contraproducente", disse à Lusa o antigo professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP).
O economista defendeu também uma estratégia de reindustrialização para Portugal: "Para nós não ficarmos com uma economia baseada no turismo -- quer dizer baixos salários -- e precariedade", sustentou.
Advogando por uma abordagem da "administração pública que combina com as empresas metas a alcançar, bem quantificadas, e subsidiadas e penalizadas caso não sejam alcançadas", Jorge Bateira considerou que esta "estratégia de desenvolvimento é impossível dentro da zona euro e da União Europeia", por conjugar políticas cambiais, orçamentais, monetárias e comerciais.
Remetendo para o trabalho do economista sueco Gunnar Myrdal, lembrou que "quando há integração de territórios de grande desigualdade no nível de desenvolvimento, os territórios do centro sugam a periferia", algo que no seu entender aconteceu com o bloco europeu.
Questionado acerca da eventual mudança nas regras orçamentais da Comissão Europeia, atualmente suspensas devido à pandemia e que obrigam a um défice máximo nas contas públicas de 3% e a dívida pública a estar abaixo de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), Jorge Bateira admitiu que, "a prazo, se tente atenuar um pouquinho o modelo".
"Mas confesso que é tudo muito incerto quanto ao futuro, porque no fundo a evolução da União Europeia depende, essencialmente, da Alemanha", disse à Lusa o agora académico aposentado.
Jorge Bateira remeteu para as recentes eleições no país que deram a vitória a Olaf Scholz, do SPD (adversário da CDU da chanceler Angela Merkel), antecipando que "com novas lideranças" há "fatores que impedem um otimismo".
O também antigo professor da Universidade Católica lembrou que a Alemanha "vai entrar com muito dinheiro para compensar as contribuições que faltam com o 'Brexit'" (saída do Reino Unido da União Europeia), tem "muita estrutura envelhecida que precisa de muito investimento", e por isso o país vai "ter de gastar muito para isso", lembrando ainda "planos de recuperação para zonas atingidas por cheias".
"Portanto, eu não tenho a certeza se esse atenuar dos critérios [orçamentais da Comissão Europeia] será assim tão grande, porque a Alemanha não quer pagar", alertou.
Assim, "se a Alemanha não quer pagar e tem só 5% de margem no seu orçamento para despesas discricionárias -- aquelas que pode mexer de ano para ano -- há demasiada concorrência de despesa para esses 5% e a União Europeia é um peso, é um fardo grande sobre a Alemanha", sustentou.
Jorge Bateira entende que as coligações governamentais alemãs, "quaisquer que sejam os partidos, são muito atravessadas por uma cultura comum, é de que não se deve gastar muito".
Para o académico, o "ordoliberalismo é transversal à sociedade alemã", autonomizando "o funcionamento da economia da decisão política", algo exportado para a União Europeia.
"Qualquer que seja o Governo que venha a ser eleito, ele pode até ter um programa político que queira mudar essas regras, mas tem de haver leis fortes, uma lei de Orçamento do Estado -- ou no caso a Constituição, entre os alemães -- que impeça o poder político de mexer nessas regras", disse.
Segundo Jorge Bateira, "a mentalidade do ordoliberalismo alemão embutido nos tratados [europeus] é uma mentalidade que é perversa, e portanto produz crises, agrava crises e se por agora está suspenso [as regras orçamentais], evidentemente que o problema está lá na mesma".
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