Nas alegações finais, no julgamento dos recursos interpostos por 11 bancos às coimas de cerca de 225 milhões de euros aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) por partilha de informação sensível durante mais de 10 anos, que decorre desde outubro de 2021 no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, o mandatário do Santander pediu à juíza Mariana Machado que absolva os recorrentes, por não ter sido provada qualquer restrição da concorrência, pedindo, contudo, que, de uma forma "pedagógica", censure "de forma clara" a prática realizada pelos funcionários dos bancos.
"Cheira mal. É feio", disse, reconhecendo que a troca de 'emails' entre funcionários de bancos concorrentes é uma "má prática" e que existiram "uns abusositos", mas assegurando que, na sua maioria, eram "inócuas" e que já foi cumprido o "papel moralizador", pelo que o processo pode "morrer aqui".
Para Nuno Casanova, este processo coloca o TCRS numa "situação complicada", porque, se absolve, "fica com o odioso" e corre o risco de "passar a mensagem" de que a prática que vigorou nos bancos "está bem", pelo que sugeriu a absolvição com uma censura "de forma categórica" e pediu que não condene "só porque sim".
O advogado começou por homenagear a "incansável dedicação" da juíza Mariana Machado, que, sem qualquer apoio, tem vindo a conduzir sucessivos processos de elevada complexidade, patente nas sentenças com mais de um milhar de páginas (que proferiu em casos como Montepio, BESA/Eurofin, KPMG) e nos megaprocessos, como o da banca, em curso, e os que se seguem, num "esforço hercúleo" que "carrega nos ombros sozinha", saindo muitas vezes do tribunal de noite, depois de longas sessões de audiência.
Este esforço, disse, tem como resultado "mascarar a falta de meios deste tribunal", receando que o Ministério da Justiça e o Conselho Superior da Magistratura "não percebam que isto não é forma de continuar".
Este "trabalho meritório" pode, para o advogado, prejudicar os arguidos, porque a pressão de "processos ensanduichados" e da opinião pública, gera o risco de, pelo cansaço, o Tribunal "aceitar quase acriticamente" a acusação resultante da decisão condenatória das autoridades administrativas e não seguir "alguma narrativa" das defesas dos arguidos.
Reafirmando a argumentação que tem vindo a ser seguida pelas defesas nas alegações finais do julgamento dos recursos às coimas aplicadas pela AdC pela prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013, nomeadamente com partilha de tabelas de 'spreads' a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e de volumes de produção, também o Santander questionou a opção de condenação por restrição da concorrência por objeto.
Nuno Casanova pediu mesmo ao TCRS que coloque ao Tribunal de Justiça da União Europeia se o que está em causa é ou não uma restrição por efeito, para não correr o risco de proferir uma decisão "que vai andar a correr meio mundo como erro crasso de interpretação", salientando que, em casos similares, a AdC concluiu pela não aplicação de coimas, não se percebendo porque aplicou aqui "a maior coima de sempre" em Portugal.
Afirmando não existir nenhum caso na União Europeia de condenação por trocas de informação como as visadas neste processo, o mandatário frisou que o conhecimento dos preços praticados pelos concorrentes faz parte da concorrência, não tendo nada a ver com redução da incerteza estratégica, como AdC quis fazer crer.
"Este caso não tem razão de ser do ponto de vista do direito", disse, sublinhando que a banca é "dos setores mais competitivos" do país, no que lembrou as declarações do presidente do BPI, Fernando Ulrich, que referiu ao tribunal as "guerras intestinas" na banca, contrárias a qualquer tipo de concertação.
Afirmando que o Santander entrou em Portugal "para abanar o mercado", estando hoje a disputá-lo "taco a taco" com a CGD, o advogado questionou se faria sentido falar em colusão (conluio) numa trajetória tão competitiva.
Sobre a coima aplicada ao Santander (35,65 milhões de euros), a qual o Ministério Público pediu ao tribunal para manter, atendendo aos "lucros expressivos" de 2021, o mandatário considerou que o banco não pode ser "prejudicado" por ter comprado o Banif e o Banco Popular, evitando despedimentos, e que é preciso considerar o capital investido e os prejuízos do período da pandemia, nomeadamente no crédito à habitação.
Lembrando que o contexto atual, decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia, é de risco de nova recessão e "problemas financeiros muito graves", o advogado pediu que o Tribunal "tenha em consideração que é altura de apertar os cintos e má altura para coimas milionárias que não têm ligação nenhuma com o que se passou".
O processo, em que está em causa a prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013, nomeadamente com partilha de tabelas de 'spreads' a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e de volumes de produção, teve origem num pedido de clemência apresentado em 2013 pelo Barclays.
A AdC condenou a CGD ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a CEMG em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150.000 e o Banif (que não recorreu) em mil euros.
O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou o pedido de clemência viu suspensa a coima de 8 milhões de euros que lhe foi aplicada.
As alegações finais, iniciadas no passado dia 23, concluem-se na próxima quarta-feira, com o BPI, o BES, a UCI e a CEMG.
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