Numa altura em que a Comissão Europeia ultima a sua proposta legal de reforma do mercado da eletricidade para permitir melhor acesso a energias renováveis de menor custo e preços mais estáveis a longo prazo, o Governo português defendeu, numa posição submetida ao executivo comunitário em consulta pública, que "para além do funcionamento regular do mercado, há uma necessidade de enquadrar a extrema volatilidade do mercado".
"Uma solução seria prever uma cláusula de emergência", apontou o executivo no documento de trabalho a que a Lusa teve acesso, salientando que "a prática provou que a colocação de um limite máximo nos preços de mercado provou ser eficaz", isto é, o mecanismo ibérico, que a seu ver tem tido "resultados muito positivos".
"O desenvolvimento de uma cláusula de emergência compatível com o mercado da UE, desencadeada em circunstâncias excecionais e sob um processo de decisão transparente, assegura proteção contra a extrema volatilidade do mercado, sem comprometer o funcionamento adequado - e muito necessário - do mercado em tempos regulares", insistiu Lisboa na posição submetida a Bruxelas em meados de fevereiro.
"Tal cláusula reforçaria a confiança dos intervenientes no mercado e dos consumidores", adiantou.
Questionado pela Lusa, um alto funcionário da Comissão Europeia vincou que "a medida espanhola e portuguesa para baixar os preços da eletricidade durante a crise energética foi considerada justificada pelas circunstâncias particulares do mercado grossista de eletricidade ibérico", dada a "limitada capacidade de interligação da Península Ibérica, a elevada exposição dos consumidores aos preços grossistas da eletricidade, bem como a elevada influência do gás na fixação dos preços" da luz.
Porém, "os Estados-membros da UE são muito diversos no que diz respeito aos seus 'mix' energéticos, ligações e sistemas de energia", assinalou o responsável, recordando que, numa recente análise, o executivo comunitário realçou "riscos relacionados com este tipo de medidas ao nível da UE, incluindo o de aumentar a procura de gás e aumentar a exportação de eletricidade subsidiada para países vizinhos não pertencentes à UE", como Reino Unido ou Suíça.
Além disso, a Comissão Europeia já adotou "várias medidas que têm um impacto de facto no acoplamento dos preços do gás e da eletricidade [...] como o limite de receitas infra marginal que visa lucros excessivos da produção de energia e redireciona as receitas para os utilizadores finais que são geradas quando o sinal do preço do gás cria preços elevados no mercado da eletricidade", lembrou ainda o alto funcionário da instituição, falando num "instrumento concebido para ajudar os consumidores de energia sem criar os sinais errados sobre a procura de gás".
Em janeiro deste ano, a Comissão Europeia lançou uma consulta pública, entretanto concluída, sobre a reforma da conceção do mercado de eletricidade da UE, que visa melhor proteger os consumidores da excessiva volatilidade dos preços, facilitar o seu acesso a energia segura proveniente de fontes limpas e tornar o mercado mais resiliente.
Bruxelas deve apresentar a sua proposta sobre a matéria em meados de março.
Na atual configuração do mercado europeu, o gás determina o preço global da eletricidade quando é utilizado, uma vez que todos os produtores recebem o mesmo preço pelo mesmo produto --- a eletricidade --- quando este entra na rede.
Na UE, tem havido consenso de que este atual modelo de fixação de preços marginais é o mais eficiente, mas a acentuada crise energética, exacerbada pela guerra da Ucrânia, tem motivado discussão.
Uma vez que a UE tem vindo a depender das importações de combustíveis fósseis, nomeadamente do gás da Rússia, o atual contexto geopolítico levou a preços voláteis na eletricidade.
Desde meados de maio passado, está em vigor um mecanismo temporário para limitar o preço de gás na produção de eletricidade na Península Ibérica até final de maio de 2023.
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