"É um choque a seguir a outro choque, mas este ano a região é especialmente atingida, há uma conjugação especial de fatores que resultam numa crise de acesso ao financiamento", disse Luc Eyraud em entrevista à agência Lusa, no dia em que é lançado o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a África subsaariana.
"Há um aumento dos custos dos empréstimos para todos os países da região, especialmente nos mercados internacionais; os spreads, que são os custos de empréstimo nos mercados internacionais, são mais do dobro desde 2021 e são muito maiores do que em outras regiões do mundo, incluindo outras regiões emergentes e em desenvolvimento", apontou o economista.
Devido aos custos elevados, nenhum país da região conseguiu aceder aos mercados internacionais desde maio do ano passado e houve grandes depreciações das moedas nacionais face ao dólares, o que aumenta o custo da dívida externa e, por isso, vinca Luc Eyraud, "todos estes fatores combinados criam aquilo a que chamamos de 'aperto no financiamento'", que é também o título do relatório deste ano do FMI sobre a região.
Um dos maiores desafios das economias da África subsaariana é a dificuldade de acesso a financiamento que possa ajudar a recuperar o crescimento económico e lançar iniciativas de combate ou mitigação das alterações climáticas, a que se junta o aumento das taxas de juro a nível global, com impacto num dos principais indicadores económicos que é seguido pelo FMI e pelos investidores e credores internacionais quando escolhem o destino de investimento nos mercados emergentes.
"O rácio que olhamos aqui no FMI, o rácio dos juros sobre as receitas, duplicou na última década, agora estão numa situação muito pior e a razão é a inflação global e o aperto global das taxas de juro, o que torna o nível de endividamento um dos maiores desafios para a região", diz o economista.
Outra das prioridades que os governos da região têm de implementar é o combate à inflação, que deverá ficar à volta de 10% este ano na África subsaariana, e metade dos países na região têm taxas de dois dígitos.
"A maior preocupação na região é que a inflação vem sobretudo da alimentação, numa região onde os alimentos representam mais de um terço do cabaz de consumo, e isto tem uma implicação muito grande para a pobreza e para a segurança alimentar; prevemos que 132 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar, gravemente inseguras na região, neste momento, portanto, esta é também uma prioridade política importante", vinca Luc Eyraud.
O FMI defende que os países da África subsaariana devem melhorar a gestão financeira, conter a inflação, permitir ajustamentos cambiais e garantir que as alterações climáticas não afastam verbas das despesas básicas.
No relatório sobre a região, divulgado hoje no âmbito dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, que decorrem esta semana em Washington, o Fundo elenca quatro prioridades para os governos africanos tentarem ultrapassar os desequilíbrios macroeconómicos num contexto de limitações no financiamento.
"Consolidar as finanças públicas e fortalecer a gestão financeira pública num contexto de difíceis condições de financiamento vai depender de uma contínua mobilização dos recursos, melhor gestão dos riscos orçamentais e uma gestão a dívida que tem de ser mais proativa", escrevem os peritos do Fundo no relatório, que prevê um crescimento de 3,6% para a África subsaariana este ano e 4,2% em 2024, e que tem como título 'O Grande Aperto no Financiamento'.
A segunda das quatro prioridades tem a ver com a inflação, que subiu para 105 no ano passado e deverá abrandar para cerca de metade este ano: "A política monetária tem de ser cautelosamente dirigida até a inflação estar firmemente numa trajetória descendente e em linha com as metas do banco central", lê-se no relatório.
Permitir a flutuação da taxa de câmbio, e ao mesmo tempo mitigar os efeitos adversos na economia, "incluindo o aumento da inflação e da dívida devido a depreciações na moeda" é a terceira tarefa prioritária dos governos da África subsaariana, uma região onde o FMI tem em curso mais de 20 programas de assistência financeira, quase metade dos total dos 54 países da região.
O financiamento climático é a última das áreas prioritárias de ação, na qual o FMI defende que "as alterações climáticas e o financiamento para as combater e mitigar não devem afastar despesa das necessidades básicas", exemplificando com a saúde e a edução.
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