Continua a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP e o dia de ontem ficou marcado por duas audições que, durante longas horas, se focaram mais no Ministério das Infraestruturas do que na companhia aérea. Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba, e Eugénia Correia, chefe de gabinete do ministro, foram ouvidos sobre o incidente ocorrido nas instalações da tutela no passado mês de abril, e as versões apresentadas são muito diferentes.
Esta quinta-feira, às 17h10, é ouvido o responsável máximo, o ministro João Galamba, mas recordemos o que foi dito ontem.
As ameaças do SIS e as "injúrias" de Costa e Galamba
Comecemos por Frederico Pinheiro, que diz ter sido "ameaçado" pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), e "injuriado e difamado" pelo primeiro-ministro e por João Galamba.
Frederico Pinheiro acusou ainda a "poderosa máquina do Governo" de ter procurado criar uma "narrativa falsa sobre os factos ocorridos", relativamente à reunião preparatória com o grupo parlamentar do PS e a ex-presidente executiva da TAP, em janeiro, e o caso do computador e agressões no Ministério das Infraestruturas.
Os incidentes no Ministério e a recuperação do computador, segundo Frederico Pinheiro
Olhemos para a questão do computador, que espoletou uma série de acontecimentos polémicos que procuraram ser esclarecidos em ambas as audições.
Frederico Pinheiro negou ter roubado, furtado ou fugido com o computador adstrito pelo Ministério das Infraestruturas, rejeitando também as acusações de agressão, alegando que apenas se libertou em legítima defesa. "Sou o agredido e não o agressor", alegou, defendendo ainda que tem um "relatório médico" e que foi o próprio a chamar a polícia.
"Não roubei, furtei ou fugi com o computador que me foi adstrito pelo Ministério das Infraestruturas. Não parti o vidro com a bicicleta ou com qualquer outro objeto. Estas acusações [...] são falsas, injuriosas e difamatórias", afirmou o ex-adjunto exonerado por João Galamba.
"Não agredi ninguém, apenas me libertei em legítima defesa de quatro pessoas que me empurraram e puxaram e me tentaram tirar a mochila. Fui eu que chamei a polícia para abandonar o edifício onde me tinham sequestrado", defendeu.
Relativamente à recuperação do computador, por parte das autoridades, Frederico Pinheiro disse que o agente do SIS, responsável pela mesma, lhe disse que estava a ser "muito pressionado de cima", por existir "informação classificada no computador".
O ex-adjunto de João Galamba deu a garantia que já se tinha disponibilizado, via e-mail, para a entrega do computador. "O agente do SIS diz que se eu entregasse o computador, nunca mais ouviria falar do mesmo", referiu, provocando alguns risos na sala, acrescentando ter ficado combinado que a entrega do equipamento seria feita na rua da casa do ex-adjunto, pela meia-noite.
Frederico Pinheiro disse ainda que, "estranhamente, nunca foi preocupação do senhor ministro das Infraestruturas ou do Governo recuperar o telemóvel" de serviço, que se disponibilizou "voluntariamente para entregar".
O comunicado que acusava Frederico Pinheiro de mentir durante a CPI e as imagens de videovigilância
Ao mesmo tempo em que decorria a audição, cinco elementos do gabinete de João Galamba divulgaram um comunicado, no qual acusava Frederico Pinheiro de mentir ao parlamento e reiteraram que foram agredidas duas pessoas em 26 de abril, bem como que a videovigilância mostrará o "estado de cólera" de Frederico Pinheiro.
Mais à frente, Frederico Pinheiro reagiu à nota, assinada por Lídia Henriques, Cátia Rosas, Rita Penela, Eugénia Cabaço e Paula Lagarto, referindo que achava "indecente continuar a assistir a estes ataques pessoais e com a ameaça velada de divulgar imagens de videovigilância", admitindo que após ser "sequestrado no Ministério" o que se verá "não é uma pessoa tranquila", nomeadamente nas imagens do piso 0, as que deverão existir. Acrescentou ainda que gostaria que existissem este tipo de imagens do quarto piso do edifício.
As reuniões da ex-CEO da TAP com Galamba e com o Grupo Parlamentar do PS
Frederico Pinheiro foi questionado pelo deputado da IL Bernardo Blanco sobre as notas que dispunha de duas reuniões de janeiro, a de dia 16 com a ex-presidente executiva da TAP e o ministro das Infraestruturas, e a de dia 17 com Christine Ourmières-Widener e deputados do Grupo Parlamentar do PS.
Em resposta, sobre a primeira referiu que Christine Ourmières-Widener "alertou para o nervosismo" do antigo presidente da empresa Manuel Beja naquele momento "sobre todo o processo em curso", tendo ainda indicado que tinha dito à IGF que "tinha divergências profissionais" com a antiga administradora da TAP Alexandra Reis, cuja indemnização está na origem desta comissão de inquérito.
De acordo com o adjunto exonerado, foi pedido por João Galamba "para falar e focar a sua intervenção" na comissão parlamentar de Economia naquilo que era o plano de reestruturação e nos resultados alcançados pela empresa.
Questionado pelo deputado socialista Bruno Aragão sobre quem fez o convite para a ex-CEO da TAP participar na reunião preparatória, Frederico Pinheiro voltou a reforçar que o próprio ministro das Infraestruturas terá sido o responsável pelo mesmo.
Já sobre a reunião preparatória com deputados do Grupo Parlamentar do PS que decorreu em 17 de janeiro, Frederico Pinheiro afirmou que o deputado socialista Carlos Pereira disse as "perguntas que ia efetuar" e Christine Ourimières-Widener "mostrou as respostas que daria em relação àquelas perguntas", tendo sido ainda abordada a estratégia comunicacional.
A audição de Frederico Pinheiro terminou com este a entregar o telemóvel de serviço, para ser enviado à Polícia Judiciária, na sequência de um pedido feito pelo deputado do Chega André Ventura, para tentar recuperar mensagens apagadas no âmbito de uma intervenção que disse ter sido pedida pela chefe de gabinete.
Chefe de gabinete de Galamba foi quem "contactou" o SIRP
Seguiu-se então a audição da chefe de gabinete de João Galamba, Eugénia Correia.
A chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas disse que foi ela quem contactou o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e que não pediu "autorização" prévia a João Galamba.
Além disso, Eugénia Correia disse que recebeu um telefonema do SIS depois de ter reportado ao SIRP que tinha sido levado um computador com informação classificada por um adjunto previamente exonerado.
"No exercício das minhas funções e cumprindo as orientações que recebi, pedi uma chamada para o SIRP [Sistema de Informações da República Portuguesa]. [...] Depois de ter pedido uma chamada para o SIRP, sim, recebi uma chamada do SIS [Serviço de Informações de Segurança]", afirmou.
A responsável afirmou ainda que Frederico Pinheiro estava exonerado desde as 20h45 de 26 de abril e estava impedido de entrar no Ministério das Infraestruturas, por ordem expressa de João Galamba.
Questionada sobre o tom de João Galamba no telefonema feito a Frederico Pinheiro em que o despediu, uma vez que o ex-adjunto confirmou na sua audição que o ministro disse que se estivesse ao seu lado lhe dava dois 'socos', Eugénia Correia referiu que ouviu "o ministro a falar tranquilamente com Frederico Pinheiro", embora não tenha acompanhado a totalidade da conversa porque também estava ao telefone.
Sobre o que aconteceu, alegou: "Tendo o doutor Frederico Pinheiro levado à força um computador que não lhe pertence, [...] o que se tentou fazer foi impedir que o computador saísse do Ministério, como é lógico, quando se está perante um roubo, o que se tenta fazer é impedir que a pessoa concretize o ato", defendeu a chefe de gabinete, referindo-se à ordem dada para fechar as portas do edifício, dada por um elemento do gabinete que disse não saber quem foi, porque não perguntou.
Eugénia Correia sublinhou que, estando exonerado, uma vez que, disse, a lei dos gabinetes ministeriais determina que as exonerações, tal como as nomeações, não estão dependentes de pré-publicação de despacho, o que Frederico Pinheiro devia ter feito era solicitar a entrega dos seus bens pessoais que estivessem no Ministério.
O 'apagão' no telemóvel de serviço
Questionada porque é que o telemóvel de serviço de Frederico Pinheiro não mereceu a mesma preocupação, Eugénia Correia explicou que, segundo o diretor do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER), o telemóvel estava cancelado, o que não acontecia com os documentos que estavam no computador.
Quanto à intervenção no telemóvel de serviço de Frederico Pinheiro, para tentar recuperar comunicações trocadas com a ex-presidente executiva da TAP e que o ex-adjunto disse que levou a um 'apagão' das sua mensagens, Eugénia Correia afirmou que a intervenção foi feita com o ex-adjunto a mexer no seu telemóvel, seguindo indicações do técnico informático que estava ao seu lado.
Duas pessoas agredidas no Ministério e a câmara que não funciona
Relativamente às acusações de agressão, Eugénia Correia disse que depois de Frederico Pinheiro ter guardado o computador na mochila e de ter tentado sair do gabinete, a chefe de gabinete agarrou na mochila.
"Agarrei a mochila do doutor Frederico, nem toquei nele, agarrei na mochila. Em consequência dá-me um murro a mim, e depois a doutora Paula lagarto tentou agarrar a mochila, levou vários murros e depois a doutora Rita Penela tenta igualmente agarrar a mochila", relatou.
Segundo a chefe de gabinete foram feitos três telefonemas para o 112, um telefonema para a PSP do Bairro Alto e o ministro das Infraestruturas ligou também para a PSP.
Já sobre as câmaras de videovigilância do edifício, Eugénia Correia disse que há uma câmara no quarto piso, onde disse que ocorreram as agressões, mas não funciona.
Questionada ainda sobre um comunicado enviado à Lusa por cinco elementos do gabinete, incluindo a própria, a acusar Frederico Pinheiro de mentir na audição que ainda decorria, a chefe de gabinete começou por dizer que não tinha lido o referido comunicado e que não estava assinado por si.
Mais tarde, após uma pausa, Eugénia Correia (que prefere este nome apesar de o comunicado referir Eugénia Cabaço) disse que, quando questionada inicialmente, tinha percebido que se tratava de uma assinatura com o seu punho e não a referência ao seu nome, esclarecendo que já tinha tido oportunidade de o ler e que subscrevia "integralmente" o seu conteúdo.
As notas da reunião com a ex-CEO da TAP
Quanto às reuniões, a chefe de gabinete de João Galamba rejeitou qualquer intenção de esconder notas destes encontros, afirmando que o ministro desconhecia a sua existência até 24 de abril, contrariando a versão do ex-adjunto do ministro.
A chefe de gabinete de João Galamba assegurou que na reunião que foi realizada após a audição da ex-CEO da TAP -- na qual garante que João Galamba não esteve presente "ao contrário" do que disse Frederico Pinheiro - perguntou ao adjunto exonerado "o que tinha acontecido" nesse encontro e este respondeu que "não se lembrava" e que não havia notas.
"Quando tomei conhecimento de que afinal havia notas, solicitei a [técnica do gabinete] Cátia Rosas que as pedisse, mas que pedisse o ficheiro informático em que as mesmas foram feitas porque o ficheiro permitiria pelo menos verificar que tinham sido feitas no dia 17 de janeiro. Frederico Pinheiro não entregou o ficheiro informático, mas um papel", referiu.
A chefe de gabinete referiu-se ainda a uma mensagem enviada por Frederico Pinheiro "a dizer que sempre disse que tinha notas e que havia uma decisão de não entregar as notas à comissão de inquérito". Eugénia Correia notou que essa mensagem de Frederico Pinheiro é posterior àquela em que lhe pediu as notas, o que considerou "até irracional".
"Se esta reunião não estivesse a ser gravada, eu amanhã podia escrever um papel dizendo que tinha acontecido isto e aquilo. O conteúdo tem de ser confirmado ou infirmado, o que for, porque ninguém que esteve naquela reunião confirma que aquilo foi assim, ou desconfirma também, [...] e foi esse alerta que deixei no meu ofício, porque eu não fui perguntar a ninguém se isto tinha confirmação ou não", apontou.
Eugénia Correia reiterou que Frederico Pinheiro não foi despedido porque tinha notas, mas sim "por ter mentido com quatro testemunhas".
Galamba ouvido hoje
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, vai ser hoje ouvido, após pedido urgente, sobre a exoneração por justa causa de Christine Ourmières-Widener e a reunião preparatória de janeiro.
João Galamba já fazia parte da lista de personalidades a inquirir pela comissão de inquérito, que está a deixar para o fim os políticos, mas, face ao conhecimento público da reunião e consequente polémica sobre as notas da mesma, a audição do governante foi antecipada.
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