"A auditoria é suficientemente grave para nós a ignorarmos e continuarmos a fazer audições como se não soubéssemos que há uma auditoria que diz que é possível que todos tenhamos sido enganados. E eu digo todos: que a TAP tenha sido enganada, que o Governo do PSD tenha sido enganado, que o país tenha sido enganado", afirmou Pedro Nuno Santos, que está a ser ouvido no parlamento, na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação.
O ex-governante acrescentou que, se se confirmar a veracidade dos indícios apontados na auditoria ao negócio com a Airbus feito pelo ex-acionista privado da TAP David Neeleman, que apontam para a possibilidade de a companhia aérea estar a pagar acima do preço do mercado, tem de se "exigir que os contratos sejam revistos".
No arranque da sua intervenção, Pedro Nuno Santos assinalou o "gosto enorme" em "estar de volta ao parlamento", recordando que "foram quase seis meses durante os quais com exceção de dois comunicados" não houve mais declarações suas.
O antigo ministro assumiu que foram "meses de espera difíceis porque a vontade de reagir era muita", mas explicou que "queria esperar pela vinda ao parlamento", adiantando que os temas que suscitaram a sua saída do Governo terão que esperar mais uma semana pela sua ida à comissão de inquérito à TAP.
Pedro Nuno Santos sublinhou que, atualmente, sabe-se que a capitalização feita no âmbito da privatização concretizada pelo Governo PSD/CDS-PP, em 2015, foi feita com fundos da Airbus e que há um valor implícito à troca de encomenda de aviões (de 12 A350 que já estavam contratualizados por 53 novas aeronaves) de 440 milhões de dólares.
Segundo o ministro, que estava em funções quando o Governo enviou para o Ministério Público a auditoria pedida pela TAP e que motivou a abertura de uma investigação, "isto ajuda hoje a perceber melhor porque é que um fornecedor de aviões empresta ou dá ao comprador da empresa 224 milhões de euros", que foram usados para capitalizar a companhia aérea.
"Esses 224 milhões de euros significavam um desconto comercial pela magnitude da compra, ouvi aqui isto", apontou o ex-ministro, referindo-se à explicação dada recentemente no parlamento pelo ex-secretário de Estado das Infraestruturas do Governo PSD/CDS-PP, Sérgio Monteiro.
Se assim foi, defendeu Pedro Nuno Santos, "é evidente que o desconto comercial era da TAP, porque quem comprou foi a TAP". "Quem paga a máquina, quem paga o equipamento, o avião é quem, obviamente, recebe o desconto", realçou.
Já sobre o tema das cartas de conforto à banca, autorizadas pelo Governo PSD/CDS-PP, que permitiram concluir a privatização em 2015, Pedro Nuno Santos defendeu que elas tinham como consequência o compromisso do Estado de assumir as dívidas da companhia aérea, não só as subjacentes aos empréstimos que elas permitiram, mas também a dívida futura.
"A venda que foi feita significava que, se o negócio corresse bem, a mais valia gerada era do privado, se corresse mal, o Estado pagava. Para o bem a empresa era do privado, para o mal a empresa era do Estado", reiterou o ex-governante.
Desta forma, Pedro Nuno Santos apontou que o que aconteceria "inevitavelmente" em 2020 era o incumprimento do pagamento de 121 milhões de euros à banca que ainda estavam ao abrigo daquelas cartas de conforto, devido às dificuldades causadas pela pandemia, e, assim, a companhia aérea "tornar-se-ia pública por imposição do acordo feito em 2015".
"Esta é a primeira dimensão de um negócio que lesou o interesse público", acusou Pedro Nuno Santos.
Já quanto ao ex-secretário de Estado Miguel Pinto Luz (PSD), um dos que assinou do despacho de autorização das cartas de conforto, o ex-ministro não considerou que ele tenha "conscientemente mentido" em audição no parlamento e aconselhou "cautela" na forma como se aprecia "o outro".
Segundo comunicado de Miguel Pinto Luz da semana passada, o "direito potestativo é o mecanismo de controlo" que criaram "para permitir que o Estado retomasse a propriedade da TAP", que teria "prevenido a necessidade de indemnizar David Neeleman em 55 milhões de euros como veio a acontecer".
"Este mecanismo garantia que o estado recompraria a TAP sempre em melhores condições do que as do momento da privatização. Também não leu o despacho que assinei com a minha colega do Tesouro, Isabel Castelo Branco. Aquele em que autorizava a Parpública a comunicar e explicar aos bancos esse mesmo direito potestativo. Se tivesse lido não insistia em chamar-lhe 'carta conforto'", criticou.
Pedro Nuno Santos considerou hoje que aquelas cartas são "a matriz" da privatização e não apenas um detalhe.
"São o que permitiu que aquele mau negócio pudesse ser feito", sublinhou.
[Notícia atualizada às 12h06]
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