A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou uma coima de quase 14 milhões de euros ao grupo SIBS por abuso de posição dominante no setor dos serviços de pagamento, sendo que a SIBS já anunciou que vai contestar, apontando que o processo "não tem qualquer fundamento".
Afinal, o que está em causa?
A AdC divulgou um conjunto de perguntas e respostas que ajudam a perceber melhor o caso. Fique a par:
- Que serviços disponibiliza o Grupo SIBS? - "O Grupo SIBS está presente nos diferentes níveis da cadeia de valor do ecossistema de pagamentos em Portugal, sendo que os seus serviços incluem:
Scheme MB: Um sistema de pagamento que permite a aceitação de compras em TPA físico, bem como a emissão de cartões que permitam a realização desses pagamentos.
Rede MULTIBANCO: Esta permite um conjunto de pagamentos, como pagamentos de serviços e pagamentos ao Estado, bem como a realização de várias outras operações, que incluem o levantamento de numerário, consultas de saldo e transferências entre contas.
MB WAY: Uma aplicação móvel (app) que permite aos utilizadores efetuar pagamentos em TPA físico sob o scheme MB, bem como transferências e outras operações financeiras através do telemóvel, sem necessidade de utilizar o cartão físico.
Serviços de processamento: Estes viabilizam a concretização de transações ao abrigo dos sistemas de pagamento.
O Grupo SIBS foi também designado pelo Banco de Portugal como entidade responsável por receber e processar as operações necessárias à compensação e liquidação financeira de um dos subsistemas do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI)"; - Quais os sistemas de pagamento do Grupo SIBS abrangidos pela prática? - "A prática abrange, do lado da emissão, as operações de pagamento presenciais ao abrigo do scheme MB, efetuados com cartões MB ou com a app MB WAY, bem como operações de pagamento à distância disponibilizadas na rede MULTIBANCO, incluindo as operações de pagamentos de serviços (i.e. referências MULTIBANCO) e de pagamentos ao Estado. Do lado da aceitação, a prática abrange as operações de pagamento presenciais ao abrigo do scheme doméstico (MB e MB WAY).
De acordo com a investigação da AdC, o Grupo SIBS abusou da sua posição dominante nos mercados relativos aos sistemas de pagamento, ao condicionar o acesso a estes sistemas à obrigação de contratar também os seus serviços de processamento. Assim, no âmbito deste processo são definidos mercados distintos para o acesso aos sistemas de pagamento e para o processamento das operações de pagamento, nas vertentes de emissão e de aceitação"; - O que são sistemas de pagamento com cartões e serviços de processamento? Qual a relação entre ambos? - "Um sistema de pagamento com cartões consiste num conjunto de regras, práticas, normas e/ou diretrizes para a execução de operações de pagamento neste sistema (cf. alínea 16 do artigo 2.º do Regulamento (UE) 2015/751 ou IFR). Por sua vez, o processamento de uma operação de pagamento é o mecanismo que permite a respetiva concretização.
Para que uma transação ou compra com um cartão de pagamento de um determinado sistema de pagamento seja bem-sucedida, os detalhes do cartão têm de ser verificados e autorizados. Os serviços de processamento viabilizam essa concretização. Imagine que um consumidor quer fazer uma compra num comerciante numa loja física através de um cartão de pagamento em TPA físico. (...)
Caso a transação não seja autorizada, o emitente informa o sistema de pagamento e o adquirente, através dos serviços de processamento, e a transação é cancelada.
Assim, os serviços de processamento incluem serviços de processamento de aceitação, que viabilizam o encaminhamento dos pagamentos na rede para o processador de emissão e a autorização da transação no TPA, e serviços de processamento de emissão, que incluem a gestão a nível técnico e financeiro dos pedidos de autorização, a manutenção de listas de bloqueio locais e internacionais, a verificação dos limites dos cartões, a gestão de contas e cartões, a geração de extratos do titular do cartão e faturação.
Os sistemas de pagamento com cartões e os serviços de processamento constituem serviços distintos que devem ser disponibilizados por entidades independentes, ao abrigo do artigo 7.º do IFR"; - Qual a duração da prática? - "A prática teve uma duração de, aproximadamente, 3 anos, tendo-se mantido, de acordo com os elementos de prova constantes do processo, até, pelo menos, final de 2021. Sem prejuízo, a AdC decidiu impor às visadas que se abstivessem de adotar comportamentos cujo efeito fosse equivalente àquele descrito e sancionado na decisão adotada neste processo";
- Qual o impacto da prática nos concorrentes e clientes do Grupo SIBS? - "A prática teve impacto a dois níveis: Primeiro, limitou a entrada e expansão de processadores alternativos à SIBS FPS uma vez que, para aceder aos sistemas de pagamento do Grupo SIBS, os adquirentes e emitentes de cartões teriam de passar a processar as suas transações com este grupo. Tal restringiu a possibilidade destas entidades optarem por processadores alternativos capazes de oferecer um serviço mais adequado às suas necessidades, a nível do preço ou de funcionalidades. Alguns adquirentes têm, inclusive, capacidade de processar as suas próprias transações, não podendo fazê-lo se aceitarem pagamentos ao abrigo dos sistemas do Grupo SIBS. Segundo, a conduta limitou a capacidade de diferenciação e de inovação dos adquirentes e emitentes, com impacto negativo nos serviços que oferecem a comerciantes e consumidores";
- Como foi detetada esta prática? - "No contexto de um procedimento de supervisão e acompanhamento do setor financeiro, em particular, na sequência de um inquérito dirigido a um conjunto de empresas do setor financeiro baseadas em tecnologias digitais (fintech), a Autoridade tomou conhecimento de um conjunto de elementos fornecidos por clientes/potenciais clientes do Grupo SIBS que indiciavam a ocorrência de práticas restritivas da concorrência, designadamente de um eventual abuso de posição dominante";
- Que interações teve a AdC com o regulador sectorial, o Banco de Portugal? - "No âmbito de uma estreita cooperação, os momentos de articulação e colaboração entre a AdC e o Banco de Portugal (BdP) ocorreram, neste processo, regularmente, de forma periódica e em sentido coerente e complementar.
Neste contexto, a AdC deu conhecimento ao BdP da adoção da decisão de abertura de inquérito que deu origem ao atual processo, solicitando-lhe que se pronunciasse sobre a factualidade em causa, tendo o BdP submetido a sua pronúncia e apresentado esclarecimentos relevantes no que respeita à sua atuação no setor. De igual modo, a AdC comunicou o projeto de decisão final ao BdP, que se pronunciou apresentando informação relevante, permitindo a conclusão do processo"; - Que tipo de atuação pode ter a AdC ao detetar práticas anticoncorrenciais? - "A AdC tem poderes sancionatórios das infrações à Lei da Concorrência e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) essencialmente no que diz respeito a dois tipos de práticas correspondentes aos artigos 101.º e 102.º: as concertações entre empresas e os abusos de posição dominante, como é o presente caso.
A deteção de práticas lesivas da concorrência pode ser alcançada através de denúncia ou por iniciativa própria da AdC perante indícios num determinado mercado. Para tal, contribuem essencialmente os estudos económicos que podem ter como resultado recomendações dirigidas ao Governo ou a outros responsáveis públicos no sentido de repor as condições de concorrência num determinado mercado.
A concorrência nos mercados é ainda garantida por limitações às aquisições de empresas, de modo a impedir a criação de monopólios ou a criação de empresas com excessivo poder de mercado, o que é feito através da análise às operações de concentração notificáveis à AdC ao abrigo da Lei da Concorrência".
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