A auditoria do Tribunal de Contas (TdC) para apuramento de responsabilidade financeira teve origem numa denúncia sobre alegadas irregularidades do município de Tomar no apoio ao seu corpo bombeiros e no relatório de auditoria ao financiamento dos municípios aos corpos e associações de bombeiros, entre os quais Tomar, que "pagou compensações aos bombeiros sem que existisse quadro legal que o permitisse".
De acordo com as conclusões da auditoria, a que a Lusa teve acesso, entre 2015 e 2018, a "autarquia atribuiu subsídios com uma regularidade quase mensal, a associações relacionadas com os bombeiros", subsídios "frequentemente contestados nas reuniões do executivo em que foram apreciados, tendo na maior parte das situações sido aprovados por maioria e não por unanimidade".
"Com exceção de quatro casos, as propostas foram da autoria da presidente da autarquia, a qual usou o seu voto de qualidade sempre que se verificou empate nas votações", acrescentam os juízes conselheiros, considerando que as deliberações "não respeitaram os requisitos da fundamentação dos atos administrativos" e norma de controlo interno "ao se fundamentarem num conceito vago e indeterminado".
Segundo dados do município, a câmara transferiu para "associações relacionadas com bombeiros" 1,9 milhões de euros (em 2015), 2,1 milhões (2016), 2,7 milhões (2017), e 1,8 milhões (2018), num total de 8,723 milhões de euros, e o apuramento dos montantes transferidos "era efetuado mensalmente pelos responsáveis dos Bombeiros Municipais de Tomar, com base na aplicação utilizada na sua gestão operacional e administrativa", não tendo "qualquer validação por parte dos restantes serviços e responsáveis do município".
Apesar de dispor de um regulamento interno de atribuição de apoios ao associativismo, os subsídios "foram atribuídos fora do seu âmbito de aplicação, não foram subordinados à celebração de contratos-programa, nem há evidências de que tenha sido efetuado o seu acompanhamento", notou o TdC, alertando que o regulamento, aprovado apenas no executivo, "deveria ter sido aprovado pela assembleia municipal e publicado no Diário da República".
"Através dos subsídios atribuídos àquelas entidades, foram efetuados pagamentos aos bombeiros pelos serviços prestados", conforme informaram alguns alegantes, no âmbito do exercício do contraditório, confirmando-se, assim, "que os subsídios não foram atribuídos para apoio às atividades estatutárias, ao contrário dos fundamentos apresentados nas deliberações que os aprovaram", lê-se no relatório.
Após o contraditório, os juízes entenderam relevar a responsabilidade financeira a três vereadores sem pelouros que votaram favoravelmente a atribuição de subsídios, "face ao contexto de uma prática reiterada, ao longo dos anos, que criou a convicção de normalidade, e que foi determinante para a sua atuação".
"Os factos apurados na auditoria indiciam que, ao longo de vários anos, houve uma prática reiterada de atribuição de apoios às entidades relacionadas com o corpo de bombeiros de Tomar, numa política aceite pela maioria dos membros dos executivos camarários. Se tal circunstância poderia criar a sensação de normalidade e a ausência de consciência da eventual irregularidade dos atos praticados, as mesmas seriam de questionar, face à existência de votos contra, com declarações de vencido, em grande número das deliberações", avaliou o TdC.
A autarquia transferiu para uma entidade 58.800 euros em 2015, 67.700 em 2016, 97.203 em 2017 e 80.000 em 2018, mas apenas os montantes nos últimos dois anos foram considerados para responsabilidade financeira, por se revelarem "sem enquadramento legal e para finalidade diferente da prevista", e nos valores de 2015 e 2016 ter prescrito a responsabilização.
Os autarcas visados na decisão do TdC são a ex-presidente da câmara Anabela Freitas (PS), o ex-vice e atual presidente, Hugo Cristóvão (PS), o ex-vereador Bruno Domingos Graça (CDU), os atuais vereadores Hélder Henriques e Filipa Fernandes (PS) e a ex-vereadora Célia Azevedo Bonet (PSD).
A autarquia, no âmbito das suas competências de proteção civil, deve prestar apoio logístico no domínio do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais, que inclui o fornecimento de alimentação (pequeno-almoço, almoço, jantar e reforço a meio da noite), comparticipada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).
Mas, para o TdC, "os elementos disponíveis não permitem confirmar a denúncia" da eventual acumulação do pagamento de subsídios de refeição com o fornecimento gratuito de refeições aos bombeiros municipais.
Os juízes também analisaram que "os pagamentos a título de trabalho por turnos e trabalho extraordinário aos bombeiros municipais de Tomar, no montante global de 80.505,35 euros", entre 2015 e 2017, "pareciam carecer de lei permissiva, sendo consequentemente ilegais", mas o Decreto-Lei 111/2023 clarificou "a admissibilidade da atribuição de suplementos remuneratórios pela prestação de trabalho suplementar e de trabalho por turnos".
Como o corpo de bombeiros de Tomar integra bombeiros profissionais e voluntários, a norma interpretativa permite "afastar a eventual ilicitude subjacente aos pagamentos efetuados aos bombeiros profissionais" que integraram as equipas de combate a incêndios.
De acordo com o TdC, o projeto de relatório foi enviado ao Ministério Público, que manifestou "concordância com a conclusão", reservando uma análise posterior mais aprofundada, e a Câmara de Tomar terá de pagar 10.947 euros de emolumentos.
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