A Inspeção-Geral das Finanças (IGF) divulgou, esta terça-feira, o seu relatório sobre a privatização da TAP em 2015, concluindo que há suspeitas de crime no processo.
A revelação espoletou polémica em torno do caso, gerando fortes críticas na direção do atual ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, que era secretário de Estado quando aconteceu a privatização.
O ministro garantiu que "não há fragilidade política nenhuma" e o Governo prossegue "com serenidade, recato" e com "transparência total".
O que está em causa?
A IGF concluiu, entre outros assuntos, que a TAP terá sido comprada, na altura, recorrendo a garantias da própria companhia aérea. O negócio de compra por David Neeleman foi financiado com um empréstimo de 226 milhões de dólares, feito pela Airbus, em troca da compra pela companhia aérea de 53 aviões à construtora aeronáutica europeia.
Desta forma, a garantia foi dada pela própria companhia aérea, ficando obrigada a pagar o valor emprestado a Neeleman, se o empresário não comprasse os aviões.
O esquema permitiu contornar o Código das Sociedades Comerciais, que impede a cedência de empréstimos ou fundos a um terceiro para que este adquira ações próprias.
O Governo já enviou o relatório da IGF sobre a TAP ao Ministério Público e à Assembleia da República após o ter recebido na semana passada, disse também hoje o governante.
Audição parlamentar a Pinto Luz e de Maria Luís Albuquerque?
Uma das suas mais ferozes críticas tem sido a coordenadora do Bloco de Esquerda - partido que impulsionou uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso -, Mariana Mortágua. "Quando um privado assalta uma empresa pública, como [David] Neeleman fez à TAP, esse privado está a assaltar o país", considerou, apelidando Pinto Luz e a antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque de "cúmplices".
Na mesma onda, Mortágua acusou o ministro das Infraestruturas de se "esconder atrás do primeiro-ministro", desafiando Luís Montenegro a expressar-se e tomar uma atitude sobre este "ativo tóxico do Governo". Pediu, também, uma audição parlamentar de Pinto Luz e de Maria Luís Albuquerque.
Ao coro juntou-se a líder parlamentar do Partido Socialista (PS), Alexandra Leitão, que desafiou o primeiro-ministro a esclarecer se mantém a confiança política em Pinto Luz para dirigir o dossiê da TAP. "Com urgência, é preciso que Luís Montenegro venha dizer se Miguel Pinto Luz pode continuar a dirigir um processo semelhante a um anterior em que se revelou que não houve transparência e está em envolto em suspeitas", disse.
Já o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, apontou o dedo a outro "cúmplice": Montenegro. "É cúmplice porque quando nomeou Miguel Pinto Luz sabia quem é que estava a nomear, e isso é de uma extrema gravidade e nós não podemos deixar passar isso sem claro", argumentou, acusando o primeiro-ministro de se ter posto "a jeito".
Pelo Partido Comunista (PCP), a líder parlamentar, Paula Santos, argumentou que "é preciso tirar consequências, e desde logo consequências políticas" deste caso. Já a porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Inês Sousa Real, disse que o ministro das Infraestruturas não tem "idoneidade para continuar à frente o negócio da reprivatização" da companhia aérea.
Do lado do PSD, o deputado Gonçalo Lage reagiu à divulgação do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e lamentou que exista uma "precipitação grande" dos partidos em comentar "um relatório que ainda não é do conhecimento dos deputados". Anunciou ainda que o partido já entregou um requerimento ao responsável pelo relatório "para que possa prestar todos os esclarecimentos na Assembleia da República".
Contrato "simulado" e salário do antigo presidente
Para além da suspeita de que a TAP terá sido comprada com garantias da própria empresa, o relatório da IGF também chegou a outras conclusões polémicas, acreditando a entidade que as remunerações dos gestores da TAP, no período em que foi parcialmente privatizada, foram pagas recorrendo a um contrato de prestação de serviços "simulado", permitindo que se eximissem a responsabilidades fiscais.
David Pedrosa recebeu, entre 2015 e 2020, entre remuneração fixa, prémios e outros itens, mais de 2,6 milhões de euros. Humberto Pedrosa recebeu 436,8 mil euros, um valor igual ao de David Neeleman.
Já o antigo presidente da TAP Fernando Pinto recebeu, entre 2007 e 2020, mais de 8,5 milhões de euros, entre remunerações, prémios e pela prestação de serviços, incluindo 175 dias de férias não gozadas, segundo a IGF.
A mesma entidade identificou contratos de prestação de serviços na TAP, avaliados em 11,7 milhões de euros, onde existem "dúvidas" quanto ao beneficiário efetivo.
"Relativamente aos contratos analisados, com exceção dos serviços de consultoria prestados pelas empresas Seabury Aviation Consulting, LLC e KPMG, no valor 11,7 milhões de euros, em que subsistem dúvidas quanto ao efetivo beneficiário dos mesmos, os restantes serviços de consultoria analisados evidenciam terem sido prestados ao Grupo TAP", lê-se no documento, citado pela agência Lusa.
[Notícia atualizada às 16h20]
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