Em audição hoje na Comissão de Orçamento e Finanças, Miguel Martín foi várias vezes questionado sobre a recompra de dívida pública que permitiu que, no final de 2023, o rácio de dívida pública tenha ficado em 99,1% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo da linha simbólica dos 100%.
O gestor afirmou que no último trimestre do ano passado houve um excedente orçamental de 5.000 milhões de euros, que se somou às transferências que chegaram de Bruxelas, o que levou o IGCP a ficar com uma "quantidade substancial de dinheiro". Foi aí, explicou, que o IGCP cumpriu o seu mandato e investiu parte das disponibilidades na redução da dívida pública.
"Por respeito àquilo que é o objetivo de caixa de final do ano e do que decorre da Lei de Enquadramento Orçamental [de redução da dívida pública] estas disponibilidades têm de ser dirigidas para a redução na dívida pública. Atendendo a este volume extraordinário de verbas entradas no IGCP, usamos os excedentes de tesouraria para fazer operações de recompra quer em mercado quer em operações bilaterais, comprando carteira de dívida que tinham seguradoras e bancos", disse o gestor em respostas a perguntas dos deputados.
Sobre as operações do fundo da Segurança Social, afirmou que este é "um participante importante no mercado privado da dívida portuguesa" e que a informação que tem é que a Segurança Social cumpre integralmente a portaria de 2009 que indica que 50% da sua carteira deve ser afeta à dívida pública.
Quanto aos dividendos extraordinários pagos por empresas públicas, designadamente pela Águas de Portugal, Miguel Martín disse que aí o IGCP não intervém mas que conhece os fluxos financeiros entre as contas dos seus clientes.
"Daquilo que veio a público estamos a falar de qualquer coisa na casa de 100 milhões de euros, num universo de 300 mil milhões de euros [de dívida] não tem expressão", afirmou.
Mais à frente na audição, o gestor foi mesmo mais direto sobre o caso da Águas de Portugal (AdP), tendo recordado que foi administrador financeiro das empresa para considerar que o valor pago em dividendos é comportável.
"Fui CFO [administrador financeiro] da AdP durante três anos, conheço muito bem a capacidade financeira em gerar meios, conheço perfeitamente o seu EBITDA, o seu nível de endividamento e de investimento. O que posso dizer é que o seu nível de dividendos anunciados não pesa, de facto, na empresa, a empresa tem capacidade financeira e margem suficiente para pagar estes dividendos", disse.
Já questionado sobre relatório de abril da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que considerou que a redução da dívida pública no ano passado foi "artificial" e que há casos em que as opções de gestão financeira foram condicionadas por orientações do governo passado, Miguel Martín não quis comentar diretamente.
"Não me cabe comentar o relatório da UTAO", afirmou, considerando que no caso de transferências da Segurança Social tal resultou de 2023 ter sido "um ano excecional nos fluxos financeiros transferidos para o fundo da Segurança Social".
A redução da dívida pública no ano passado tem levado a discussão política entre PS e PSD e CDS-PP, que acusam a redução de artificial usando fundos da Segurança Social e dividendos de empresas públicas.
Ouvido em maio no parlamento, o ex-ministro das Finanças e atual deputado do PS Fernando Medina afirmou que "não houve nenhuma orientação política" para os fundos da Segurança Social serem aplicados em dívida pública e reputou de "falsa" a conclusão da UTAO.
Salientando que o relatório da UTAO tem um "erro" que reputou de "muito grave", Medina notou que, em 31 de dezembro de 2022, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) tinha 54% do seu fundo aplicado em títulos de dívida pública, uma percentagem semelhante à registada no dia 31 de dezembro de 2023, que era de 54,5%.
Fernando Medina explicou que o valor nominal aplicado em dívida aumentou porque a lei obriga que os excedentes do sistema previdencial sejam canalizados para o FEFSS, notando que nos últimos anos "os saldos do sistema foram crescentemente elevados".
Quanto ao dividendo pago pela AdP, o ex-presidente do grupo José Furtado rejeitou em julho ter cedido a pressões de Fernando Medina para a distribuição de dividendos ao Estado, com o objetivo de reduzir da dívida de 2023.
Numa audição no parlamento, o gestor reconheceu que houve "de facto uma tensão" nesta questão, entre acionista (Estado) e gestão, mas assegurou que a administração do grupo "não se deixou pressionar".
"Não considero que cedi a pressões, não cedi a pressão nenhuma", assegurou.
Ainda em audições sobre o mesmo tema no parlamento, o presidente da NAV Portugal, Pedro Ângelo, disse que as Finanças pediram à emoresa uma distribuição extraordinária de resultados de 50 milhões de euros, mas que a empresa apenas deu 20 milhões, enquanto o presidente da Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), Dora Moita, disse que foram pedidos 20 milhões e foram transferidos 10 milhões de euros.
Dora Moita considerou que não existiu ingerência política, pois é um direito do acionista pedir dividendos e "cabe à gestão da empresa saber se o montante está ajustado à estratégia para curto, médio e longo prazo".
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