Hoje, dia 31 de dezembro, dizemos ‘adeus’ a 2017. Um ano marcado negativamente pelos incêndios, mas também por vitórias na Europa, com a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, com duas agências de rating a tirarem o país do nível ‘lixo’, com o desemprego a descer sucessivamente, os juros da dívida a atingirem níveis históricos, e com um crescimento na ordem dos 2,6%.
Os resultados económico-financeiros foram, claramente, acima das expetativas das instituições internacionais e do próprio Governo. E para fechar o ano com ‘chave de ouro’, Mário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo, contando com o o apoio dos maiores Estados-membros: Alemanha, França, Espanha e Itália, e o Governo viu aprovado o terceiro Orçamento da ‘Geringonça’.
“Hoje já não discutimos mais défices excessivos, já não discutimos mais sanções. A escolha de Mário Centeno significa o reconhecimento da credibilidade internacional de Portugal, numa área tão sensível por onde passámos com tantos e tantos sacrifícios”. Esta foi a afirmação do primeiro-ministro, António Costa, após a eleição do seu ministro, e traduz o espírito reinante em 2017: “Portugal conseguiu progressos impressionantes”, disse até o ex-ministro alemão, Wolfgang Schäuble, em junho.
2017 prova que aposta de António Costa em Mário Centeno continua a 'dar cartas'© Reuters
E a verdade é que, segundo a generalidade das previsões, o país deverá fechar o ano com um défice de 1,4% - abaixo do limite de 3% do pacto de estabilidade europeu e dos 2% de 2016 -, com um crescimento económico na ordem dos 2,6%, e um desemprego a cair até aos 8,5% verificados no terceiro trimestre.
Os juros da dívida portuguesa a 10 anos (o valor de referência) caíram para níveis históricos mínimos desde a adesão de Portugal à moeda única, de menos de 2%, o que tem conferido alguma margem de segurança na gestão de uma dívida pública ainda elevada, na ordem dos 129% do Produto Interno Bruto (PIB). No segundo semestre, a agência de notação financeira Standard & Poor's juntou-se à DBRS colocando a dívida de Portugal num nível de investimento fora do ‘lixo’.
Em simultâneo, o Governo ultrapassou os problemas na Banca. No arranque do ano com a injeção de cerca de 3,9 mil milhões de euros na Caixa Geral de Depósitos (CGD) e, mais recentemente, com a aquisição de 75% do Novo Banco pelo fundo norte-americano Lone Star, que se comprometeu a injetar mil milhões de euros nesta instituição financeira resultante da falência do Banco Espírito Santo (BES).
Mas se medidas teoricamente tendentes a um aumento da despesa e a uma redução da receita fiscal, como a eliminação faseada da sobretaxa de IRS ou o aumento da generalidade das pensões, ‘animaram’ os portugueses, no final do ano, o descongelamento das carreiras da Administração Pública, incluído na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2018, provocou reivindicações, nomeadamente de classes profissionais como professores, militares, polícias e juízes. Será que se avizinha uma inversão do clima de relativa paz social a que temos assistido?
CGTP lamenta "lacunas" e "normas gravosas", CIP dificuldade no acesso ao "crédito"
Convidado a destacar momentos positivos e negativos do ano, o secretário-geral da CGTP não tem dúvidas em elencar três factos para cada categoria. Desde logo, “a continuação da reposição de rendimentos, ainda que de forma limitada”, em segundo lugar, “a rejeição da TSU como contrapartida oferecida às entidades patronais para promoverem o aumento do salário mínimo nacional (SMN)”, e por último, mas não menos importante, “a resistência dos trabalhadores e, sobretudo, a luta desenvolvida ao longo do ano, (…), que não só travaram algumas medidas em marcha, como chamaram a atenção para situações como as da Altice, dos CTT, da Autoeuropa, da Adminsitração Pública, dos professores”.
No que aos factos negativos diz respeito, o líder da central sindical considera que o OE2018 “continua a ter lacunas em relação a despesa supérflua”, mas representativa de “valores muito consideráveis que o Estado está a pagar”, como é o caso das PPP (Parcerias Público Privadas), os Swaps, os juros da dívida, e com a obsessão da redução do défice”. Todos estes aspetos, sublinhou, acabaram por ter “consequências negativas quer para os trabalhadores, quer para a própria prestação do serviço público”.
Em segundo lugar, Arménio Carlos lamenta não ter havido “nenhuma revogação das normas gravosas da legislação do trabalho - responsáveis pelas desigualdades e pobreza laboral”, sublinhando que “muda o Governo mas mantém-se a legislação laboral quer da troika, quer da política da Direita, com todas as consequências que isso tem para os trabalhadores”.
A par destes dois aspetos, o sindicalista refere “o défice elevadíssimo no que respeita à efetivação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores nos locais de trabalho”, denunciando a “opressão, intimidação, assédio, condicionamento ao direito de negociação”, que, diz, se mantiveram este ano “nos locais de trabalho”.
Aumento do SMN foi um dos temas debatidos este ano em sede de Concertação Social© Global Imagens
Mais conciso na análise ao balanço do ano que hoje termina, António Saraiva, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), destaca como aspetos positivos “os indicadores macroeconómicos”, a “queda do desemprego, que todos devemos aplaudir”, “o crescimento económico”, “a saída de Portugal do PDE”, e a “alteração de rating decidida por duas agências, que nos permite ir aos mercados com melhores condições”.
Já sobre o que de negativo 2017 teve ou trouxe, o ‘patrão dos patrões’ contesta a “persistência de uma enorme dificuldade de financiamento à economia, depois de uma enorme desalavancagem que foi feita por parte da Banca ao retirar da economia os 23 mil milhões de euros”, e a consequente “dificuldade de acesso a crédito pela generalidade das Pequenas e Médias Empresas (PME) portuguesas”.
"Correu muito melhor do que nós merecemos, do que aquilo que fizemos", resume o professor catedrático João Duque, alertando que "a economia portuguesa está a crescer internamente 1,1% ao ano, mas no cômputo geral estamos a crescer em termos reais 2,6%". Qual é a diferença? "O crescimento externo, a procura externa, porque as importações têm sido mais absorvidas pelo consumo interno do que pelas exportações", explica, vincando, aliás, que "o Governo não tem nada a ver com essa procura externa". A verdade é que, prossegue, "se estivéssemos a crescer com a procura interna, ou seja com as medidas que estão a ser tomadas pelo Governo para dinamizar essa procura, estávamos num buraco seríssimo".
Ainda assim, João Duque destaca como uma medida acertada, a "amortização da dívida". "Felizmente aí, o ministro das Finanças não liga ao que diz o Bloco e o PCP", apesar disso, avisa, está a "aumentar mais a receita fiscal do que o rendimento que dá às pessoas, isso significa uma coisa: estão a tirar mais do bolso do que a dar".
Centeno no Eurogrupo, será mesmo a chegada do ‘CR7’ da moeda única?
Confrontado com a eleição do ministro das Finanças para a liderança do Eurogrupo, Arménio Carlos esclarece que a “indicação de Mário Centeno só por si não vai resolver os problemas de fundo que o próprio Eurogrupo não só mantém como impõe”.
“Estamos a falar de um grupo que visa juntar os ministros das Finanças dos diversos países para impor as políticas de governação económica, que se traduzem não só pela redução do défice - mesmo que isso promova desequilíbrios. Por outro lado, trata de forma diferente países com responsabilidades iguais”, contesta o sindicalista, lembrando que “ao mesmo tempo que Portugal foi sistematicamente chantageado no que diz respeito ao défice, tivemos a Alemanha sistematicamente protegida face a uma violação por superavit e nunca foi questionada”.
Mário Centeno foi eleito a 4 de dezembro para a presidência do Eurogrupo© Reuters
Bem diferente, se não mesmo oposta, é a opinião de António Saraiva. A eleição é positiva e “reforça a nossa responsabilidade” no sentido de “uma correta gestão das contas públicas, ao mesmo tempo que nos dá notoriedade a par de outros cargos que portugueses ocupam de altos postos”.
“Relevo [a eleição] como importante porque, além do reconhecimento do trabalho dos portugueses, das empresas, das famílias, que suportaram durante estes últimos cinco anos aquilo que suportaram e que de uma forma resiliente temos vindo a ultrapassar, é o reconhecimento deste esforço e dos indicadores macroeconómicos que o país regista”, sustenta o presidente da CIP, reforçando a ideia de que traz “maior responsabilidade a Portugal”, não só na sustentabilidade das contas públicas como de seguir um caminho de redução da dívida e de equilíbrio dessas mesmas contas.”
Recorrendo a alguma ironia, o catedrático João Duque considera que "Portugal comportou-se tão bem, seguindo os modelos de ‘bom aluno' na Europa, que até teve o seu ministro premiado". E de que vai servir esse 'prémio'? "Não serve para nada. Quem chega àquele cargo ou é ou não é honesto. Como [Mário Centeno] é honesto, como é evidente não vai favorecer Portugal. A única coisa que poderá pôr na agenda, porque pode ter esse interesse, é a questão da dívida, mas se a Europa começar a crescer, e os países começarem a amortizar e a resolver o seu problema individualmente, isso deixará de ser um problema europeu para passar a ser um problema de meia dúzia de países".
Turismo foi e será importante, mas... "o país não pode adormecer"
Em muito contribuiu para o crescimento económico, em particular no primeiro e segundo trimestres do ano, mas “o país não pode adormecer”. O alerta é de António Saraiva. Apesar de reconhecer que o turismo “é positivo e tem sido responsável por muito emprego – na construção, reabilitação urbana, hotelaria – temos de encontrar um modelo de desenvolvimento, a par do combate da redução da dívida, que devemos prosseguir, que assente em produção, em fatores produtivos que deem sustentabilidade ao crescimento”.
Caso contrário, defende, “se não houver investimento produtivo, não é apenas pelos serviços, e dentro destes o turismo, que o país garantirá sustentabilidade económica no seu futuro, no seu desenvolvimento económico”. “Sendo louvável, não podemos adormecer - qual lebre que vai contente na dianteira da tartaruga - porque o país tem de encontrar um modelo de desenvolvimento baseado no investimento produtivo e não apenas neste setor”, comenta o dirigente da CIP.
Portugal, o 'Melhor Destino Turístico do Mundo' nos World Travel Awards© iStock
No mesmo sentido seguem as considerações de Arménio Carlos. Reconhecendo o “importante papel” que teve na “evolução da economia”, o líder da CGTP entende que “não podemos centrar todas as nossas atenções num único setor, sob pena de amanhã ficarmos prisioneiros desse próprio processo”. A solução? “Investir em produção nacional, na modernização das empresas – na sua capacitação tecnológica, [em suma] produzir mais, rentabilizando os meios ao nosso alcance”, afirma.
O presidente do ISEG partilha destas opiniões. E vai até mais longe considerando que o turismo "caiu-nos no colo e correu muito melhor do que era de esperar". Mas, sublinha, aconteceu "uma vez e não houve estratégia nenhuma para isto". Neste sentido, entende ser difícil que se mantenha "todos os anos" e prova-o socorrendo-se dos "indicadores que estão todos a desvanecer, aliás o primeiro trimestre de 2017 foi uma loucura. O segundo amochou, o terceiro arrefeceu mais, e o quarto vamos ver como é". "Agora, calma, é difícil continuar a crescer assim", avisa.
Desejos, expetativas e avisos para 2018?
"O crescimento é positivo, é melhor do que o ano anterior, mas isto tem por trás uma queda de vigor. Uma coisa é estar em segundo lugar a subir, outra é estar em primeiro a perder. 2018 pode ser positivo, mas não tenho essa expetativa. As taxas vão começar a baixar, os negócios vão ser mais seletivos, no imobiliário o investimento vai ser mais contido, e estando nas mãos internacionais vamos lá ver se não acontece nada. Tenho a sensação de que isto é tudo muito frágil. As reposições e aumentos de pensões, por exemplo, podem ser perigosos. Deviam ser feitos de forma indexada, 'vamos pagando em função do resultado'. Isso sim, era uma medida inteligente. E, mais, o futuro de Portugal é a Saúde, não é a Educação". João Duque, professor catedrático e presidente do ISEG
“Vai ser um ano importante para a revogação das normas gravosas. Não basta dizer que é preciso criar emprego de qualidade, é preciso que ele esteja associado à revogação das leis que neste momento são responsáveis por desequilíbrios. É preciso que o Governo tenha coragem e determinação para mexer a fundo na legislação laboral. Se é verdade que há crescimento económico, também é verdade que o aumento geral dos salários é sempre um investimento com retorno porque melhora os rendimentos dos trabalhadores e famílias, a procura, os negócios, a criação de emprego e a economia. [Além de que] melhora também a qualidade dos serviços públicos - de transportes, funções sociais do Estado (saúde, acesso à justiça, segurança social, escola pública). No próximo ano, [A CGTP promete continuar a lutar por] emprego com direitos, legislação do trabalho, salários, serviços públicos, afirmação da democracia e participação cívica dos trabalhadores. Portanto, um grande caderno de encargos (...), e basta olhar para 2017 para perceber que a ausência de resposta teve como consequência o aumento significativo da conflitualidade. Para 2018 depende do Governo e das confederações patronais, se querem resolver o problema pela via do diálogo e negociação, ou se preferem que essa conflitualidade laboral se mantenha e até se reforce. Da nossa parte, estamos disponíveis para negociar mas também empenhados em lutar se a isso nos obrigarem”. Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP
“Não contestamos o valor do Salário Mínimo Nacional, mas a forma como ele foi encontrado, porque não se pode definir politicamente o que a economia pode pagar. Temos setores, a realidade irá demonstrar isso agora nos novos contratos coletivos que vierem a ser fechados à mesa das negociações, que o mínimo que vão pagar é acima dos 580 euros. E, a maior parte das empresas que a CIP representa paga muito acima do salário mínimo. Portanto não é pelo SMN que existirá perigo para a sustentabilidade da esmagadora maioria das empresas, existirá sim alguma cautela naquelas mais expostas à concorrência internacional. Mas não será pelo salário mínimo que [as empresas] vão ter alguma perturbação em 2018, mas sim pelo acesso a financiamento, pela fiscalidade imprevisível e alta - estamos cada vez mais distantes da média UE no que respeita à taxa de IRC. A carga e a imprevisibilidade fiscais, o acesso a financiamento, a burocracia asfixiante, os custos de contexto, que não estão ajustados às necessidades das empresas, isso sim é limitativo do desenvolvimento das empresas”. António Saraiva, presidente da CIP
NOTA: De salientar que nesta conversa com o Notícias ao Minuto, quer António Saraiva, presidente da CIP, quer Arménio Carlos, líder da CGTP, destacaram a tragédia dos incêndios, que este ano assolaram o país, como um facto que marcou 2017 pela negativa e que teve graves consequências. A este propósito, o ‘patrão dos patrões’ sublinha ainda que esta tragédia deve alertar todos para o sério perigo que “as alterações climáticas” representam.