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"As televisões só nos têm dado a estupidificação do povo português"

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o ator João Loy fala sobre a infância, a carreira paralela no fado e não se coíbe de partilhar o que considera ser o maior perigo para a sociedade portuguesa.

"As televisões só nos têm dado a estupidificação do povo português"

Diz que saiu ao pai, descrevendo-o como “completamente louco”. Aliás, afirma que a sua “alma de artista vem muito dele”, tendo assistido a muitas atuações do pai enquanto baterista. São também as memórias de infância que João Loy, o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto, partilha connosco, assim como o início da sua caminhada em Lisboa, longe da terra natal: o Alentejo.

Além de a sua voz ser automaticamente reconhecida e associada à personagem Vegeta, da série de animação 'Dragon Ball', um trabalho que manteve durante 25 anos - e do qual se despediu agora após o lançamento do último filme, como pode ler na primeira parte desta entrevista - tem também uma longa ligação ao fado desde que nasceu.

A alma de artista pode comandar a vida de João Loy que, ainda assim, não se coloca à margem da atualidade, comentando temas a que sente que deve dar voz. 

O João é uma pessoa que gosta de comentar nas redes sociais a 'atualidade'… Vivemos uma grande agitação com a presença de Conan Osíris na Eurovisão. Identifica-se?

Não me incomoda absolutamente nada e não me incomoda porque ele vai a um concurso. E se ele teve a maior votação do público e das quatro ou cinco que estão no júri, quem sou eu para o criticar. O que me chateia é: houve duas eliminatórias. Se ele ganhou na primeira eliminatória e havia supostamente tanta gente que não queria o Osíris, então votassem em massa num outro tema qualquer para que ele não ganhasse. É isso que me irrita hoje em dia no ser humano: não faz um esforço, não vai a lado nenhum, não consome cultura, não sabe ler… Irrita-me ver coisas no Facebook e que uma frase com dez palavras tenha 15 erros. É uma coisa que me incomoda. E isto porque as pessoas não têm formação, não querem sair de casa. 

Não comento a atualidade, mas há coisas que me irritam e acho que devo ser uma voz ativa porque os artistas têm de ter uma voz ativa e não é por acaso que os políticos fazem o que querem da sociedade portuguesa. Eles sabem perfeitamente. Acontece alguma coisa no Benfica ou no Sporting, toda a gente comenta, toda a gente fala. No mesmo dia aumenta a gasolina e ninguém diz nada. Pede-se uma manifestação para toda a gente ir para a rua e estão lá dez. Ficam todos em casa à espera que eu resolva os penicos deles. Por isso é que os políticos fazem aquilo que querem e bem lhes apetece, roubam aquilo que têm a roubar, usam o nosso dinheiro e paciência, usam a nossa estupidez e ignorância para se abotoarema a tudo e mais algumas botas, e o pessoal só critica no Facebook.

Como é que é possível acontecer aquela tragédia que aconteceu em Pedrogão Grande e um ano depois ou dois anos, o presidente da Câmara continua a roubar aqueles desgraçados que perderam uma vida. As pessoas não perderam o carro, a horta, a casa, perderam uma vida, mesmo aqueles que ficaram vivos, porque aquilo era a vida deles… E com que direito é que este presidente da câmara tem armazéns carregados de coisas que estão a apodrecer. Se já não tinham ninguém a quem dessem ali, fossem às casas de gente pobre que precisa. O que é que a população portuguesa fez? Durante uma semana que se falou e houve reportagens, tudo no Facebook falou, e, de repente, a notícia perde-se. Passado duas, três semanas, apareceu outra a dizer que o processo foi arquivado por falta de provas, como se nada fosse.

Outro assunto muito polémico são os programas que estrearam na SIC e TVI, ‘Quem Quer Namorar Com o Agricultor’ e ‘Quem Quer Casar Com o Meu Filho’ respetivamente…

Não vi o programa, mas basta-me ler os comentários de algumas pessoas… Normalmente sou daqueles que vê um bocado de tudo para poder ter a certeza daquilo que está a criticar, mas vi só dois ou três minutos… Este género já não tenho paciência porque acho que isso é mesmo estupidificar o ser humano. O que me chateia é que estamos numa luta brutal para defender as vítimas da violência doméstica, defender a Mulher, e a seguir o povo português aceita um programa daqueles e as próprias mulheres aceitam um programa daqueles… Eu se fosse mulher, no dia a seguir estava à porta da SIC e da TVI a pedir o [cancelamento dos formatos].

É isso que me dói, o povo português não perceber que está a passar por um processo salazarento sem perceber, debaixo de uma capa chamada democracia

E quanto aos programas em si?

Nem sequer deviam estrear. Agora, assusta-me de outra maneira que é achar que a televisão vai continuar a passar por este género de coisas. E agora há outro em que as pessoas andam nuas na rua. Portanto, a exposição do corpo, a exposição através do nada, é uma coisa que me assusta… Uma das coisas que a sociedade acusou desde sempre o Salazar era de não querer um povo inteligente e de utilizar as três grandes armas: o futebol, Fátima e o fado. Nós mandámos o Salazar embora, acabámos com o fascismo, veio a democracia e a liberdade… Expliquem-me: os três ‘F’ se estão ou não cada vez mais presentes na nossa sociedade? Mais do que isso: As próprias televisões perceberam que só podem ter gente à frente se as pessoas forem ignorantes. Tudo aquilo que as televisões nos têm dado ao longo destes últimos anos é a estupidificação do povo português, porque é a única forma de as pessoas ficarem agarradas àquilo. A partir do momento em que se lê, em que nos tornamos um bocadinho mais inteligentes, não conseguimos assistir àquilo e não consumimos. Isto é que eu acho que é fascismo. E é isso que me dói, o povo português não perceber que está a passar por um processo salazarento sem perceber, debaixo de uma capa chamada democracia. E isto é perigoso porque é isto que nos leva depois a um ditador.

O que aconteceu no Brasil é exatamente o que vai acontecer em Portugal dentro de muito pouco tempo. Depois há pessoas que dizem que faz falta outro Salazar. E outros que até vão mais longe e dizem que só um Salazar já não chega. Isto quer dizer que já estão a abrir portas porque se aparecer alguém, um político com facilidade de utilizar o português, que seja um orador nato... e não é preciso ser muito inteligente, basta ler Padre António Vieira. Portanto, basta aparecer um político que se mostre firme, um bocado como fez o Bolsonaro.

É algo que o preocupa para os próximos anos em Portugal?

Muito! Não quero a ditadura, independentemente de nós estarmos agora a viver uma ditadura.

Peço imensa desculpa, mas hoje em dia as pessoas não têm capacidade de raciocínio

De informação?

Não é de informação. É uma ditadura. Só não temos ainda escassez de bens, mas temos coisas de escassez maior que é a cultura, a educação. E isso é a coisa que mais me assusta. Peço imensa desculpa, mas hoje em dia as pessoas não têm capacidade de raciocínio. Há dias estava a falar com um colega que agora arranjou um part-time que gosta muito e está a dar aulas a crianças do primeiro ciclo. Ouvi histórias… Como é que é possível? O que aquelas crianças fazem, os truques e as rasteiras que eles fazem aos professores é inimaginável. Porque têm a proteção de casa, dos pais.

Houve um miúdo no terceiro ano que pediu a outro para lhe apertar o braço até ficar negro e chegou a casa e disse que foi o professor. E o pai foi à escola para bater no professor e nem sequer quis saber se era verdade ou mentira… Isto não é normal. Dir-me-ão porque os pais não têm tempo para educar os filhos. Eu acredito e percebo isso. Mas se calhar o sistema de educação tem de ser revisto, mas não passa pelo facilitismo. Quando uma pessoa vai até ao 12.º ano e que passa sem ter de fazer provas praticamente nenhumas, qualquer média de 7 / 8 ainda dá para passar… Quando chega ao primeiro ano da faculdade, abana.

Não tenho medo de elogiar os meus colegas, mas sinto que os meus colegas têm medo de me elogiarHouve uma frase sua num direto no Facebook que despertou especial atenção: “As pessoas em Portugal só são reconhecidas quando abandonam as coisas ou morrem”. Porque é que acha que isto acontece?

Porque nós temos medo de dizer gosto de ti, quer seja como pessoa, quer seja como artista ou outra profissão qualquer. Elogiar não é uma coisa típica dos portugueses. O português só gosta de dizer mal. Por isso é que só se fazem as homenagens quando se morre ou quando uma pessoa tem uma desgraça e fica inválida. Não tenho medo de elogiar os meus colegas, mas sinto que os meus colegas têm medo de me elogiar.

Mas acha que isso é uma coisa cultural ou é dos tempos de hoje?

Acho que é mais de hoje. Por exemplo, independentemente se funcionou bem ou mal, havia uma coisa chamada carteira profissional que eu ainda tive quando fui para o Parque Mayer, uma coisa que acho que todos nós devemos ter. Hoje em dia ninguém tem carteira profissional, nem os mais antigos. Agora existe uma coisa chamada GDA, já propus várias vezes: façam uma coisa chamada carteira do artista. Depois, por outro lado, quando nós não temos o reconhecimento pela própria Assembleia da República enquanto profissão – ser artista em Portugal é a mesma coisa do que ser prostituta… No entanto, tenho de passar recibos verdes, pagar a Segurança Social e não tenho regalias absolutamente nenhumas. É uma coisa que me incomoda o não reconhecerem ao artista uma carreira profissional. Porquê? O que é que um jornalista ou um psicólogo é mais do que eu? Não são profissões?

Isto está tudo errado... E isto não tem a ver com os que estão neste momento no governo, tem a ver com todos os que passaram pelo governo desde a democracia. Não acredito em nenhuns, muito menos nesta 'gauche caviar', que é uma coisa que me irrita, estes bloquistas… Irrita-me porque acabam por ser pseudo intelectuais. Adoro intelectuais, não gosto é dos pseudo intelectuais. E o pseudo esquerda, por isso é que eu lhe chamo 'gauche caviar'. E depois arrogam-se a umas conversas e forma de estar na vida que é tão tonta, tão desproporcional à realidade que acho que o melhor nome que podem ter é 'gauche caviar' porque são completamente ridículos em tudo o que dizem. Todos nós ouvimos falar sempre e há provas disso, aqui há cerca de dez anos, as câmaras comunistas eram as câmaras que tinham mais e melhor atividade cultural. Até isso já desapareceu. O PCP praticamente não existe, não é admissível aquele senhor [Jerónimo de Sousa] manter-se agarrado à presidência do PCP, que não sabe dizer duas atrás de três. Chega! É mau demais para ser verdade.

Há um desinteresse em fazer política, independentemente de haver um interesse enorme de milhares em quererem ir para a política. Mas ir para a política não significa fazer política. Fazer política é o que está certo, mas isso dá trabalho. O ir para a política é outra coisa, dá tachos. 

Não admito que um artista seja burro. E não é só o artista, gostava que o povo português fosse um povo inteligente. O que mudava com um tiro era acabar com o analfabetismoSe tivesse uma varinha mágica que pudesse mudar apenas uma coisa para melhorar a vida de um artista, o que seria?

A burrice nos artistas. Não admito que um artista seja burro. E não é só o artista, gostava que o povo português fosse um povo inteligente. O que mudava com um tiro era acabar com o analfabetismo. As pessoas acham que saber assinar já não são analfabetas, não. O problema que se põe hoje em Portugal é uma palavra horrenda que se chama literacia, neste caso a iliteracia. E isso é que me assusta.

Pegando pelas ligações de infância… O ‘Dragon Ball’ foi uma referência para muitas crianças, mas quando o João era pequeno, qual era a sua referência das personagens animadas?

O Calimero! Foi sempre a minha grande paixão… Tenho medo de assumir isto porque às vezes as pessoas não tem inteligência para perceber, mas eu tive uma infância um bocadinho dolorosa. Fui um menino um bocado precoce, o que não foi nada abonatório, porque quando tinha sete anos dava-me com os meninos de 14. Se tinha 14 dava-me com os de 21. E fui perdendo as referências de crianças, o que não é nada saudável. Passei no meio da primeira classe para a segunda porque supostamente era mais inteligente que os outros. Não era nada, os meus pais é que me obrigavam a determinadas coisas como ler.

Muitas  vezes sentia-me isolado porque nada das brincadeiras dos meninos de seis, sete anos, me fazia sentido. Então estava sempre sentado num degrau da porta da minha casa ou a ler ou a criar fantasias na minha cabeça em função daquilo que achava que era o correto. A própria banda desenhada nunca foi uma referência para mim. Gostava do Calimero porque achava aquele sofrimento atroz e era um sofrimento que eu acabava por ter na mesma maneira.

Revia-se na personagem…

Se recuarmos uns quantos anos, até à minha infância, ninguém ia ao psicólogo. E depois quando começo a chegar àquela idade da adolescência, só me dou com adultos. Acabo por perder outra vez as referências dos mais jovens, porque não conseguia entender. Na minha altura havia livros de cowboys, por exemplo, e eu nunca fui capaz de ler aquilo, não me dizia nada.

Acha então que ‘Dragon Ball’ foi uma espécie de referência perdida?

Foi um bocadinho de me encontrar com a infância. Daí eu brincar tanto porque depois só entendia dobrar aquilo através da brincadeira, da loucura. O meu problema é pensar demais e às vezes erro tanto por pensar demais. Fiz muita asneira exatamente por pensar demais, porque ponho-me a pensar nas crianças que estão em casa. Por exemplo, uma das coisas que me incomodou neste filme é que se utiliza várias vezes a palavra morte, como na série também. Mas há 25 anos, uma das coisas pela qual nós optámos todos era que a palavra morte nunca existisse, nem sangue, nem nada. Daí as pessoas terem referência das nossas luta sempre através de brincadeiras. O facto de eu brincar tanto no passado foi um bocado: ‘Vou brincar porque eles merecem ver qualquer coisa que seja divertido, brincado, e que não seja tão agressivo’.

E quais as melhores memórias que tem dessa fase no Alentejo, da infância?

Tenho memórias fabulosas. Tenho memória do meu pai que, se calhar, se sou artista, ele tem muita culpa. Ele era baterista. Nasci com uma bateria em casa. O meu irmão também é baterista. Aliás, tenho um irmão gémeo.

E tem a mesma voz?

Não, nada. Aliás, se ele aparecesse aqui nem percebiam que somos irmãos gémeos. Somos gémeos totalmente falsos.

Então, as melhores memórias…

Lembro-me de ir assistir aqueles bailes, o meu pai era baterista naqueles conjuntos de baile. O único que me irritava era sempre o cantor porque, ao fim ao cabo, eu queria estar no lugar dele. Depois mais tarde é que venho a perceber. Irritava-me porque achava-o muito parado, que ele devia comunicar mais. Por exemplo, eu faço dos meus concertos de fado quase um concerto de rock. Não paro em palco, não sou nada tradicionalista no fado, e irritava-me um bocadinho os cantores que faziam parte [daqueles grupos]. Mas era só por isso porque eu adorava as vozes deles. E começava a imaginar se eu estivesse ali. Mas nunca pensei que alguma vez pudesse estar a cantar em público como estou a fazer agora.

E depois há uma coisa engraçada que é uma das razões para eu estar hoje em dia no fado. Uma irmã da minha mãe, tudo o que desse para ela trautear um fado, mesmo sem música, ela estava sempre a cantar. Tinha uma paixão pela Teresa Tarouca… Havia aquelas excursões nos autocarros, que era uma coisa que me irritava, e ia sempre muito calado ao contrário da minha tia que passava a viagem toda, para lá e para cá, sempre com o microfone a cantar fado. Aquilo foi mexendo comigo. Aos 14 anos recebo o meu primeiro presente que faz toda a diferença para o resto da minha vida que é um gravador com três ou quatro cassetes: uma da Teresa Tarouca, a minha mãe gostava da Amália, o meu pai gostava do João Ferreira Rosa, portanto, as minha primeiras cassetes são todas com fadistas.

Sempre foi um gosto…

Tinha o destino marcado para vir para o fado. E depois quando chego a Lisboa conheço alguns fadistas que me tentam empurrar. Já tinha comentado com o meu pai e ele dizia-me sempre que se queria ser artista – uma coisa que ele não queria porque sabia que esta vida não era fácil - tinha de ir para Lisboa porque os artistas só funcionam nas grandes cidades. Então disse que vinha para Lisboa e o meu pai disse: ‘Vais, vais! Primeiro vou tratar disso’. E, passado cerca de seis meses, diz-me o meu pai: ‘Prepara-te que daqui a uns meses vais para Lisboa e vais entrar num curso. Vais para a guarda fiscal, tens ordenado garantido, cama, comida, tens tudo. Depois vais batendo às portas do meio artístico e quando tiveres o teu nome solidificado no meio artístico, então podes sair da guarda fiscal’. Ainda tive cerca de dois anos e meio como guarda fiscal. Pouca gente ou ninguém sabe disto.

As pessoas às vezes perguntam-se: 'Queres que te defina como ator ou como fadista?'. Eu prefiro que me definam como artistaEntão foi na infância que surgiu a veia de fadista e desde sempre teve este carinho pela arte?

De artista! As pessoas às vezes perguntam-se: 'Queres que te defina como ator ou como fadista?'. Eu prefiro que me definam como artista. Aliás, quando me estreio no Parque Mayer e quis fazer revista à portuguesa - foi dos primeiros trabalhos que tive quando cheguei a Lisboa -, é exatamente porque ali posso cantar, dançar e representar. Agora, claro que quando me perguntam se alguma vez tive referência na juventude ou na infância com fadistas, claro que tive. Há uma coisa que o Camané diz que faz parte desta geração, que é: eu ouvia fado em casa, mas ai de mim que dissesse a algum colega que estava a ouvir fado. Para mim as referência eram sempre os Pink Floyd, Supertramp… Nunca falava do fado porque era uma coisa de velhos… E o Camané diz muito isso porque também passou exatamente por essa situação. Mas o facto de ser fadista não quer dizer que eu só ouça fado, antes pelo contrário.

Já tem residência em casas de fado…

Sim, tenho em algumas. Tenho as quintas-feiras na Anini, nos Lábios de Mosto também às quintas-feiras e aos domingos. E depois vou pelas casas que me vão convidando.

E quais os projetos que tem agora em mãos em relação ao fado?

Fiz um primeiro CD há cerca de três anos e o CD correu tão bem quer a nível de vendas, quer a nível de aceitação do público, e está imaculado, só não está melhor porque eu não tenho uma grande voz. E agora quando se pôs a hipótese de se fazer um segundo CD perguntei: o que é que eu faço? Inclusive, acabo a tournée do primeiro CD no CCB. Um primeiro trabalho que nós façamos tem sempre duras críticas, boas ou más, mas ainda nos dão algum benefício da dúvida. Mas quando corre bem põe-nos uma responsabilidade acrescida.

Fazer uma coisa em grande no meio artístico é tudo às nossas custas, e eu preciso de guardar o dinheiro para ir para o Alentejo, achei que não devia expor dessa maneira, com tanta veemência. Então comecei a pensar o que é que eu faço. Porque a lógica do primeiro CD é o João Loy ator e que vai buscar o lado de dizer o fado, que é uma coisa que se perdeu, mas que agora se está a recuperar. Fiz meio, meio: um fados cantados e outros ditos. E depois pensei que tenho de homenagear aquilo que para mim foi importante no fado. Achei que devia pegar naqueles cinco fadistas que foram sempre uma referência para mim (Amália, Teresa Tarouca…), poetas que eu consumo e que muito escreveram para fado e pô-los num CD. Mas como? Gosto de ser sempre original, aliás, os meus videoclipes de fado são tudo menos o tradicional. Pensei em organizar uma noite de fados, no Fado Menor, e resolvi gravar o CD ao vivo. Já se está a fazer a capa, portanto, mais um mês no máximo e o CD é lançado.

Tenho sorte de as pessoas gostarem de mim. E se não sou melhor fadista é porque, de facto, Deus não me deu esse dom, no sentido de ter uma grande voz. Eu sou outra coisa, sou energia, almaE como é que correu?

Muito bem. Continuo a dizer: tenho sorte de as pessoas gostarem de mim. E se não sou melhor fadista é porque, de facto, Deus não me deu esse dom, no sentido de ter uma grande voz. Eu sou outra coisa, sou energia, alma. O fado também é muito alma e por isso é que eu permaneço porque se achasse que não tinha alma, não estava lá. Nunca fui segundo em lado nenhum, não quero. Exijo de mim próprio ser sempre o primeiro. O segundo não é nada, ninguém fala do segundo ou do terceiro, fala-se sempre do primeiro em qualquer competição. Daí eu ter gravado o CD ao vivo. E no momento em que estava a comentar a minha ideia numa noite normal no Fado Menor, a dona disse que tinha de gravar na sua casa e com tudo gratuitamente. Inclusive aquelas 100 e tal pessoas que lá estiveram, estiveram sentadas à mesa com uma pequena refeição como se fosse uma noite de fados tradicional. O meu segundo CD é uma homenagem aos fadistas, aos poetas, ao fado, e com a reação do público.

Alguma vez se imaginou a cantar outra coisa sem ser fado?

A minha mãe já me dizia em novo que mesmo a cantar Pink Floyd dava-lhe um jeito fadista porque não tenho voz para cantar outra coisa, tenho alma fadista. Por exemplo, a Ana Moura, que amo de paixão, quando canta o ‘Dia de Folga’, é uma coisa muito mais pop do que o fado tradicional, mas está lá a referência dela como fadista. Ela canta aquilo e tem sempre ali um jeitinho fadista, não consegue cantar aquilo como uma Madonna.

Tenho apelado aos fãs para irem ver [o novo filme do Dragon Ball] e queria que ficasse uma coisa bem clara: peço e quero muito que recebam os novos atores de coração abertoA alma é importante, mas acha que às vezes é importante para o fado ter esse distanciamento para se conseguir desdobrar e ter um alcance maior?

Sou um tradicionalista no fado, na forma como canto. Agora, aceito as linguagens desde que elas não desvirtuem aquilo que é a essência do fado. Para mim, a Ana Moura não desvirtua. A Raquel Tavares, por exemplo, só a presença dela já é fado porque ela tem aquele lado quase de bairro (mas bairro no bom sentido), e foi de alguma forma criticada ao princípio quando apareceu com um tema mais ao jeito do ‘Dia de Folga’, mais pop. Ou então, a Raquel há pouco tempo fez uma homenagem ao Roberto Carlos e gravou um CD só com temas do Roberto Carlos. Havia aquele lado negro da comunidade fadista que dizia: ‘ai, caramba, estar a chamar aquilo fado...’. A rapariga nunca chamou aquilo fado. Só disse que queira cantar Roberto Carlos e gravou o CD. Qual é o problema?

Para acabar, voltamos ao início… O ‘Dragon Ball’ estreou-se na passada quinta-feira, deseja boa saúde ao filme e à série, mesmo que não vá continuar como nos disse?

Totalmente. Tenho apelado aos fãs para irem ver e queria que ficasse uma coisa bem clara: eu peço e quero muito que recebam os novos atores de coração aberto porque lembro-me de que houve uma altura quando estava a fazer o ‘Dragon Ball’ que deixei de entrar em vários episódios e depois o técnico fez o favor de os apagar, porque eu ia fazer um trabalho fora de Lisboa em teatro e não podia mesmo vir a Lisboa… Eles exigiram que viesse gravar, mas eu recusei e eles tiveram de meter outro ator. E ele foi tão ofendido… E agora está a acontecer com os atores que substituíram o Ricardo Spínola e o Henrique Feist. Mas eles não têm culpa nenhuma. Aquele vazio tinha de ser preenchido. Peço que deem uma oportunidade aos atores. É natural que estranhem no início, mas depois vão-se habituar e os atores não têm culpa. Eles só são convidados para nos substituirem.

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