"A pessoa que mete fotos de biquíni na Internet é menos digna do que eu?"
O empoderamento feminino é uma das causas que Maria Sampaio procura defender. A mensagem é passada nas suas atitudes, nas redes sociais e acima de tudo nas músicas que integram o projeto Bell - nome que escolheu para a sua carreira no mundo da música. Mas esta é apenas uma das causas que mais inquetam a atriz e cantora, que aos 35 anos passou em revista a sua carreira em entrevista ao Fama Ao Minuto.
© Reprodução Instagram / Maria Sampaio | Foto / Mariana Rocha
Fama Maria Sampaio
Aos 18 anos, Maria Sampaio deixou de lado os planos de entrar em Medicina para abraçar as paixões que desde sempre fizeram parte da sua vida e da sua formação: o canto e a representação. Estreou-se em televisão com uma personagem desafiante em 'Morangos Com Açúcar', mas não tardou a que também a sua voz fosse notada e saltasse diretamente para os palcos dos musicais.
Seguiu-se uma pausa na televisão, que veio a dar lugar a um projeto em nome individual no mundo da música - Bell. E foi precisamente a propósito do lançamento da sua mais recente música, 'Sailor Moon. Yo soy dona de mi’, que o Fama Ao Minuto conversou com a atriz e cantora.
Como começa esta sua aventura no meio artístico?
Tudo começou muito cedo em casa, tanto a cantar as músicas da Disney, como a representar. O meu pai meteu-me desde muito cedo no ballet e no piano, logo com três anos. Acabei por ir para a Academia de Música de Santa Cecília, em Lisboa, onde fiz oito anos de escola, mas a ter também formação clássica de música. Fiz o quinto grau de conservatório. Foi aí que tive também as primeiras aulas de teatro. A escola era muito completa para qualquer curso que eu quisesse seguir, tanto que na altura eu achava que ia para Medicina.
Foi um choque em casa, mas eu decidi que não ia para Medicina E quando é que percebeu que o caminho não era a Medicina?
Tinha muito boas notas, mas não chegava para entrar em Medicina no ano em que quis entrar. Fiquei a fazer melhoria de notas. Como o teatro e a música sempre fizeram parte da minha vida escolar, resolvi nesse ano começar a fazer workshops no Chapitô e também fui fazer a escola da Oficina de Atores, que era da NBP e que agora é da Plural. Nesse ano fiz a formação e no ano seguinte chamam-me logo para ir fazer ‘Morangos Com Açúcar’. Portanto, no ano em que ia entrar em Medicina chamaram-me para os ‘Morangos’. Foi um choque em casa, mas eu decidi que não ia para Medicina. Achei que não ia conseguir, e fui para outro curso. Entrei em marketing e publicidade.
A Maria que entrou nos ‘Morangos’ tinha uma ilusão em relação ao mundo. Acreditava que toda a gente era super amiga e neste meio nem sempre é assim Há algum arrependimento por não ter seguido Medicina?
Não, de todo. Apesar de agora, aos 35, ter vontade de voltar a estudar e talvez Medicina. Ainda está aqui o bichinho, mas arrependida não estou de todo. Acredito que poderia ser uma boa médica ou então seria aquela médica que está sempre a fazer teatrices… Quem sabe se me torno nessa médica no futuro, sinto que essa vontade pode ainda aparecer.
O que há de diferente entre a Maria que participou nos ‘Morangos com Açúcar’ e a Maria que é agora?
A Maria que entrou nos ‘Morangos’ tinha uma ilusão em relação ao mundo. Ao mundo em geral, ao mundo televisivo, às pessoas. Acreditava que toda a gente era incrível e super minha amiga e neste meio nem sempre é assim. As pessoas não são todas amigas umas das outras. Acreditava que as coisas iriam acontecer naturalmente e que não teria de trabalhar tanto e de me esforçar tanto como ainda hoje tenho de fazer. Antes tinha pânico das pessoas, ainda tenho um bocado. Ser conhecida foi algo que me assustou um bocado. Não estava preparada, não sabia bem ao que ia. Hoje em dia nem penso nisso. Agora quero ser mãe, na altura não queria. Sou casada. Mas a maturidade, a confiança, essa diferença é notória em qualquer mulher.
Às vezes perguntam-me: queres ser atriz ou queres ser cantora? E eu digo, quero mudar alguma coisa neste mundo Sempre fez parte dos seus planos conseguir conciliar a música e a representação?
A verdade é que eu não consigo mesmo imaginar-me a deixar de representar ou a deixar de cantar. Uma coisa boa no meu projeto Bell é que sou eu que faço todo o processo criativo, sou guionista dos videoclipes, stylist, a atriz dos vídeos. Na música tenho esta experiência de conseguir fazer um bocadinho de tudo, na representação acabei agora o musical ‘Grease’ onde canto, danço e represento. E depois tenho também muita vontade de fazer novelas e televisão. Acredito que vai acontecer em breve. Quero muito conciliar tudo, na verdade.
Há muito que não vemos a Maria em projetos televisivos ligados à representação. Há algum motivo para este afastamento?
Houve uma altura em que eu saí por opção. Estive fora de Portugal, estive a viajar. Depois estive também a fazer muito teatro musical, muitas peças. Estive muito tempo sem querer voltar. Depois comecei a fazer as minhas músicas e por razões contratuais não podia fazer outras coisas. Agora estou um bocadinho mais livre, sou independente no meu projeto e tenho a liberdade de escolher o que vou fazer.
O mundo continua a viver em caixinhas, Portugal parece que nunca se chegou a abrir. Abre, mas depois fecha O projeto musical de que fala tem o nome de Bell. Como surge a necessidade de criar um nome artístico?
Enquanto Maria Sampaio sou uma intérprete de personagens, finjo ser outra coisa. Enquanto Bell, quando comecei a compor as minhas coisas e a ter a minha identidade, não quis ser a atriz Maria Sampaio. Não quer dizer que amanhã não queira ter outro nome. E vou ser sincera, aconteceu muito porque estava a produzir com americanos na altura e eles é que disseram que Maria não era fixe e que precisava de um nome mais internacional. E pronto, decidi não voltar atrás. Mais importante do que o nome é a mensagem que quero passar. Às vezes perguntam-me: queres ser atriz ou queres ser cantora? E eu digo, quero mudar alguma coisa neste mundo.
E o que é que quer mudar exatamente? Ou por outras palavras, qual é a grande mensagem que o projeto Bell pretende passar?
Tenho três temas já feitos do futuro álbum que quero lançar. Quero em todo o álbum falar sobre vários assuntos, mas sempre com algum empoderamento feminino. Todas as minhas músicas têm algo de metafórico. O que eu queria mesmo era derrubar algumas barreiras e caixinhas que nós ainda hoje vivemos em Portugal, ainda mais do que em muitos países do mundo. O mundo continua a viver em caixinhas, Portugal parece que nunca se chegou a abrir. Abre, mas depois fecha.
Fala-se pouco de assuntos como o racismo, por exemplo, que já vivi na pele por ter um marido negro. A sua mais recente música 'Sailor Moon. Yo soy dona de mi’ procura, de facto, passar uma mensagem muito forte sofre o empoderamento feminino. É um tema que a preocupa?
Bastante. Podia ficar três horas a falar sobre o assunto. As próprias mulheres têm muitas vezes comentários altamente machistas sem querer. O machismo é institucional, nem gosto de falar neste termo porque as pessoas acham que feminismo é a mesma coisa que machismo mas ao contrário. Não é. As mulheres ainda hoje são muito mazinhas umas para as outras. Têm de se abraçar e de ser mais amigas umas das outras e os homens também tem de perceber que não nos podem controlar.
Também se fala pouco de assuntos como o racismo, por exemplo, que já vivi na pele por ter um marido negro. Há muito poucos brancos a defender a causa e a lutar pela minoria.Os comentários negativos de que fala por parte de mulheres sentem-se agora muito nas redes sociais e as figuras públicas acabam por sofrer isso na pele. Já aconteceu consigo?
Pouco, mas já aconteceu. Já me mandaram colocar o soutien. Agora com o vídeo disseram-me que estava numa crise dos 30. Mas por acaso não sofro muito com isso, às vezes sofro o inverso, dizem-me: conseguiste fazer a tua carreira sem colocar fotos de biquíni na Internet. E eu pergunto: mas a pessoa que mete fotos de biquíni na Internet é menos mulher do que eu? É menos digna? Já não consigo ficar calada quando me dizem que sou diferente das outras. Não, não sou. Uma mulher pode querer andar com um decote e não querer seduzir ninguém.
Sou privilegiada porque nasci numa família que me conseguiu dar uma formação excelente e comecei a ter mais noção dos meus privilégios e isso faz-me querer lutar por minorias que não têm os mesmos privilégios. Há muito poucos homens a falar de feminismo e é isso que nós mais queremos. Mas também se fala pouco de assuntos como o racismo, por exemplo, que já vivi na pele por ter um marido negro. Há muito poucos brancos a defender a causa e a lutar pela minoria.
Enquanto figuras públicas temos alguma responsabilidade e no Instagram comecei a ter um bocadinho essa noção. Fiquei farta de o Instagram ser só umas fotos giras e quis falar sobre estes assuntos. Às vezes, perco público porque falo sobre estes temas.
Estava numa rua e tinha de andar ainda um bocado, estava com uma mini-saia e estava sentir-me mal. Ao mesmo tempo, não quero deixar de usar mini-saia
E a Maria acha que está a conseguir chegar às pessoas e começar a implementar essa mudança que defende?
Se 10 pessoas conseguirem perceber o que eu quero dizer na música é incrível. Esta música, por exemplo, é cantada no feminino e eu já recebi versões de imensos homens. Esta coisa das minorias não é uma guerra. Embora, às vezes, os homens não percebam. Quando assim é eu pergunto a um homem: Alguma vez por estares de calções e com um top tens medo de fazer um percurso à noite? Não tens porque és mais poderoso fisicamente e não tens porque não vai haver nenhum depravado a olhar para ti. Só esse privilégio na vida de um homem… A mim já me aconteceu e pensei nisto. Estava numa rua e tinha de andar ainda um bocado, estava com uma mini-saia e estava sentir-me mal. Ao mesmo tempo, não quero deixar de usar mini-saia. Se eu quiser uso, é assim que deve ser.
Os meus pais, apesar de serem muito católicos, sempre falaram da vida sexual deles Nesse sentido, acha que existe o perigo de existir o conceito de feminismo extremo?
Há pessoas que podem não exprimir da melhor forma o feminismo, podem parecer anti-homens e não é isso. Hoje é muito raro, por exemplo, as miúdas serem invejosas umas com as outras como sempre se viu. Acho que está mesmo a mudar e para melhor.
Numa das várias participações que tem feito no 'Programa da Cristina', a Maria esteve com a sua mãe a falar de assuntos relacionados com a vida sexual. Sendo que há uma diferença de gerações entre si e a sua mãe, estes assuntos nunca se tornaram tabu?
Eu tenho 43 anos de diferença de idade da minha mãe mas mais uma vez eu tenho sorte de os meus pais, apesar de serem muito católicos, sempre terem falado da vida sexual deles. Não de forma constrangedora, mas sempre soubemos o que acontecia com eles. Nós somos quatro irmãos de várias gerações e todos nós sempre falámos muito abertamente sobre sexo em casa. Mais do que falar sobre sexo, a minha mãe sempre me ensinou a não julgar o outro.
Voltando à diferença entre a Maria dos 'Morangos', se calhar com 20 anos eu tinha vergonha de falar sobre estes assuntos. Mesmo que falasse em casa, não ia falar publicamente. Mas agora acho que aos 90 anos posso ter um programa a falar sobre estes assuntos com os jovens.
Acha que foi também essa diferença de gerações ajudou a que depois viesse a aceitar com normalidade casar com um homem seis anos mais novo - o bailarino Gonçalo Cabral?
Acho que não está associado. Seis anos não é quase nada. Sinto que ninguém repara nisso em relação a nós os dois. Acho que fiquei mais nova desde que estou com ele, na verdade. Quando casei tive jornalistas a perguntarem-me se não estava a casar demasiado nova. Eu tinha 33 anos. Ainda por cima ele não envelhece, isso é a única coisa que me preocupa [risos]. Quando aos 60 anos estiver acabadíssima e ele todo enxuto, as pessoas vão achar que temos 30 anos de diferença. Agora, não penso nisso.
Na vossa relação tudo aconteceu muito rápido. O inesperado primeiro beijo, o pedido de casamento um ano depois. O que tem a vossa relação de tão especial?
Não sei…. Magia? Vivi muito tempo aquela fase em que dizia que não queria saber mais de homens e há aquelas pessoas que às vezes nos fazem acreditar que o amor pode acontecer sem estares à espera. Pronto, aconteceu comigo aos 31 anos. Ainda hoje não sei, mas acredito que seja magia.
Aos 20 e tal treinava imenso e tinha de estar toda ‘fit’, toda traçada. Passava 40 mil horas no ginásio e depois era super infeliz O Gonçalo Cabral, o seu marido, tem um irmão gémeo e ao longo dos anos fomos percebendo que a Maria criou também com o André uma relação muito cúmplice.
Eu nunca tinha tido uma relação com um homem que tivesse um gémeo e, na verdade, irmãos gémeos são um só. Digo sempre isto e é mesmo verdade, se eu não tivesse gostado do André ou se o André não tivesse gostado de mim seria impossível ter casado com o Gonçalo. Eu casei com os dois. Ao início estranhava imenso e pensava: ‘será que ele tem de estar sempre aqui ao pé de nós?’ Chegámos a viver os três juntos, logo no início. Vivemos juntos quase um ano e as pessoas a viverem juntas ganham cumplicidade. Eu e o André somos mesmo muito amigos e, às vezes, até me apetece estar só com o André. Ele é um amigo.
Já nos falou da vontade de ser mãe. Para quando a chegada de um bebé?
Para quando o universo quiser. Para breve, esperamos.
Aos 35 anos e com uma grande exposição pública, como lida com o avançar da idade?
Eu sinto-me mesmo uma miúda. Eu tenho um estilo de vida bastante juvenil. Dou por mim a pensar que devia ter ouvido a minha mãe e ter tido mais cuidados com a pele, por causa do sol, mas por outro lado também me sinto mais livre. Aos 20 e tal treinava imenso e tinha de estar toda ‘fit’, toda traçada. Passava 40 mil horas no ginásio e depois era super infeliz, agora não tenho tanto essa preocupação. Mas também tenho um marido incrível que diz que vai gostar de mim mesmo que eu engorde 20 quilos [risos].
Quero muito voltar à ficção, mas queria voltar num formato de comédia Quanto ao futuro, que outras novidades podemos para já desvendar?
Estou a produzir mais duas músicas que espero lançar no início do próximo ano. No final do ano [2020] quero juntar estes cinco singles, acrescentar um sexto, integrar mais quatro músicas e ter o álbum feito.
E para quando o aguardado regresso à televisão?
Tenho estado muitas vezes com a Cristina [Ferreira], felizmente tenho a sorte de estar muito presente. Acabei agora o 'Grease' e musicais neste momento ainda não sei se vou fazer ou não. O problema de conciliar as duas coisas é também o de ter muita dificuldade em começar um projeto enquanto estou a acabar outro. Mas há aí coisas que estão na mesa e poderá acontecer voltar à TV. Quero muito voltar à ficção, mas queria voltar num formato de comédia. Queria apostar mais nessa área, é por aí que quero ir e espero que aconteça em breve.
Disse-me há pouco que não se importava de aos 90 ter um programa em que falasse de sexo.
Em que falasse de tudo, quero falar de tudo.
E além de se ver a apresentar esse programa, como é que se imagina mais com essa idade? O que gostava de ter feito até lá?
Não sou uma pessoa muito saudosista, nem que pensa muito no futuro, mas há coisas básicas de que eu gostava. Por exemplo, ter muitos filhos e netos. É engraçado porque quando me pergunta isso eu penso em tudo menos na carreira artística. Gostava de ter um projeto de turismo rural. Eu não sou só atriz e cantora, quero tanta coisa. Gostava de ter uma linha de roupa. Imagino-me a falar com jovens. Imagino-me uma avó cheia de sobrinhos e netos, todos cá em casa a falar sobre vários assuntos. E, claro, um programa para falar com pessoas, se ainda houver muitas velhotas retrógradas.
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