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"Tragédia, superação e honra". Wet Bed Gang, a história que virou álbum

O Notícias ao Minuto conversou com os Wet Bed Gang no dia do lançamento do primeiro álbum de longa duração da banda, Ngana Zambi.

"Tragédia, superação e honra". Wet Bed Gang, a história que virou álbum

Corria o ano de 2014 quando João Rossi, "La Bella Mafia", e Pizzy decidiram com a força da música unir dois grupos de bairros diferentes da zona de Vialonga e assim nasceram os Wet Bed Gang.

A trágica morte de Rossi, em circunstâncias nunca reveladas pelo grupo, criou um legado e deu a Gson [Costa], Kroa [Tomás David], Zara G [Lisandro Silva] e Zizzy [Pedro Osório] o ímpeto necessário para "fazer acontecer".

Hoje, os Wet Bed Gang são referência no hip hop português, têm milhões de streams das suas músicas e movem multidões nos seus concertos.

No dia em que os Wet Bed Gang lançam o primeiro álbum de longa duração, Ngana Zambi, o Notícias Ao Minuto esteve à conversa com Kroa, que nos contou tudo sobre o percurso da banda.

Como e que começam os Wet Bed Gang?

Wet Bed Gang começa com a representação de um legado, que é o [João] Rossi. Tudo começou quando ele deu o nome.

Mas como é que vocês se juntam? Sei que existiam dois grupos diferentes, não era?

Eu fazia parte de um grupo onde cantava com os meus irmãos, nós eramos daqui de cima e o Rossi era da parte de baixo de Vialonga, que é o Cabo. O Zizzy fazia parte do Cabo também, o Gson era daqui de cima. E o Rossi, para deixarem de existir separatismos entre a parte de baixo e a parte de cima, resolveu levar-nos a estúdio e gravarmos juntos uma música. Ele deu à junção dos dois grupos o nome de Wet Bed Gang, para assim terminarmos a separação que existia.

Quando, infelizmente, aconteceu a tragédia que nos tirou o nosso irmão, o nosso símbolo, nós unimo-nos e dissemos: Está na hora de fazer isto acontecer, tornar realidade o sonho que era do Rossi, cortar a separação que existe entre os nossos dois lados e levarmos para fora do bairro a força e o poder que tem a nossa música. A nossa mensagem.

Vocês definem os Wet Bed Gang como um movimento, que movimento é esse?

O próprio nome transmite o nosso estilo de vida, mas a coisa que mais nos une é mesmo o desejo que todos temos de levar o nome do Rossi o mais alto possível. Não há limites para o que esperamos para o nome do Rossi e isso acaba por ser o nosso movimento: o movimento Rossi.

Foi depois da partida dele que decidiram levar o grupo de uma forma mais séria?

Sim, acabou por ser um dos nossos maiores incentivos. Não há margem de dúvida. É uma forma de mantê-lo ao nosso lado, honrar o que ele foi em vida. Foi o que nos fez decidir: 'ok, nós temos de fazer isto acontecer'. No final do dia, depois de discussões, horas em estúdio, nós temos de olhar para nós e pensar se o estamos a honrar. E sempre que nós fazemos um projeto, sempre que nos reunimos em estúdio, é esse pensamento que levamos.

Que estilo de vida é esse de que falas?

É um estilo de vida feliz, alegre. Tentar levar o mínimo de preocupações para o nosso quotidiano. Também importa o trabalho, a dedicação. Sem isso era impossível nós chegarmos onde chegámos. O que nós fazemos acaba por fugir àquilo que é um trabalho normal e tornou-se mesmo um estilo de vida.

Chega a um ponto em que eu próprio quero que a minha mãe ouça uma música minha e consiga cantar a letra todaQuando é que se deu aquele clique em que perceberam que estavam realmente a fazer muito sucesso?

Já tínhamos muitas músicas e reparámos que os números na Internet estavam a aumentar, recebíamos mais mensagens, mas chegou a um ponto em que íamos a festivais e ouvíamos a música ‘Não Tens Visto’ a tocar. Aí começámos a achar, isto já não está a ser normal. Estarmos em casa e ouvirmos no Meo Sudoeste a nossa música, sem estarmos presentes, foi um ponto de viragem para percebermos que estávamos mesmo a chegar a massas... e nós não tínhamos noção.

A partir daí e com a chegada ao sucesso mudou alguma coisa em vocês e no grupo, ou continuaram a ser os mesmos e a fazer tudo da mesma forma?

Tornou-se mais estratégica a maneira como abordávamos o que estávamos a fazer. Se calhar, deixámos de ver isto como uma brincadeira. Mas acho que continuámos os mesmos, na nossa maneira de agir uns com os outros, de respeitar as pessoas que nos estão a ouvir. Independentemente das nossas ‘ego trips’, respeitar sempre o público de fora, os músicos, as pessoas que fazem parte do movimento rap, hip hop e mesmo todos os que fazem parte do mundo da música. Isso nunca mudou por nós termos começado a ganhar mais notoriedade.

E as letras dos vossos temas, achas que o sucesso e o facto de pensarem mais estrategicamente, pensando nas rádios e na comercialização, vos tirou liberdade para escreverem ou cantarem tudo aquilo que querem?

Vou falar por mim, principalmente, até porque eu sou o mais asneirento [risos].

Acho que não limitamos a nossa linguagem para ascender. Tem de haver respeito pela criação, pela liberdade criativa dos artistas, mas temos noção que chega a um ponto em que eu próprio quero que a minha mãe ouça uma música minha e consiga cantar a letra toda, por exemplo [risos]. Limito-me mais nesse sentido. Mas não é aquilo que temos em mente quando estamos a criar, o que tivermos para dizer, dizemos.

Que mensagens é que os Wet Bed Gang querem passar nas letras que escrevem?

Lançámos agora um single chamado ‘Perseus’. O ‘Perseus’ simboliza muito da nossa mensagem. É uma mensagem de superação, é nascermos inclinados para a derrota mas conseguir dar a volta a tudo o que esperavam de nós. Não sendo apenas uma mensagem de revolta, mais importante ainda é a mensagem de incentivo, de superação, para motivar as pessoas que nos ouvem e que pensam que não são capazes. A primeira mensagem que queremos a transmitir é que toda a gente é capaz, com foco e com trabalho. Depende sempre de nós o percurso que vamos ter.

Hoje é um dia especial para os Wet Bed Gang, é o dia em que é lançado o vosso primeiro álbum - 'Ngana Zambi'. Sei que vocês decidiram adiar o lançamento do disco por causa da pandemia, mas agora acharam que não fazia sentido esperar mais. Qual o motivo desta decisão?

Já estávamos a trabalhar no álbum há bastante tempo e entretanto lançámos alguns singles, singles esses que estão incluídos no álbum. Temos de pensar nas pessoas que nos seguem, não fazia sentido continuarmos a adiar visto que não sabemos quando é que a pandemia vai acabar… não está nas nossas mãos. Nós temos muita música, muita criatividade para dar e achámos que não fazia sentido continuar a prender este projeto.

Vocês estavam num momento muito positivo antes do início da pandemia, muito sucesso, muitos concertos, estava tudo a correr muito bem. De que forma é que a pandemia e o confinamento mexeram com a vossa carreira e, de certa forma, a podem ter afetado?

O que aconteceu acabou por nos ajudar a organizarmo-nos melhor, preparar bem as músicas, perceber como é que está o mercado, como é que o público está a reagir aos temas. Com o tempo acabámos por entender que a pandemia está a fazer parte da nossa vida, que temos de viver com ela e seguir com a vida para a frente.

Já há muitas saudades do palco?

Enormes, eu sonho com o palco. Sonho com o dia em que vou voltar a ver um mar de gente à nossa frente. Ver os nossos seguidores a apoiarem-nos, a cantar por nós e nós a cantarmos por eles. É um desejo que não há forma de explicar. E para colmatar essa ausência só mesmo oferecendo ao público um álbum como este.

Voltando precisamente a este novo álbum. Como é que surge o nome Ngana Zambi?

Tem um significado muito forte, faz parte da tradição angolana. Significa o nosso anjo da guarda, o símbolo que temos lá em cima, algo protetor. Vai muito ao encontro da imagem que nós temos do Rossi, que sabemos que tem estado a olhar para nós... sempre. O Rossi é a nossa Ngana Zambi.

Notícias ao Minuto A capa do novo álbum dos Wet Bed Gang© DR

Vocês dizem que neste disco está a junção de tudo o que foi vivido no vosso percurso, essas vivências estão espelhadas nestes 14 temas?

Sim, sim. Quando as pessoas ouvirem o álbum, espero que estejam bem atentas, porque ele tem muitas mensagens. Gostava de referir também a participação do Bonga, como narrador, que é algo que vai ajudar bastante as pessoas a perceberem aquilo que queremos transmitir.

Foi um percurso de dor no início, começou com uma tragédiaE porque é que escolheram o Bonga?

Sou fã do Bonga, para mim é um ícone a nível nacional, a nível africano, a nível mundial. Para mim o Bonga é um símbolo da música e acho que não havia ninguém melhor para explicar o conceito Ngana Zambi. Era a pessoa ideal para explicar aquilo que quisemos fazer.

Como é que defines o vosso percurso?

Foi um percurso de dor no início, começou com uma tragédia. Dor, honra, superação e orgulho. São quatro palavras que acho que consigo usar para descrever o nosso trajeto.

Não podemos nunca deixar para trás o bairroAchas que já conseguiram superar essa tragédia?

Não se supera, aprende-se a viver com ela. E a melhor maneira de conseguir viver com um assunto tão delicado como este é ter como objetivo tornar esse assunto em orgulho, em força e em algo que nos dê perseverança para conseguirmos os nossos objetivos. E no fundo sinto que é o que nós fazemos.

Com o novo disco sairá também o vídeo do single 'Sai do Meu Hood'. Este vídeo foi gravado na V-Block, em Vialonga. O bairro continua a ser um sítio muito importante para o grupo?

Claro, é o nosso berço. É o sítio onde nós crescemos, onde temos os nossos familiares. É o bairro onde eu estudei, onde o Zizzy estudou, onde o Gson estudou, onde o Zara G estudou. O Zara G é meu vizinho do lado, o Gson vive a um quarteirão de mim, o Zizzy vive um pouco mais abaixo e ao lado do Brizzy. O Paizinho também. É o nosso sítio, nós vivemos ali. O nosso bairro é a nossa casa.

Para vocês sair do bairro está fora de questão?

Mesmo saindo, nós vamos estar sempre a representar o bairro. Não é uma zona central, é uma zona distante, pouco destacada, acho que temos de levar o nome deste bairro mais à frente. Além de estar conotado com muita violência, de anos anteriores, também há ali bons exemplos a tirar. Temos jogadores de futebol, hoje em dia temos montes de músicos que estão a ter sucesso: Phoenix RDC, Nenny, Giovanni. Há um leque de artistas que dentro deste bairro, onde era tudo muito difícil, conseguiram superar-se. Isso tem de chegar fora, as pessoas têm de saber. Não podemos nunca deixar para trás o bairro.

E o bairro está nos vossos temas?

Sim, claro. Graças a Deus hoje podemos dizer que temos um grande hit chamado ‘Bairro’. É um dos nosso grandes orgulhos, sabermos que fizemos uma música com o nome de bairro e que ela foi aceite pelo país.

Hoje em dia os Wet Bed Gang são considerados referências do hip hop português, têm milhões de streams das vossas músicas e centenas de concertos pelo país. O que é que sentes ao olhar para todas estas distinções e feitos alcançados?

Olho para isso com agradecimento, agradecimento e respeito. Antes de nós já havia muita gente a dar tudo pelo hip hop. O Phoenix RDC também teve um grupo enorme, só que a acessibilidade não era a mesma, não existia o YouTube. Hoje em dia podes não ter uma música na televisão, mas tens um canal de YouTube onde consegues crescer e as pessoas conseguem acompanhar-te mesmo que a comunicação social não fale de ti, consegues fazer a tua própria comunicação. Não podemos esquecer as pessoas todas que fizeram com que fôssemos olhando para elas como exemplos para conseguirmos fazer o que estamos a fazer agora.

Achas que ainda é difícil para o rap e para o hip hop chegar à rádio e televisão?

Espero que com o tempo tudo evolua, as mentalidades mudem e se perceba que tudo é música. Espero que isso comece a evoluir nesse aspeto e que as rádios passem cada vez mais música, como têm feito. Têm apoiado bastante e espero que seja cada vez mais esse apoio. Essa é uma das grandes lutas de toda a comunidade do movimento hip hop e de outros, todos os músicos querem que passe mais música e principalmente mais música nacional.

Os fãs que vão ouvir este disco, o que é que vão encontrar de diferente?

Vão dar de caras com uma maior maturidade por parte dos Wet Bed Gang. Vão perceber que crescemos, vão perceber que respeitamos muito o público, que olhamos muito para o que fazem por nós e que gostávamos muito que isso continuasse. Queremos que continuem a apoiar-nos como têm apoiado. Sempre que houver esse apoio, haverá este estimulo para fazermos boa música para lhes entregarmos. É quase um fifty, fifty [50/50].

Além do disco, têm outras novidades preparadas para breve?

Nós estamos sempre a trabalhar, é uma questão de nos seguirem e vamos revelar a informação a seu tempo. Agora eu gostava que desfrutassem ao máximo do álbum, que é o que importa neste momento, consumam ao máximo, mandem para o mundo inteiro e depois disso vamos tentar perceber o que podemos oferecer ao público como forma de agradecimento.

Achas que o Rossi está orgulhoso do vosso percurso?

Acho que sim, acho que sim. O Rossi faz anos hoje, dia 21, espero que ele goste da nossa prenda para ele.

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